Pessoas do Parque
Além dos ritmos afro dos grupos habituais Batalá e Batukenjé, o Parque da Cidade também se transforma em sala de prática de outro tipo de tambor, o taiko japonês, onde o grupo Reiwa ensaia das 9 horas ao meio dia, uma vez por mês. O som diferente atrai quem passa perto do bambuzal do lago artificial, onde conversei com o professor Masayoshi.
Edson Masayoshi, 23 anos, paulista de Guatapará, Ribeirão Preto, mora em Brasília há 15 anos, para onde mudou com o pai, servidor, a mãe, enfermeira, a irmã caçula, fixando residência em Brazlândia.
Edson é estudante de Relações Internacionais na Universidade de Brasília, curso que escolheu por gostar muito de línguas, por influência dos avós. Agora, que conhece melhor a área, pretende ser servidor público, trabalhar no Itamaraty e atuar como diplomata. Ele é fluente em inglês, fala japonês e francês, e está aprendendo espanhol. Edson contou que os avós eram japoneses, primeiros imigrantes, o avô se naturalizou brasileiro, sem falar uma palavra em português e avó aprendeu a língua, mas permaneceu com a nacionalidade japonesa. A mãe é descendente indígena direta do povo Acarajás e o pai é da primeira geração de descendentes de japoneses no Brasil. Apesar de ser muito jovem, ele parece ser bastante maduro e sábio quando fala de sua consciência étnica, da valorização dos seus ancestrais e da cultura onde foi formado, que tenta perpetuar ensinando as pessoas a tocar taiko. Confira a nossa conversa.
Perguntas para Edson:
P- Como que você sente na sua vida e na sua família essa mistura da cultura oriental com a cultura indígena, dos povos originários do nosso país?
R- Em relação aos povos originários, foi muito recente, por conta de uma amiga minha que começou a se aproximar e eu comecei a buscar mais sobre essa história. Aí eu sentei pra conversar com a minha avó, entendi muito da história dela, porque ter essa mistura é muito interessante. Ser mestiço não é ser de uma, nem de outra (raça, cultura), é você ter os dois ali dentro de você, e isso é muito gostoso. Porque, por exemplo, eu consigo tocar taiko, o tambor japonês, me divertir bastante e ainda ter muito da cultura indígena dentro da família. Então pra mim é isso, é muita variedade, é muito divertido ter esses dois lados.
P- E tem alguma outra característica que se preserva da cultura indígena e da cultura japonesa na sua casa?
R- Então, teve muitos valores da parte indígena. Porque, na tribo Acarajás, a mãe é mais absoluta, e em casa a gente tem um respeito muito grande pela nossa mãe. A figura feminina, materna, dentro da cultura indígena é muito forte. E meu pai, por conseguir se adaptar a isso, foi muito interessante. Então, dentro de casa, é mais absoluto o lado da mãe, e essa é uma parte interessante, a gente consegue dar muita visibilidade e muito respeito pra minha mãe.
P- E na parte de gastronomia, tem mistura ou predomina o japonês?
Eu não vou negar, mas até a minha mãe prefere a culinária japonesa. A gente não conseguiu manter muito a parte culinária do povo Acarajás, que é um pouquinho diferente, a gente não conseguiu se adaptar, não vou negar (risos).
P- Me fala sobre o taiko.
O taiko surgiu no Brasil muito no circuito cultural. Foi trazido da modalidade o wadaiko, dos Estado Unidos, uma modalidade mais esportiva. O taiko era muito usado antigamente para rituais, então era muito mais religioso do que uma modalidade musical. Com a vinda pro ocidente, começou a ter essa pegada musical, porque começou a misturar com o jazz e aí trouxeram a modalidade wadaiko. Não recordo quando chegou ao Brasil, mas é bem recente. Essa modalidade tem menos de um século de existência. Mas o taiko em si, a história que ele engloba, é milenar, surgiu fora do Japão, começou ali na China, então tem muita história. E hoje, o utilizado no wadaiko, que é a modalidade que a gente toca, a gente pega muito dessa história religiosa e coloca em músicas. Então, pode parecer que não, mas toda a música que a gente cria dentro do taiko conta uma história. Pode ser uma história folclórica, uma história religiosa, ou pode ser uma história, por exemplo, de grupos de taiko, eles conseguem transmitir isso através da música. É uma comunicação natural japonesa. A gente tenta trazer o máximo dessa cultura, porque em Brasília tem poucos grupos, mas em São Paulo, por ter muitos descendentes, tem muitos grupos de taiko. Em Brasília é algo mais novo. E a gente está tentando cada vez mais atingir o público não descendente pra estar conhecendo, justamente pra essa cultura continuar existindo. E mais pra frente ter mais grupos, se tornar uma modalidade como é o karatê da vida. Hoje você encontra em qualquer local um dojô de karatê, por que não tornar isso também dentro do taiko?
P- E você aprendeu como?
R- Lá em Guatapará eu vi uma grupo que chamava Makoto, eles tocavam lindamente. Eu fiquei maravilhado com tudo aquilo e eu falei “quando eu for a Brasília vou montar um grupo assim”. Porque a gente estava de mudança, eu fui procurar e conheci um grupo de Taguatinga. Eu comecei a tocar ali no grupo de Taguatinga e a gente foi se desenvolvendo, eu tinha 12 anos, comecei a tocar, comecei a gostar. Os meus antecedentes são fundadores da Associação Rural Cultural Alexandre Gusmão, em Brazlandia, e lá tinha um grupo. Eles pararam de tocar e eu pedi autorização e comecei o grupo lá. Aí vieram muitas dificuldades de ser um professor, porque eu nunca tinha ensinado, eu sempre fui aluno. E aí a gente foi criando o grupo, fui conseguindo experiência e o objetivo dentro do grupo, que é estar espalhando essa cultura do taiko.
P- O que significa pra vocês ensaiarem aqui no Parque?
R- Então, é essa questão da divulgação pra gente, vir ao Parque da Cidade, que é um local onde a gente sempre foi muito abraçado, o local que a gente conseguia treinar quando a gente começou. O interessante, que é muito legal, é que sempre tem pessoas passando, sempre tem pessoas que param, dão uma gravada, uma conversada com a gente, e o nosso grupo se formou por conta do Parque. A gente deve milhões ao Parque, porque os primeiros membros que a gente começou a ter de fora da associação foram aqui, muitas das pessoas que a gente tem no grupo a gente conheceu aqui no Parque da Cidade. Por isso a gratidão que eu tenho, e a gente gosta de voltar aqui também porque é sempre uma experiência nova. Na época de chuva, a gente não consegue vir por causa dos instrumentos, mais pelo menos um treino no mês a gente costuma fazer aqui.
P- Você frequentava o Parque antes?
R- Sim, sempre frequentei o Parque, sempre gostei de fazer corrida, gostava de andar de bicicleta, fazer piquenique, acho que é um local incrível. Você consegue descansar, você consegue fazer esportes, você consegue fazer de tudo. Pra mim, sempre foi isso, sempre gostei de frequentar o Parque da Cidade.
P- E o que você recomenda pras pessoas de Brasília, do DF, em relação ao Parque?
R- Acho que é a melhor coisa que tem. Uma tardezinha, passar aqui… eu tenho preferência pelo Estacionamento 10, que é um local muito tranquilo, um local muito bonito, você consegue ver paisagens, tomar uma aguinha de coco, vem cá, faz um esporte, de repente você quer sair com um amigo, sair com pessoas, fazer um piquenique, aproveitar com pessoas, eu recomendo demais.
P- O que você pensa da vida e como você se posiciona no mundo?
R- Eu acho que a vida é uma caixinha de surpresas e sempre me impressiona muito, seja nos problemas que surgem, seja nas coisas boas que surgem. Muito aprendizado em relação a pessoas, muitos aprendizados em relação a pensar positivo. Muitas vezes a gente se deixa cair pelo pensamento negativo, então, pra mim, o pensamento positivo sempre predomina. Na minha religião tem uma filosofia que a gente fala que, se tem alguma coisa ruim acontecendo, a gente tem que reavaliar o que está acontecendo nas nossas atitudes também. Eu sou uma pessoa que gosta de justificar os meus erros comigo mesmo, não com os outros, sabe? Então ser uma pessoa bem livre de mente, tentar não ter atritos com as outras pessoas, tentar sempre resolver as coisas e não fugir dos problemas em si, uma pessoa bem altruísta.
P- Que conselho você daria para pessoas da sua idade?
Vai com calma! O pessoal tá querendo acelerar muito os processos. Conversa com pessoas mais velhas para entender a história delas, como foi. Na idade que você tem hoje, elas já tinham sucesso na vida, muitos podem ter com esforço. Mas vai com calma, a gente está vivendo uma geração de o discurso do acelerar a sua vida é muito comum, só que isso gera vários problemas, e não necessariamente você vai conseguir tudo amanhã. Então vai com calma.
P- Qual sua religião?
R- Sou budista nitiren daishonin.
P- Tem mais alguma coisa que gostaria de dizer para as pessoas?
R- Venham visitar o Parque, venham conhecer o nosso grupo, o Reiwa. E aproveitem tudo o que vocês podem aproveitar, porque a vida é curta e a gente não sabe se tem outra vida.