Do mesmo diretor de Corpus Christi, Rede de ódio tem narrativa pesada e violenta para mostrar os riscos das fake news e dos discursos intolerantes nas redes sociais
Fake news e “gabinete do ódio” são dois termos bastante comentados na atualidade no Brasil. No entanto, a assunto não é exclusivo do país. Pelo contrário, as construções de narrativas falsas na internet e os perigos que elas causam, entre elas a disseminação de um discurso intolerante, fazem cada vez mais parte dos diálogos do mundo.
E é exatamente sobre isso que o filme polonês Rede de ódio (The hater) fala sob a perspectiva da história de Tomek (Maciej Musalowski). O protagonista da obra é um estudante de direito que é expulso da faculdade por plágio e, para se manter, começa a trabalhar numa empresa que tem como objetivo destruir figuras públicas com ajuda das redes sociais. Para isso, ele e a equipe criam histórias falsas e se aproveitam de uma rede de ódio que é facilmente criada na internet, num contexto de um mundo de levante de pensamentos fascistas.
Logo no início, o filme revela que Tomek é um personagem que não tem medo de ultrapassar barreiras. E isso não acontece apenas pela questão do plágio. Mas porque ainda é no começo da narrativa que ele decide deixar o celular gravando a conversa da família Krasucki que banca os custos da universidade dele e tem como integrante Gabi (Vanessa Aleksander), garota pela qual ele é apaixonado desde a infância, mas não dá bola alguma para ele, pelo contrário, o trata super mal.
Com esse panorama do personagem estabelecido com traços de sociopatia, toda a narrativa do protagonista se torna bastante crível. Expulso da faculdade e renegado por Gabi e a família dela, Tomek leva para o trabalho esses sentimentos e começa a se dar bem na empresa. O primeiro “sucesso” do protagonista é conseguir destruir a imagem de uma digital influencer criando um boato na internet sobre produtos divulgados por ela. Logo em seguida, ele ganha a missão de atrapalhar a campanha de um candidato político, Pawel Rudnicki (Maciej Stuhr), que, coincidentemente, tem relação com a família Krasucki.
E é a partir daí que Rede de ódio estabelece uma narrativa extremamente pesada, mas que revela muito do mundo atual. Tomek aposta nos pensamentos fascistas em alta para inflar os ânimos dos opositores a Rudinicki, candidato que representa valores mais liberais e modernos. O personagem vai tão longe que a reta final do filme é bem difícil de assistir. A produção estampa e descortina os perigos causados pelas fake news e pela disseminação do ódio, comum às redes sociais por conta da possibilidade de anonimato. O final é chocante, principalmente, por revelar a impunidade e a reafirmar que fake news e discursos de ódio podem levar a morte sim.
Em alguns momentos Rede de ódio, filme com mais de duas horas, parece se alongar sem necessidade, sendo extremamente denso. Talvez uma narrativa mais enxuta faria bem a produção do diretor Jan Komasa, nome por trás de Corpus christi,filme que foi indicado à categoria estrangeira no Oscar 2020. Mesmo assim, nada disso tira o mérito da produção de levantar debates atuais, numa fotografia interessante que recai sobre cores escuras e numa narrativa de digna de thriller.