amareparaosfortes1 Cena de Amar é para os fortes | Rachel Tanugi Ribas/Amazon Prime Video

Amar é para os fortes, álbum de Marcelo D2, vira série na Amazon

Publicado em Entrevista

Amar é para os fortes estreia na Amazon Prime Video com história sobre maternidade em um contexto de racismo, injustiça e violência

Por Pedro Ibarra

Um tiro em alguém da comunidade é um tiro em toda a favela. Essa mensagem é o cerne de Amar é para os fortes, nova série da Amazon Prime Video que estreia na próxima sexta-feira. A série, inspirada pelo álbum homônimo de Marcelo D2, acompanha uma jornada de amor, arte e dores muito distintas de duas mães negras que têm as famílias vítimas da opressão e violência do estado do Rio de Janeiro.

No enredo, Rita (Tatiana Tiburcio) perde o filho Sushi (João Tiburcio) após ele ser confundido com um criminoso em uma invasão policial ao Complexo da Maré. O responsável pelo tiro é o jovem policial Digão (Maicon Rodrigues), que fica atormentado pelo erro que custou a vida de uma criança de 11 anos. A mãe do autor do disparo, Edna (Mariana Nunes), tenta então resolver a situação da melhor forma possível. Em outro núcleo, Sinistro (Breno Ferreira), irmão de Sushi, tenta organizar uma resposta ao caso por meio do enfrentamento artístico.

A história, portanto, gira em torno dessas duas mães que, de uma forma ou de outra, não conseguiram proteger os próprios filhos do mundo. A narrativa apresenta Rita em busca de justiça por Sushi e a dor de ser silenciada pelo Estado. Edna, por sua vez, vive a dor de ter que ver o filho arcar com as consequências das próprias escolhas. O teor racial dá outra camada para história, afinal o racismo estrutural é ponto crucial para o desenrolar dos eventos.

O seriado é todo muito pesado e trata de dores de pessoas reais, apesar de ser uma ficção. “É a luta por memória, justiça, por causa de um filho que você perdeu para violência do Estado é uma força que move o mundo”, afirma Antonia Pellegrino, criadora da série, ao lado de Marcelo D2 e Camila Agustini, e responsável pela adaptação do álbum visual para o novo formato. “Trabalhamos uma questão super complexa, que tem muita responsabilidade e que tem uma combinação muito feliz de forma e conteúdo. Queríamos trabalhar com a história que tínhamos mas ao mesmo tempo fugir do chavão do ‘bandido e mocinho’, figuras que não existem aqui”, complementa Camila.

Os próprios atores sentiram o peso do que estava sendo feito na tela. “Não tinha cena fácil, só coisa densa. O trabalho de ir fundo cavucar para achar a coisa começou na sala de ensaio”, conta Maicon Rodrigues. “É uma série pesada, mas ficamos tranquilos porque tínhamos o olhar um do outro. Nós estávamos juntos, tínhamos um ao outro, segurávamos um ao outro”, continua Breno Ferreira.

Mariana Nunes topou fazer a série por se tratar de um tema interessante e desafiador na dualidade entre a vivência e a ficção. “Eu não vivo e nem vivi em um contexto de favela, nem perto de mim ou familiares. Porém, por ser uma mulher preta, eu sei o que isso significa andando para trás e para frente na história e entendendo o presente”, explica a atriz brasiliense. “Então, apesar de eu estar interpretando uma personagem que não tem nada a ver comigo, tem tudo a ver com a minha história”, complementa.

Tatiana Tibúrcio teve uma experiência muito mais pessoal: ela é mãe na vida real do intérprete do filho de Rita na ficção, João Tibúrcio. “Quando eu estava fazendo, eu conseguia ter, por mais difícil que fosse — e esse foi difícil em um degrau que eu nunca havia experienciado — eu conseguia criar uma proteção para minha maternagem. Hoje, eu te digo que não consigo. Estive tensa com a possibilidade de ir na pré-estreia, eu não conseguiria ver, mal consigo falar sobre”, confidencia a artista. Ela reflete o papel de Rita como uma forma de representar muitas dores de mulheres de comunidades brasileiras: “Ela é toda mulher preta que sente dor. Um reconhecimento que nos une pelo racismo que nos atravessa”.

“Essa é a primeira vez que a gente tem em uma história de comunidade o ponto de vista das mulheres como protagonistas”, exalta Kátia Lund, diretora da série ao lado de Yasmin Thayná e Daniel Lieff. A série busca quebrar os paradigmas da forma como se mostram as narrativas de comunidade. “Há um costume muito grande filmar a favela como se fosse um faroeste, um lugar desértico e sem vida, focando na tristeza. Só que a gente preferiu filmar a vida acontecendo, apesar das eminências de interrupção da vida o tempo inteiro”, acrescenta Yasmin, que também assina o roteiro. “A luta pela justiça através da arte e do amor mostra que a série é uma coisa muito diferente. Sem contar que esta é a primeira série que eu conheço que foi originada a partir de um álbum”, destaca Daniel.

Dos fones para as telas

Rachel Tanugi Ribas/Amazon Prime Video

Como pontuado, essa é uma rara adaptação de um álbum para série. O projeto começou em 2018, pouco depois do lançamento do disco, disponível em formato visual no YouTube. As mães chegam para dar um coração à história. “Eu sempre fui ativista de causas como as de gênero e uma das coisas que mais me tocava eram as mães de vítimas. Eu sou mãe e sempre que eu via a força dessas mulheres, e já pude ouvi-las algumas vezes, aquilo me emocionava muito”, lembra Antonia Pellegrino.

O momento em que o Brasil se encontrava politica e socialmente também chamou a atenção para necessidade da série. “Na altura da primeira reunião para pensar na série, era 2018. No Rio de Janeiro tinha acabado de ser eleito um governador com a retórica de ‘tiro na cabecinha’. Entre 2016 e 2023, a média é de, a cada quatro dias, uma criança ou adolescente baleada. São dados de uma guerra”, recorda a criadora. “Essa guerra que a gente vive no Rio de Janeiro não é boa para ninguém, ninguém sai ganhando com isso”, completa Marcelo D2.

“O nosso grande desafio foi tirar do lugar-comum. Têm tantas camadas, foi tão legal fazer isso de fugir do óbvio, do polícia e ladrão”, detalha D2. A importância da série vive nos becos e vielas das favelas do Brasil. “O amor pela arte é o que traz um viés para ser possível digerir. Ninguém falaria de algo tão pesado e complexo de uma forma que ninguém tivesse coragem de assistir. O Brasil precisa ver essa série não só para se entreter, mas para refletir sobre o que está acontecendo no país”, crava Malu Miranda, chefe de Conteúdo Original para o Brasil do Amazon Studios.

Em um país com as estatísticas apresentadas por Antonia, é importante uma série como Amar é para os fortes. Todos os envolvidos se emocionaram e se orgulham do trabalho entregue. “Que bom que isso foi para tela. Aproveitem, a gente viveu isso a todo vapor”, convida Breno.