Prestes a completar 90 anos, o apresentador e empresário Silvio Santos continua um comunicador de massas sem substituto à altura
Empresário, apresentador, dono de um conglomerado de comunicação, pessoa pública, pai, marido e avô. Essas são todas as facetas do carioca Silvio Santos. Às vésperas de completar 90 anos, ele continua uma das personalidades mais importantes da televisão brasileira, mesmo que, nos últimos anos, tenha se tornado uma figura polêmica — seja ao protagonizar situações preconceituosas, seja pelo apoio irrestrito ao presidente Jair Bolsonaro.
A história de Silvio Santos começa quando ele ainda era Senor Abravanel, nome que recebeu ao nascer, em 12 de dezembro de 1930, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro. Um dos cinco filhos de Alberto Abravanel e Rebeca Caro, Silvio apaixonou-se cedo pela comunicação. Aos 14 anos, venceu um concurso de locutores da Rádio Guanabara, mas adiou o sonho para se dedicar ao ofício de camelô. Só quando completou 18 anos, época em que serviu o Exército, começou a trabalhar como locutor em uma rádio de Niterói (RJ).
A partir daí, passou pela Rádio Nacional, à frente do Programa Manoel de Nóbrega, criou a empresa de comunicação Publicidade Silvio Santos e virou produtor independente de tevê, lançando o Programa do Silvio Santos, onde aprimorou sua capacidade inigualável de se comunicar com o público de massa. Deu, então, o passo definitivo para se tornar o apresentador mais adorado da televisão brasileira, conquistando a concessão do primeiro canal, que estreou em 13 de maio de 1976: a TV Studios Silvio Santos, ou TVS Rio.
Silvio nunca mais saiu da televisão. Pelo contrário, conquistou um espaço inédito e se tornou o apresentador de tevê mais longevo da história do país, apresentando diferentes tipos de programas e acumulando funções empresariais. “Ele foi capaz de transformar sua maratona dominical, que já durou mais de 10 horas, em plataforma de lançamento para inúmeras empresas. Uma dessas empresas é justamente o SBT, que, por diversas vezes e das formas mais heterodoxas, conseguiu fazer frente à Globo, o que não é algo fácil. Seu legado para a comunicação do país é enorme e permanente”, analisa Fernando Morgado, autor dos livros Silvio Santos — A trajetória do mito (2017) e Comunicadores S/A (2019).
Jornada do mito
Para chegar à posição em que está hoje, Silvio Santos teve de trabalhar duro, além de desenvolver e apostar em uma forma única de fazer televisão. Ao elaborar a programação, teve como norte a alegria, o que lhe permitiu atingir espectadores de todas as classes sociais. Já nos negócios, aproveitou a emissora para dar espaço a outros de seus produtos — desde o Baú da Felicidade até a marca Jequiti, de cosméticos —, sendo sempre o garoto-propaganda.
No biografia Silvio Santos — A trajetória do mito, Morgado analisa as diversas nuances do currículo do apresentador. “O Silvio não é uma figura simples, daquelas que possui somente uma camada a ser analisada. Na verdade, o Senor Abravanel reúne vários: o empresário; o artista; o dono do SBT, que merece uma análise à parte; o político; o homem comum. Cada um deles tem suas peculiaridades e, juntos, formam aquilo que chamo de mito”, explica o autor.
Cinco também são as fases da carreira de Silvio, segundo Morgado. A primeira é marcada pela decisão da programação inicial do SBT, uma fusão do que era produzido pela Record, pela TVS Rio e pela Tupi, como Bozo, O povo na TV, Programa Raul Gil e Miss Brasil. Esse início estabeleceu a alma popular pela qual a emissora é lembrada até hoje. Na segunda, investiu na chegada de nomes icônicos para a empresa, como Boris Casoy, Carlos Alberto de Nóbrega, Gugu Liberato e Jô Soares. As duas etapas seguintes foram a aposta pesada para tentar bater a Globo — adquirindo eventos esportivos e criando telejornais e novelas —, e, nos fim dos anos 1990, o lançamento do Programa do Ratinho e de atrações no formato reality e game show, como Casa dos artistas e Show do milhão. A quinta e última fase ocorre com a reorganização da emissora a partir do slogan “A TV mais feliz do Brasil”, fiel à visão de Silvio.
A pergunta de 1 milhão
Quem poderia substituir uma figura tão emblemática como Silvio Santos? A resposta à questão, que se impõe diante da proximidade dos 90 anos do apresentador, talvez seja “ninguém”. “A televisão brasileira, cada vez mais especializada, não oferece mais as condições necessárias à formação de uma figura como Silvio Santos, que é capaz de apresentar, patrocinar e produzir um sem número de atrações, desde infantis até maratonas beneficentes, passando por sorteios e programas de namoro”, acredita Fernando Morgado.
Mesmo assim, aos poucos, o apresentador tem passado o bastão para as filhas. Na dura missão de ocupar a vaga de um homem que consegue ser multifacetado, cada uma delas assume um cargo. Em vagas mais estratégicas, estão Daniela Beyruti, responsável pela direção artística do SBT; Renata Abravanel, que o comanda o Grupo Silvio Santos; e Cintia Abravanel, mãe do ator Tiago Abravanel, à frente do Teatro Imprensa que pertence ao Grupo Silvio Santos. Entre as filhas que herdaram o talento para a apresentação estão Silvia Abravanel, hoje no comando do Bom dia & cia; Patrícia Abravanel, que substituiu o pai em Programa Silvio Santos e Roda a roda, além de ter apresentado Máquina da fama, Topa ou não topa, Cante se puder e Bake off Brasil; e Rebeca Abravanel, atualmente no Roda a roda.
“Acredito que esse processo garantirá a perenidade das empresas do grupo, com destaque para o SBT. Entretanto, dada a complexidade e a extensão do trabalho do Silvio, jamais haverá uma única pessoa capaz de sucedê-lo por completo”, afirma Morgado.
Duas perguntas // Fernando Morgado, biógrafo de Silvio Santos
Como você definiria Silvio Santos?
Silvio Santos é uma figura complexa. Como todo ser humano, acumula qualidades e defeitos, acertos e erros. Contudo, fica claro que o saldo dessa trajetória é extremamente positivo para ele. Mesmo aos 90 anos de idade, Silvio desperta admiração em parte expressiva do povo brasileiro e permanece sendo tema de conversa até entre adolescentes. Trata-se de um fenômeno raro no mundo.
Silvio Santos é, além de um apresentador extremamente popular, dono de conglomerado de tevê. Acha que essa combinação ajudou a torná-lo essa figura tão importante da história da televisão e do país?
Sem dúvida. Silvio Santos consegue, ao mesmo tempo, ser um dos empresários mais poderosos do país e ser o artista mais amado pelo povo. Ele é o grande ídolo de, pelo menos, seis gerações de brasileiros. Mesmo sem edições inéditas, por conta da pandemia da covid-19, o Programa Silvio Santos continua sendo uma das maiores audiências nas noites de domingo e do SBT em geral. Não há outra pessoa que tenha alcançado tamanha transcendência.
Análise da notícia
Disparates constrangedores
Por Vinicius Nader
“Silvio Santos vem aí!” O chamado que outrora anunciava a “hora de sorrir e cantar”, agora, soa quase como um alerta. Inegável que Silvio foi um apresentador carismático e carinhoso com suas “colegas de trabalho”. Inovou falando com o público de igual para igual, especialmente com as classes mais baixas, para quem a televisão virava as costas quando ele surgiu.
De uns tempos para cá, no entanto, o quase nonagenário apresentador vem se especializando num show de horrores. A impressão é que Silvio parou num tempo em que o respeito ao próximo era completamente ignorado e o desrespeito, relevado. Interessante notar que, antigamente, quando o politicamente correto não estava em voga, Silvio parecia mais contido. Agora, são comuns episódios constrangedores (para não dizer criminosos), como o que Silvio questionou se uma menina de 6 anos prefere sexo, dinheiro ou poder, ou quando disse que não abraçaria a cantora Claudia Leitte para não ficar excitado devido à roupa curta que ela vestia.
Esses disparates de Silvio — cada vez mais comuns e dirigidos tanto ao público quanto a convidados — vêm chamando mais a atenção do que o próprio programa que ele comanda no SBT. Pior: os casos chegam aos tribunais e se transformam em desabafos nas redes sociais (os tribunais populares de hoje). Sem um freio, Silvio corre o risco de, no centenário, ser lembrado apenas por suas gafes e ver a alegria que o consagrou ser esquecida.