Em sua segunda novela, a jovem Roza Haydêer comemora a complexidade da Urit, de Reis, e comenta a contemporaneidade de uma personagem bíblica
Quando um ator entra em cena, empresta corpo, voz, imagem aos personagens. Se a experiência é completa, há um retorno. É assim com Roza Haydêer e Urit, personagem que defende na minissérie bíblica Reis.
Se por um lado, a sonhadora personagem ressalta um otimismo intrínseco na atriz, por outro, a luta de Urit por expor os próprios ideais extrapola o roteiro e inspira Haydêer.
“Somos movidos pelos nossos sonhos, é o que nos mantém vivos por dentro, o que nos faz levantar e lutar por algo”, defende Haydêer. Com o pé na realidade, é Urit que dá as cartas: “Ela vem despertando em mim essa força, vem me empoderando também, com certeza serve de inspiração retratar e assistir a essa coragem.”
Na entrevista a seguir, Roza Haydêer fala sobre os desafios de viver Urit, o início da carreira (ainda criança) e sobre os direitos das mulheres. Confira!
Entrevista // Roza Haydêer
Quem é a Urit?
Uma jovem guiada por seus sonhos, com motivações. Ela não mede esforços para defender quem ama. É mais emoção do que razão, às vezes lidando com situações de forma impulsiva e inconsequente, com piadinhas debochadas e sinceridade na ponta da língua, mas carinhosa, observadora, muito esperta e altruísta. Ela é um contraste de quem sou, de forma harmoniosa e complementar, com nossas diferenças e similaridades. Irá cometer seus erros, seguir por caminhos guiados pela emoção, sobretudo, ela é humana.
Na sinopse ela é descrita como sonhadora. Acha que pode ser um escape, um alívio para o espectador diante de tantas tragédias fora da ficção?
Com certeza. Acho isso algo muito inspirador desse núcleo: traz leveza, alegria, otimismo no dia a dia, isso me conecta muito a ela. É um lembrete de não se esquecer do quão importante e transformador é sonhar. Quando temos isso dentro da gente as atitudes são outras, a mentalidade é outra, o gás, a chama, o entusiasmo são outros! A partir da complexidade desses personagens a gente se aproxima do real, do que é familiar.
Ao mesmo tempo ela também é descrita como uma menina que não abaixa a cabeça para as outras pessoas. Isso também pode servir como inspiração?
Acho muito importante saber se impor, ter a própria voz, saber se colocar sem ferir a moral de ninguém. É um traço de autoconfiança, algo que vamos buscando ao longo da vida, essa firmeza, algo que é diferente de ser rude ou soberbo, mas com respeito, na hora certa e da forma certa de abordar, aceitar receber aquilo que merecemos e nada menos que isso. Urit se impõe, não mede palavras e deixa claro posições e opiniões. Admiro isso nela e ela vem despertando em mim essa força, vem me empoderando também, com certeza serve de inspiração retratar e assistir a essa coragem, porém, com a sua impulsividade ela tem a tendência de agir sem pensar, o que transforma a situação em um caos.
A personagem é de uma época e de uma cultura de servidão feminina. Como é acionar esse seu lado? Tem vontade, às vezes, de dar uma “chacoalhada” na Urit?
O que acho mais legal é que, na época, esse conceito vinha de um lugar de cuidado, zelo, de amor, de servir e cuidar do seu próximo, o prazer que elas tinham em cuidar de cada detalhe. Mas ao mesmo tempo, existia a imagem da mulher, totalmente inferiorizada, em uma sociedade patriarcal, fora todo o trabalho braçal no qual eram felizes, mas, ainda sim, sendo um trabalho árduo, pesado, de longas horas. A novela retrata mulheres à frente de seu tempo, de personalidade forte, sábias e independentes. Para mim, acionar esse lado é levar uma mensagem de todo um coletivo, me transportar para essa outra realidade tão distante da minha, com uma outra mentalidade, com outro raciocínio mas vindo de mulheres que tinham, sim, desejos, vontades e opiniões. Tivemos uma preparação com base nisso para realmente entender o papel da mulher na época, como era vista, as limitações e a misoginia por trás, mas absorver e encarnar esse caráter transgressor, mulheres de uma sabedoria à frente, cujos olhares comunicam, cujas ações comunicam. Acredito que a Urit não precisa de uma chacoalhada, ela é esperta, sempre sabe o que está fazendo, e não é de pensar duas vezes. Em alguns momentos em que discordo dela, acho que ela iria bater boca. (risos)
Você subiu no palco muito cedo, aos 11 anos. Hoje você tem certeza que quer ser atriz?
Tive a certeza que esse era o meu chamado quando me vi no palco, essa foi a maior certeza e comprovação que poderia ter, e algo que sempre tive dentro de mim inconscientemente. Por ter começado no teatro e por ter tido o primeiro contato muito nova, eu ainda não entendia muito bem que rumo isso iria tomar, não sabia da imensidão que isso iria representar pra mim futuramente. Foi um processo muito natural, com seus altos e baixos, de muito entendimento da responsabilidade, da seriedade, da profundidade e de muito autoconhecimento. Pela arte me desprendi de muitas armaduras, de muitas inseguranças, desapeguei, tive mais paciência, fui vulnerável. Nasci artista e não tem como evitar ou renegar. É algo muito mais forte, é o encaixe perfeito. Sempre fui uma pessoa indecisa, cheia das dúvidas e incertezas, mas tenho essa como a minha maior certeza, contar histórias, ser um canal aberto para viver inúmeras vidas, me despedaçar em mil pedacinhos, embaralhar, juntar as peças e ver no que dá, esse mistério, essa adrenalina, esse propósito que a arte carrega, é o que vem de encontro com a minha essência, com quem eu sou, não encontrei a arte, não foi uma escolha, a arte que me acolheu e agradeço todos os dias por isso!