Por meio do personagem Diego, novela Verão 90 traz a discussão sobre racismo à tona. Confira entrevista com o ator Sérgio Malheiros!
Atual novela das 19h da Globo, Verão 90 é uma trama leve, calcada na comédia. Mas isso não impede que o folhetim de Izabel de Oliveira e Paula Amaral deixe assuntos sérios de lado. O racismo é um dos que são abordados, especialmente por meio do personagem Diego, defendido por Sérgio Malheiros.
Cansado de ver injustiças, o rapaz se forma em direito para defender os negros e ainda vive um romance interracial com a riquinha e branca Larissa (Marina Moschen). “O casal quebra alguns paradigmas a respeito de casais interraciais. Vem para tirar esse tabu que existe em cima, esse preconceito estrutural que às vezes nem é exposto através de palavras, mas de olhares. É claro que eles são um casal pra frente, porque vivem em uma época que é diferente de hoje. A luta negra estava tomando força ainda. Fico muito contente em trazer essa história para o público, a mensagem de que o amor não tem gênero e nem cor”, afirma Sérgio, em entrevista ao Próximo Capítulo.
A trama de Verão 90 se passa na década de 1990 (começa em 1990 e já chegou a 1993). O fato de mais de 25 anos terem sido vividos não fez com problemas raciais fossem coisa do passado. Pelo contrário. Mas, para Sérgio, o cenário longe do ideal apresenta algumas conquistas: “tivemos avanços, sim, a respeito do racismo no Brasil, mas ainda não é o cenário ideal e ainda temos muito para fazer. O importante é que os primeiros passos estão sendo dados, agora é continuar a lutar para progredir e reafirmar cada vez mais o nosso espaço de direito.”
Além da conscientização das pessoas e da voz alcançada pelo movimento negro, a internet, quando bem usada, pode ser uma aliada na luta pelos direitos sociais. “Eu não saberia dizer se estamos menos racistas, mas de fato cada vez mais casos de racismo têm vindo a público e as pessoas estão pedindo por resoluções eficientes, o que é ótimo. A rede social de fato potencializa algumas mensagens. É importante sabermos como usá-la ao nosso favor, para o bem de todos”, reflete Sérgio, que acredita que a nova geração já venha inserida nos movimentos sociais e que isso poderá ser um passo a mais nas lutas pela igualdade.
Leia a entrevista com Sérgio Malheiros
Em uma cena de Verão 90, o Diego sofre racismo. A novela se passa na década de 1990. Mudou muita coisa nesse aspecto de lá para cá?
Eu acho que não é só em uma cena que ele sofre isso. A novela é permeada por esses momentos. Eu acho que tivemos avanços, sim, a respeito do racismo no Brasil, mas ainda não é o cenário ideal e ainda temos muito para fazer. O importante é que os primeiros passos estão sendo dados, agora é continuar a lutar para progredir e reafirmar cada vez mais o nosso espaço de direito.
Estamos menos racistas ou é apenas uma impressão por causa da repercussão dos casos, devido à potencialização trazida pelas redes sociais?
Eu não saberia dizer se estamos menos racistas, mas de fato cada vez mais casos de racismo têm vindo a público e as pessoas estão pedindo por resoluções eficientes, o que é ótimo. A rede social de fato potencializa algumas mensagens. É importante sabermos como usá-la ao nosso favor, para o bem de todos.
Em alguns casos, essa potencialização pode ser usada para o mal também, reforçando crimes como o racismo. É possível ir contra isso? Como?
Eu acredito que, com muita batalha, conseguimos ir contra a maré de haters e desse racismo estrutural que ainda permeia a sociedade ao expormos a situação, mas com a intenção de esclarecer as pessoas e nunca julgar ou tratar com a mesma agressividade. Nós estamos vivendo um era de aprendizado e conhecimento é a chave para a evolução. É difícil, mas não impossível. É um trabalho de formiguinha.
Além de ter sido vítima de racismo, o Diego vive um romance com a Larissa (Marina Moschen), patricinha rica e branca. Uma novela das 19h trazer um casal como esse representa o que para a luta pela igualdade racial?
Para mim, o casal vem mais para quebrar com alguns paradigmas a respeito de casais interraciais, é para tirar esse tabu que existe em cima, esse preconceito estrutural que às vezes nem é exposto através de palavras, mas de olhares. É claro que eles são um casal pra frente, porque vivem em uma época que é diferente de hoje. A luta negra estava tomando força ainda. Fico muito contente em trazer essa história para o público, a mensagem de que o amor não tem gênero e nem cor.
O racismo, infelizmente, não é visto apenas na ficção. Na vida real, você já sofreu ou presenciou casos? Qual é a sua reação diante disso?
Todos nós, negros, passamos sim por momentos de racismo. Afinal de contas, todos nós (pretos ou brancos) temos as mesmas referências culturais do que é o bom ou ruim, bonito ou feio. Nós não estamos acostumados a ver um casal de negros na tevê representando o amor, o afeto. Nos comerciais de margarina, as famílias são sempre brancas. Nos comerciais de bancos também. As deformações sociais vão além: por que a arma branca é a que mata menos e a peste negra é que mata mais? A discussão está até na origem de nossas expressões. Nem todos os pretos já foram presos (como o Diego), mas todos nós vivemos o racismo diariamente. Quando ligamos a tevê e não vemos um casal de pretos, quando entramos nos espaço culturais e nos sentimos isolados. Quando ouvimos diversas vezes que nosso cabelo é ruim ou duro. Eu acho que é muito triste, principalmente quando vejo amigos e familiares passando por situações bem revoltantes, dói mais do que se fosse comigo.
O Brasil vive um momento em que a intolerância em campos como política e religião está muito alta. Teme que isso forme uma geração de jovens mais racistas do que a que temos hoje?
Ah, eu acho que não. A geração que está vindo é muito mais militante do que a minha, por exemplo. Eles estão nascendo dentro desses movimentos, estão ansiando por resultados mais concretos. Mas não tem como eu te dizer, com toda a certeza do mundo, que a nova geração será menos racista do que a anterior, porque na formação do ser humano tudo conta, desde a criação dos pais até as influências que a sociedade impõe para nós. Eu tenho esperança de que a próxima geração venha para continuar o movimento.
Você era pequeno na década de 1990, quando se passa a novela. Apesar disso, lembra-se de alguma coisa dessa época? O que mais te surpreendeu ao entrar no set de Verão 90?
Pois é, eu era bem novo! Acho que o que mais me lembro são as roupas e cortes de cabelo, (risos). Eu acho que o que mais me surpreendeu no set foi a riqueza dos detalhes da época. A equipe de cenário sempre se supera a cada novo trabalho.
Da década de 1990 para cá, houve vários avanços tecnológicos. Viveria bem numa sociedade menos conectada?
Que difícil… Olha, eu acredito que sim! Eu sou bem desligado de muitas coisas, alimento mais o meu Instagram porque adoro fotografia, por exemplo, mas ficaria tranquilo sem tudo isso. E tem toda uma questão de que, quando somos criados em um ambiente sem toda essa tecnologia, não tem como sentir falta de algo que nunca tivemos contato.
Este ano você já pôde ser visto em dois trabalhos bem diferentes no cinema: Cinderela pop e Cine Holliúdy 2. Essa diversidade é uma busca sua como ator ou aconteceu por acaso?
Com certeza é uma busca minha como ator. Acho que poucas coisas, quase zero, acontecem simplesmente por acaso. Para ter sucesso em qualquer tipo de profissão é preciso um planejamento estratégico para alcançar os objetivos e eu sempre fiz isso. Cada projeto que participo foi conquistado através de muito esforço.
Além de papéis diferentes, esses filmes têm públicos diferentes. Como é a reação de cada um deles? É muito diferente?
Acredito que, no caso de Cinderela Pop e Cine Holliúdy 2 são públicos distintos, claro, mas não tão opostos. O primeiro filme é bem teen, mas tem uma pegada de comédia leve muito bacana e que muitas pessoas se identificaram. Já o segundo é voltado para a comédia mais caricata, mas tem uma mensagem por trás, como todos os filmes do Halder Gomez.
Seus personagens na tevê geralmente têm profissões como feirante ou motoboy. Agora, você é um advogado. Isso acaba, mesmo que indiretamente, reforçando um preconceito da sociedade, trazido pelos autores de novela?
Eu acho que é mais um lugar de conforto que durante anos nos colocaram, mas hoje estamos passando por toda essa transformação na indústria artística que tem sido bastante benéfica e tem aberto os olhos de muitos autores e diretores que antes nunca tinham analisado sob esse prisma.
Você é casado com a Sophia Abrahão, que também é atriz. Ela te ajuda na composição de personagens ou de cenas?
A composição dos personagens é algo muito íntima que nós, atores, fazemos. Nós nos apoiamos mutuamente e ajudamos um ao outro quando necessário.