Gustavo Henrique Braga – Do Correio Braziliense No que depender do Congresso, os concursos públicos podem virar uma confusão. Dois projetos de lei polêmicos em tramitação na Câmara dos Deputados estabelecem critérios alheios ao conhecimento ou à competência do candidato como determinantes no processo seletivo. Um deles é o PL nº 2474/11, do deputado Luiz Argôlo (PP-BA), que inclui a doação regular de sangue como fator de desempate nos certames. Outra proposta, o PL nº 2525/11, do deputado Manato (PDT-ES), determina uma cota de 20% das vagas para pessoas de baixa renda. As propostas ainda precisam ser analisadas por diferentes comissões antes de passar a valer. Especialistas ouvidos pelo Correio as consideram prejudiciais ao funcionalismo, devido ao relaxamento do rigor na escolha dos servidores.
Segundo a proposta de Argôlo, para ser beneficiado nos critérios de desempate, o candidato deve fazer, no mínimo, três doações de sangue por ano. O projeto estabelece ainda que a apresentação dos comprovantes de doador deverá ser feita no ato da inscrição. O candidato impossibilitado de doar por questões de saúde teria o direito de atestar a condição física e de receber o mesmo benefício destinado ao doador regular. O deputado defende que a media irá incentivar a população a ser “mais solidária”.
“Se o projeto for aprovado, muitos candidatos poderão ser motivados a ser doadores regulares, um alívio para os bancos de sangue dos hospitais de todo o país, que estão muito abaixo do necessário”, argumentou. A proposta tramita em caráter conclusivo e será examinada pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público, de Seguridade Social e Família e de Constituição, Justiça e Cidadania. Se houver parecer divergente entre as comissões, terá que ir a plenário.
Renda
Já o projeto do deputado Manato (PDT-ES) estabelece que a definição sobre quem poderá se beneficiar da reserva de 20% das vagas seguirá critérios baseados na renda nacional bruta per capita. Não há especificação, contudo, de quais seriam esses critérios, deixando a responsabilidade a cargo do governo. Se aprovada, a lei se somaria à reserva já existente de até 20% das vagas para portadores de deficiência, independentemente da faixa de renda. Assim, até 40% das oportunidades de um concurso podem ficar comprometidas aos beneficiados das duas leis.
Em defesa da proposta, o deputado Manato argumenta que, atualmente, as pessoas de baixa renda não conseguem concorrer em igualdade. “Quem tem condições acaba se tornando uma espécie de concurseiro profissional, com acesso aos melhores cursos preparatórios e dedicação integral aos estudos”, disse. “A população de baixa renda não tem nada disso. Daí a importância da reserva.”
CFM tem oportunidades
O Conselho Federal de Medicina (CFM) abrirá inscrições da sexta-feira até 20 de fevereiro para um concurso com oportunidades para jornalista, bibliotecário, advogado e analista de sistemas, todas com exigência de nível superior. Há ainda vagas de nível médio para serviços gerais, assistente administrativo e assistente em tecnologia da informação. Os salários variam de R$ 2,1 mil a R$ 7,8 mil. A taxa custa entre R$ 38 e R$ 67, e as inscrições podem ser feitas no site www.universa.org.br. Ao contrário do que o Correio publicou na edição da segunda-feira, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou que ainda não há concurso em andamento para a instituição e que uma eventual seleção será anunciada em momento oportuno. Por enquanto, a ANTT está aguardando autorização do Ministério do Planejamento para o processo.
Estímulo a fraudes
Na avaliação de Ernani Pimentel, presidente da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), tanto a proposta para beneficiar doadores de sangue como a para pessoas de baixa renda não passam de tentativas de driblar o quesito principal que deveria nortear qualquer processo seletivo: a competência. Pimentel defende que, em vez de pensar em medidas “que não resolvem o problema”, o governo deveria proporcionar educação de qualidade a todos, para que as pessoas consigam ingressar no serviço público por meio do mérito e do conhecimento.
“Esse tipo de lei vai contra a Constituição”, criticou. Já o professor de direito constitucional Vinícius Lima de Almeida afirmou que o projeto do deputado Luiz Argôlo, que prevê benefício aos doadores de sangue, é ineficaz para aumentar o estoque nos bancos. “O critério pode estimular um novo modo de fraude na gestão dos concursos”, disse. “Certamente, essa proposta será rejeitada, pois prejudica os candidatos não doadores”, emendou o também professor de direito constitucional Paulo Fernando Melo da Costa.
Nem mesmo a presidente da Fundação Hemocentro de Brasília, Beatriz MacDowell, concorda com a proposta. “As doações devem ser voluntárias, sem que haja nenhuma espécie de ganho”, afirmou. Além disso, ela teme que o aumento do número de fraudes. “O candidato pode alegar que não está apto a doar e tirar proveito da situação para conseguir vantagem nas provas.” (ANC e GHB)