Diante de polêmicas envolvendo acusações de Bella Campos, manutenção de Cauã Reymond na produção se torna inviável. Mas o que fazer com um personagem essencial para a trama?
Patrick Selvatti
O remake de Vale tudo, releitura ousada do clássico de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, surgiu com a proposta de ser um tributo à teledramaturgia brasileira. No entanto, em vez de florescer sob os holofotes da nostalgia, o projeto capitaneado por Manuela Dias se vê tragado por um turbilhão de bastidores. A polêmica envolvendo Bella Campos e Cauã Reymond — permeada por denúncias graves de abuso e misoginia — transforma o que deveria ser uma celebração artística em um campo minado de tensões éticas e estruturais.
É impossível dissociar a ficção da realidade quando os protagonistas de um dos casais mais vis da dramaturgia nacional — Maria de Fátima Acioli e César Ribeiro — se tornam, fora das câmeras, o epicentro de uma disputa moral. A ironia, por si só, seria digna de uma novela à parte. Mas a gravidade do caso impõe uma reflexão mais profunda: até que ponto a indústria televisiva brasileira está preparada para lidar com seus monstros?
Aqui não haverá posicionamento sobre quem está certo ou errado: além dos dois envolvidos e poucas testemunhas, nenhum posicionamento oficial foi feito de nenhuma parte, nem mesmo da emissora sobre o episódio lamentável. Assim, por ora, são só fofocas de bastidores. Porém, não dá para fingir que nada está acontecendo. E Vale tudo precisa ser salva de um naufrágio.
Um novo César?
A decisão mais nobre, no momento, seria afastar Cauã Reymond do elenco. Ainda que radical, a estratégia deve soar menos como punição e mais como medida de contenção. A direção pode escalar um outro galã no nível estético de Cauã Reymond e com estofo para substituí-lo na produção, adquirindo todas as características do anterior. No mercado, as opções para essa escalação são diversas. Rômulo Estrela é um exemplo: afastado das novelas desde o fim de Travessia, em 2023, a qual protagonizou, poderia ser uma boa escolha, após ter vivido um tipo parecido em Verdades secretas 2.
Ou Manuela Dias simplesmente criaria um novo César, utilizando esse mesmo ator substituto, com um outro nome. Até porque, do ponto de vista narrativo, há uma saída confortável. César, por mais central que pareça, é uma peça solta no tabuleiro. Não tem vínculos familiares, tampouco raízes nos núcleos estruturais da história. É um personagem descartável — uma alegoria do oportunismo oco e envolto por um verniz estético poderoso que ele representa. Sua substituição do enredo não compromete o fluxo dramático. Pelo contrário, oferece a chance de atualizar a narrativa, testar novos atores e reforçar o protagonismo de Maria de Fátima como figura motriz da trama.
Matar o gigolô poderia soar com um simbolismo perigoso em tempos de tanta incitação ao ódio. César pode simplesmente fazer uma viagem sem volta, deixando o caminho livre para Maria de Fátima conhecer um novo comparsa. A direção poderia optar, por exemplo, por resgatar o amigo dele, Franklin (Samuel Melo), que, assim como na versão original, saiu de cena sem grandes explicações. Ou deveria aproximar mais a vilãzinha de Olavo (Ricardo Teodoro), o fotógrafo que acoberta o colega e que, originalmente, só apareceria na trama no capítulo 60, mas teve sua entrada antecipada. Aclamado como Melhor Ator Revelação em Cannes, o ator mineiro de 36 anos tem grande potencial artístico a ser explorado.
A pergunta que fica, no entanto, é menos sobre o destino do protagonista César Ribeiro e mais sobre o destino de Vale tudo enquanto símbolo. Essa novela sempre foi um espelho ácido do Brasil — um retrato implacável da ética maleável, da sede de ascensão a qualquer custo, e da hipocrisia das elites. Para que esta nova versão funcione, será preciso mais do que um remendo técnico na escalação: será preciso que a própria produção olhe para dentro e tenha coragem de confrontar suas vaidades.