Patrick Selvatti
Para viver Hori, comandante do poderoso exército egípcio na nona temporada da série Reis, o ator Remo Rocha submeteu-se a uma intensa preparação e impressionante transformação física. Ele raspou a cabeça e todos os pelos do peito, braços e pernas, retomou a musculação e teve aulas de luta, espada e equitação. “Eu me considero um operário da arte, e como tal, sirvo a ela. Quando estou trabalhando, meu corpo, minha mente e meu intelecto servem a ela, ao personagem e a história. Sem vaidade, sem pudor ou julgamentos morais. O limite é minha sanidade mental”, afirma o taurino de 53 anos, natural de Resende (RJ).
Remo não se importa de ficar barbudo, careca, muito magro ou muito gordo enquanto estiver servindo a um projeto ou personagem. “Até porque gosto de trabalhar o personagem fora de cena. Obviamente que me cuido, gosto de estar bem, saudável, e preservo meu corpo, que é meu instrumento de trabalho. Mas vejo-o como uma massinha de modelar que pode ser alterada conforme o personagem. Isso não é um problema”, complementa ele, que fala, ainda, sobre a vaidade em contraponto ao envelhecimento. “Não é fácil. Eu sonho em envelhecer sabiamente. Serenamente. Com saúde”, observa.
No âmbito profissional, Remo observa que busca entender onde é o seu lugar e onde deve gastar as energias. “Existe, sim, uma cobrança implícita, e ela não dialoga diretamente com você, mas através de sinais. É preciso estar atento e compreender não quem você é, mas quem você se tornou e como você se encaixa no mercado”, ressalta, em entrevista ao Próximo Capítulo.
Reis é o quinto trabalho de Remo na Rede Record: o ator esteve antes em Balacobaco, Rebelde, Jesus e Gênesis. O ator fluminense também estará em Veronika, série original do Globoplay que ainda será lançada.
Além de raspar o corpo todo, o que você já fez ou faria de transformação para um trabalho?
Eu me considero um operário da arte, e como tal, sirvo a ela. Quando estou trabalhando, meu corpo, minha mente e meu intelecto servem a ela, ao personagem e a história. Sem vaidade, sem pudor ou julgamentos morais. Gosto muito de ser dirigido e sou aberto ao olhar externo, seja no aspecto físico ou na concepção do personagem. Uma vez traçado o caminho, começo a colocar em prática aquilo que entendemos ser o necessário para dar vida àquele personagem dentro daquela história. O limite é minha sanidade mental. Uma vez teria que emagrecer 12 k para a cena final de um longa (Teus Olhos Meus). Essa metamorfose era apenas para uma cena, a cena final. E topei. Quando já tinha perdido cerca de 8k, o diretor (Caio Sóh) me ligou e disse que o final não seria mais aquele, que terminaria o filme com o personagem chorando no carro e, por conseguinte, eu poderia “abortar o emagrecimento”. Acredite, apesar de todo esforço em vão, fiquei feliz porque não gostava daquele final.
Como você equilibra o desapego estético para a construção de um personagem e a vaidade de homem que nitidamente possui?
Não me importo de ficar barbudo, careca, muito magro ou muito gordo enquanto estiver servindo a um projeto ou personagem. Até porque gosto de trabalhar o personagem fora de cena. Obviamente que me cuido, gosto de estar bem, saudável, e preservo meu corpo que é meu instrumento de trabalho. Mas vejo-o como uma massinha de modelar que pode ser alterada conforme o personagem. Isso não é um problema.
Em teus olhos meus e Canastra suja, ambos de Caio Soh, seus personagens são homens de meia idade, homossexuais, que se relacionam com garotos. Como você lida com o envelhecimento? Sente alguma cobrança em relação a se manter esteticamente jovial?
Vou responder a esta pergunta citando uma fala da minha prima Malu (Mader) – sim, somos primos distantes, mas pouca gente sabe, nós mesmos nos demos conta disso há pouco – em uma entrevista recente: “Sejamos sinceros, envelhecer não é fácil”. Verdade pura e simples. Malu como sempre, assertiva. Não é fácil. Eu sonho em envelhecer sabiamente. Serenamente. Com saúde. É meio estranho saber que você tem mais vida para trás do que para frente. Portanto vivo um dia de cada vez. E procuro praticar yoga, meditação, exercícios e manter uma alimentação saudável. No âmbito profissional, busco entender aonde é meu lugar e onde devo gastar minhas energias. Existe sim uma cobrança implícita, e ela não dialoga diretamente com você, mas através de sinais. É preciso estar atento e compreender não quem você é, mas quem você se tornou e como você se encaixa no mercado. Mas existe um universo não necessariamente dentro do mercado comercial, onde o artista pode trabalhar e se realizar, que é o universo dos projetos pessoais. É nesse universo que escrevo roteiros, viajo com meu monólogo, gravo minhas coisas, dirijo, edito, produzo, etc…
Reis é uma novela bíblica e, como tal, retrata um período marcado pelo patriarcado. Qual é a visão que o Remo tem da desconstrução do machismo estrutural na sociedade?
Acho que já conseguimos evoluir bastante, mas acredito que ainda estamos a léguas de distância de nos livramos desse mal terrível. E não me refiro somente ao machismo estrutural, mas também ao racismo, homofobia, transfobia, misoginia, entre outras coisas. A extrema direita e o bolsonarismo escancaram essa faceta horrorosa que vive entranhada na nossa sociedade desde que o Brasil é Brasil. As máscaras caíram e vimos de perto o “tamanho do monstro”. Há muito que ser feito e acredito que o caminho passa não só pela criminalização/repreensão, mas também pela educação de base. É preciso formar seres humanos conscientes, educados, gentis e politizados.
Você está em Veronika, série que será lançada no Globoplay. O que pode nos adiantar desse papel?
Eu vivo um cara da elite carioca, um empresário extremamente rico e poderoso que vê sua filha adolescente desaparecer. Nesse processo ele faz contato com seu advogado e Verônika, que trabalha para este advogado, acaba pegando o caso.
A série tem Roberta Rodrigues como protagonista. Como você enxerga esse destaque que o audiovisual tem dado ao artista negro?
Com muita felicidade. É o reflexo direto dos movimentos sociais e da tomada de consciência por parte da sociedade. O mundo está mudando e é preciso acompanhar essas mudanças, seja por obrigação ou engajamento, não importa. O fato é que o audiovisual é o espelho de um país onde mais da metade de sua população é preta. Portanto nada mais justo e coerente do que metade de um elenco ser preto. Além do que temos excelentes atores pretos que estão tendo, finalmente, a oportunidade de mostrar seu trabalho. Atores, diretores, produtores… Além disso, existe outro fator de suma importância: representatividade. As crianças pretas precisam ver pessoas pretas na televisão e pensar “Eu posso fazer isso”. Quando me sondam pra um trabalho, gosto de perguntar “Como é a equipe, qual a quantidade de mulheres? E gays? E trans?”.
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