Em entrevista ao Próximo Capítulo, ator Mouhamed Harfouch, o Boris de Malhação, fala sobre a novela, cinema, a filha e política. Leia a íntegra do nosso bate papo com ele!
Malhação costuma ter os núcleos de estudantes e professores/pais bem definidos. Geralmente, os dois coexistem, mas pouco dividem os conflitos e emoções. Com a atual temporada, Malhação ー Viva a diferença não é assim. Os pais e professores dividem emoções, conflitos, dúvidas e certezas. Muito mais perto da vida real.
É nesse cenário que o ator Mouhamed Harfouch dá vida ao orientador e professor de ética e cidadania Boris. Amado pelos alunos do Cora Coralina e do Grupo, escolas da temporada, ele incentiva cada menino e tenta descobrir nos jovens um potencial a ser explorado. Assim como Mouhamed acredita ser o ideal, Boris compartilha com os pais o dever de educar.
“A relação entre a casa e a escola, entre os pais e professores é algo que necessita estar integrado”, diz o ator, numa fala que poderia ser muito bem do personagem. (A gente também entrevistou a Benê, lembra?)
Boris é um personagem que vai do céu ao ser exaltado pelos estudantes ao inferno, quando a rival Malu (Daniela Galli) o acusa de assediar a jovem Lica (Manoela Aliperti) sem provas e, mais, sem que a menina tenha se sentido ofendida. Coisas de novela, né? Claro que não!
“Por causa do Bóris, recebi depoimentos de professores que passaram pela mesma situação, mas que não tiveram a mesma sorte do Bóris, que acabou conseguindo provar sua inocência. Precisamos estar sempre atentos porque por mais que as aparências apontem para uma conclusão, não podemos julgar sem provas nem sem ouvirmos ambas as partes. Isto é um princípio básico do Direito”, conta Mouhamed.
Na entrevista a seguir, Mouhamed fala mais sobre Malhação (ele adora fazer a novela e a gente adora que ele esteja nela!), sobre paternidade, educação, música, poesia, cinema e tantas outras coisas.
Confira a entrevista completa com Mouhamed Harfouch!
A atual temporada de Malhação, entre outros temas, fala sobre a qualidade do ensino no país. Você acha que cenas como a do discurso de Doris a respeito das escolas públicas podem ajudar de alguma forma na luta pela melhoria da educação?
Acho que um grande passo para avançarmos essa luta no Brasil é mostrar as dificuldades que as escolas públicas enfrentam todos os dias para conseguirem se manter de pé mesmo com toda falta de infraestrutura e condições dignas por parte daqueles que deveriam olhar a educação como pilar básico de uma sociedade. Discursos como o da Dóris nos fazem refletir sobre esta importância, nos lembram da função transformadora da educação e seus agentes. Nos mostram que a única saída para a falta de ética e moral deste país é a educação.
Como é a integração entre os núcleos mais experiente e mais jovem em Malhação?
É maravilhosa. Eu sempre escutei o quanto é especial estar nesse produto que promove esse encontro entre jovens e veteranos. É uma troca tão saudável, tão importante e necessária para todos os lados… Se, para eles, nossa experiência é um aprendizado, para nós, a vitalidade e frescor dessa turma nos servem de motivação para uma reconexão com o nosso começo. Aprendo muito com eles. E que galera dedicada e talentosa a desta temporada! Tenho muito orgulho!
O Boris acaba lidando com a questão de educação ser papel dos pais ou da escola. Como pai, como você vê essa questão?
Acho que a educação é um processo continuado, com vários agentes que atuam neste caminho. Ela, sem dúvida, começa em casa, mas continua na escola e se completa ao longo da vida. A relação entre a casa e a escola, entre os pais e professores é algo que necessita estar integrado. Por isso, pensamos tanto na hora de escolher a escola onde vamos colocar nossos filhos. Temos que estar de acordo com o pensamento pedagógico, a linha de ensino, e os valores que são passados para nossas crianças. Como pai, me preocupo muito em entender e colaborar neste processo.
O Boris acabou se envolvendo numa delicada trama com a Lica, na qual uma aluna se apaixona por um professor e acabam o acusando injustamente de assédio. Você acha que a forma com que a situação foi retratada reforça a necessidade de sempre se ouvir os dois lados?
Sempre. Qualquer julgamento onde só consideramos um lado não é um julgamento. Essa palavra pressupõe ouvir ambas as partes e através da verdade buscar uma solução para qualquer conflito. Por causa do Bóris, recebi depoimentos de professores que passaram pela mesma situação, mas que não tiveram a mesma sorte do Bóris, que acabou conseguindo provar sua inocência. Precisamos estar sempre atentos porque por mais que as aparências apontem para uma conclusão, não podemos julgar sem provas nem sem ouvirmos ambas as partes. Isto é um princípio básico do direito.
Como veio o convite para viver o Boris? Chegou a pensar em não aceitar por ser em Malhação?
Veio pelo Paulinho Silvestrini, nosso diretor, o que me deixou muito feliz pois já havia trabalhado com ele em Pé na jaca. Quando soube que o autor era o Cao Hamburger fiquei mais feliz ainda. E quando me falaram sobre o papel e que falaríamos sobre educação me apaixonei. Pensar em não fazer por ser Malhação? Jamais! Pelo contrário, aceitaria principalmente por ser Malhação. Que produto tem essa longevidade dentro da emissora? Com um público que sempre se renova mas nunca perde a fidelidade? Tendo a oportunidade de me conectar com os jovens através de um personagem lindo que fala sobre ética, cidadania e educação num momento tão oportuno de descrença do país? Tenho imensa felicidade de estar num trabalho com essa qualidade humana e técnica.
Muitos de seus papéis são de origem árabe ou muçulmana ou carregam isso de alguma forma. Isso te incomoda? Tem medo de ficar estereotipado?
Fiz três personagens árabes, para ser sincero: um argelino, um libanês e um palestino. E fiz mais de 100 personagens na minha carreira que não têm qualquer ligação com este universo. É claro que estes três marcaram por terem feito sucesso na televisão, mas mesmo na tevê venho de uma sequência de trabalhos onde não há qualquer relação com minha origem. Nunca aceitei ou recusei um trabalho na vida por causa da origem do personagem. Isto é tão diminuto. Penso na história que vou contar, se me toca, se posso tocar o outro, emocionar, instigar, questionar, se me possibilita um desafio como artista. Isso, sim, me preocupa. Isso me motiva. Rótulos sempre vão existir porque somos reducionistas. Mas cabe a nós enquanto artistas irmos além de uma leitura rasteira.
Você é compositor e já gravou um EP com cinco faixas. É possível conciliar as duas carreiras ou a música é mais como um hobby?
Sempre tive uma relação com a música. Componho desde os 15 anos quando me reunia com meus amigos e irmão para tocarmos. Tive uma banda chamada Mentsana na adolescência. A música sempre me serviu como um espaço de meditação e para colocar minhas ideias para fora. Sempre levei como um hobby, uma válvula de escape, até porque a carreira de ator foi me levando e sou grato por isso. Mas também foi através de um convite para protagonizar o musical da Broadway Ou tudo ou nada que tive a coragem de gravar algumas composições e fazer o EP. Acabei reencontrando um antigo parceiro de banda e de lá para cá tenho tocado com mais frequência. Acho que é difícil conciliar as duas profissões, mas é possível. Temos inúmeros exemplos disso tanto aqui como lá fora.
O Boris escreve poemas. Qual é a sua relação com a poesia, já que você é compositor? Vai levar alguma poesia sua para ele?
Encaro minhas composições como poesias musicadas. Tenho uma música, inclusive, que fala isso: A poesia está ao alcance de todos, basta estarmos disponíveis para as suas manifestações. O problema é que passamos grande parte do tempo consumindo futuro, mergulhados no mundo encantado da internet e cada vez mais adormecidos para o agora. O Bóris tem sua própria poesia, não precisa da minha. (risos)
Você, além de ator, tem formação em direito. A insegurança da carreira artística ainda adia a realização do sonho de muitos atores?
Não sei se adia. Acredito que o sonho precisa servir como inspiração para a ação e através disso termos um objetivo para alcançar a nossa felicidade. Se vamos ou não, quem sabe? Mas é preciso caminhar. Ter fé, acreditar e fazer acontecer o nosso momento. Não dá para esperar o telefone tocar. Além do mais, o que é seguro na vida, além do seguro de vida?
Você tem filhos pequenos. Como vê a qualidade da programação infantil na tevê brasileira?
Hoje temos muitos produtos interessantes sendo realizados na TV, como Detetives do Prédio Azul e Valentins. Minha filha ama e tem a vantagem de montar a própria programação sem esperar o horário para ver determinado programas. Além dos clássicos Castelo Rá-tim-bum e Sítio do Pica Pau amarelo que a minha filha ama e tem a coleção inteira em DVD. Na minha época, tínhamos menos opções e não havia essa gama de canais específicos para crianças que encontramos na TV fechada.
Você está prestes a estrear o filme Uma pitada de sorte. Pode falar um pouco sobre esse trabalho?
Terminei as gravações do filme numa sexta e no sábado já estava provando figurino para o Bóris em Malhação. Foi uma delícia reencontrar a minha amiga Fabiana Karla e fazer seu par romântico. É uma comédia divertidíssima onde faço um taxista chamado Lugão, um tipo meio bronco mas doce, que sonha em ter uma academia de musculação e conversa com os próprios bíceps que chama de lugones. No seu carro, embora bronco, ele só ouve Mozart, música que o faz acelerar até o destino dos clientes.