A primeira cena de Amor de mãe mostrou que estávamos diante de uma produção no mínimo diferente. Lurdes (Regina Casé, bem no papel) era entrevistada pela advogada Vitória (Taís Araújo) para uma vaga de babá. Até aí tudo bem. Mas nós só víamos Lurdes e escutávamos Vitória num enquadramento raro na TV.
Assim como é raro que uma novela das 21h não traga a batida fórmula do triângulo amoroso, da mocinha sofredora, do vilão capaz de tudo. Não se engane: Amor de mãe não é uma novela sem mocinhos ou sem vilões. Ao contrário: todos ali têm traços de mocinhos e vilões.
Lurdes é batalhadora, nordestina teve o filho Domênico vendido pelo marido quando bebê e convive com essa dor e com a busca que parece infinda. Mocinha, né? Mas ela mata o marido quando descobre a venda acidentalmente, foge e deixa o corpo lá. Mais tarde, o filho dela, Magno (Juliano Cazarré), mata um homem e conta com a ajuda dela para apagar os vestígios do crime. E aí: vilã?
Vitória parece ser mais facilmente classificada como vilã. A advogada é especializada em defender clientes de índole duvidosa, como o empresário Álvaro (Irandhir Santos) ou Kátia (Vera Holtz), mulher que comprou o filho de Lurdes e já disse que Vitória deve alguns favores a ela. Mas como não dizer que aquela mãe é mocinha? Ela adota Thiago e dá ao menino todo o amor e conforto de que é capaz.
A outra “mãe” do título segue pelo mesmo caminho: Thelma (Adriana Esteves, a melhor atriz entre as protagonistas até agora) faz de tudo para “proteger” o filho, Danilo (Chay Suede), da vida. O rapaz não dá um passo sem a interferência da mãe, que não conta a ele que tem um aneurisma que pode romper a qualquer momento. Puro amor! Mas a mulher não abre mão do restaurante da família por egoísmo.
E ainda há a suspeita da internet de que Danilo seja o filho de Lurdes ー a autora Manuela Dias vai ter que rebolar para fazer essa possibilidade crível, pois Danilo apareceu bebê nos flashbacks de Thelma quando ela o salvou de uma casa em chamas (aliás, a tranquilidade de Thelma entrando no meio do incêndio, resgatando o menino e deixando o marido lá foi estranho) e a criança de Lurdes já até andava quando foi vendida. Vale ressaltar que essa versão não está na sinopse de Amor de mãe divulgada pela Globo e que Humberto Carrão está escalado para fazer o papel do rapaz que seria Domênico.
Manuela Dias, a autora de Amor de mãe, apareceu para o público e para a crítica quando escreveu a excelente minissérie Justiça. Foi de lá que trouxe o arrojo mostrado na tela pela direção certeira de José Luiz Villamarim. São cenas belíssimas, como o atropelamento que matou Sinésio (Julio Andrade vai deixar saudades), irmão de Thelma; uma simples volta pra casa de Magno do posto de gasolina onde ele trabalha que vira uma divertida apresentação de personagens, pois o homem vai cruzando o caminho de uma série deles; a conversa de Magno e Lurdes sobre a suposta morte de Domênico; ou uma singela homenagem à famosa cena da pipa no telhado do clássico Gabriela.
Tudo isso é envolvido por um texto redondinho ー estávamos com saudades de um bom texto no horário nobre. Os dramas vividos pelas três protagonistas são embalados por um roteiro que emociona. Mesmo quando Thelma, Lurdes e Vitória não estão em cena isso acontece. Os discursos de Camila (Jéssica Ellen – olho nessa atriz!) em sua formatura como professora de história ou no primeiro dia de trabalho foram de levar às lágrimas. Aliás, a força de Camila é de se notar. Os encontros de Vitória e Thiago também emocionaram. Amor de mãe é para se assistir com um lencinho do lado. Para aliviar, pérolas como “o capital remove montanhas, que dirá escolas” nos divertem.
Muitas coisas ainda estão por vir ー o que é natural e muito bom. O que aconteceu com o irmão de Betina (Isis Valverde), supostamente assassinado por Magno, mas cujo corpo misteriosamente sumiu é uma trama que pode render. Alguns ajustes precisam ser feitos: a maioria dos capítulos terminou sem um gancho para o próximo, por exemplo.
O elenco de Amor de mãe está muito bem. Adriana Esteves, Regina Casé, Tais Araújo, Nanda Costa, Isis Valverde e Murilo Benício estão ótimos. Juliano Cazarré dá conta do recado como Magno, mas tem que tomar cuidado porque o personagem tem tudo para se tornar um novo Amadeu, personagem de Marcos Palmeira de A dona do pedaço que era meio abobado e deixava ser levado pelos outros até desaparecer. Magno tem mais energia e uma trama que é boa ー a esposa está em coma há anos e ele se apaixona pela enfermeira que cuida dela e da filha ー , mas trama boa Amadeu também tinha.
O capricho de Amor de mãe é completo ー vai do texto ao elenco, passando pela direção e pela trilha sonora, com duas músicas de Gonzaguinha e duas com Maria Bethânia. Um amor de novela!
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