Mais do que falar de si e do próprio trabalho, Emicida faz um panorama da trajetória negra no Brasil no documentário AmarElo — É tudo pra ontem da Netflix, que estreia nesta terça-feira (8/12)
Assim que AmarElo — É tudo pra ontem começa Emicida diz uma frase que serve para definir tudo que ele quer mostrar no documentário da Netflix. De origem iorubá, a citação é “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só chegou hoje”. A partir da sentença, o rapper sinaliza que ele só quem é quem hoje e o disco AmarElo só tem a força que tem, graças ao passado negro, desde o samba até os movimentos culturais e sociopolíticos e, claro, todas as pessoas envolvidas nisso.
Para que isso ocorra, a produção faz uma mescla entre os bastidores das gravações de AmarElo — com cenas no estúdio com a presença dos músicos convidados do álbum como Zeca Pagodinho, Fabiana Cozza e Fernanda Montenegro só para citar alguns — e as imagens do show do ano passado no Theatro Municipal de São Paulo, com registros históricos de acervo e, quando não existem, transformados em desenhos animados. Tudo isso sob narração do próprio Emicida.
É tudo pra ontem é didático. Ele traz uma narrativa de fácil acesso e apresenta nomes importantíssimos da história brasileira que, ao longo dos últimos anos, têm ganhado luz, mas mesmo assim continuam invisíveis para grande parte da população, como o ator e escritor Abdias do Nascimento e a ativista Lélia Gonzalez. Além da dupla, o documentário dá espaço para contar a história de várias outras figuras negras relevantes para o Brasil. Os destaques para Ruth de Souza, que iria gravar Ismália com Emicida, Larissa Luz e Fernanda Montenegro, mas acabou morrendo antes; e Wilson das Neves, parceiro de longa data do rapper e um dos responsáveis pelos arranjos das faixas AmarElo, são emocionantes e dimensionam a grandeza desses dois artistas.
O documentário explica, inclusive, como esse apagamento da história negra aconteceu no Brasil, desde a demora do país em abolir a escravidão, um dos últimos, até a política do embranquecimento. O que torna AmarElo em um conteúdo ainda mais importante para que seja visto por gerações e gerações no país e também para fora dele, ao pensar que estará disponível para mais de 190 países do mundo.
Mostrando que a relação com as plantas tem tido um papel essencial em sua trajetória, Emicida divide AmarElo — É tudo pra ontem num ciclo da floricultura em três atos. No primeiro, intitulado Plantar, ele faz esse resgate histórico mostrando o samba, a representação negra na Semana da Arte Moderna de 1922 e o chamado neo-samba, gênero que ele define como o incorporador em AmarElo.
O segundo ato do longa-metragem é Regar, onde o destaque fica para as contribuições do ativismo negro, a partir do surgimento do Movimento Negro Unificado e da história do ato na escadaria do Theatro Municipal de São Paulo em 1978. Quando, em plena ditadura, os ativistas lutaram contra a discriminação racial. Daí a escolha pelo espaço para a realização do show do disco. O último ato do documentário é Colher e mostra os desdobramentos da “ocupação de espaço” e a consolidação de Emicida e de AmarElo. Tudo de forma muito coletiva.
AmarElo — É tudo pra ontem é um afago no coração e como o próprio Emicida ao lado de Majur e Pabllo Vittar canta na faixa-título do disco é uma narrativa em que se fala sobre as vitórias, não necessariamente sobre as cicatrizes. Também é bonito perceber ao final do filme a força da coletividade, desse grupo de pessoas que desbravam e desbravaram um Brasil racista em busca de um futuro melhor.