artigo marcelo vitorino adiamento e unificação das eleições 2020
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Por que unificar eleições é uma ideia muito ruim?

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Alguns parlamentares têm utilizado o problema econômico gerado pela pandemia do Coronavírus para justificar a unificação das eleições no Brasil e também a determinação de que o fundo partidário e o fundo eleitoral sejam realocados para a saúde. Em uma leitura rápida, a ideia parece ótima, mas convido você a fazer esta análise junto comigo.

Adianto que este artigo fere o senso comum

Antes de prosseguirmos, é preciso considerar que a democracia, assim como a monarquia e a aristocracia, são formas de governo, têm custos, vantagens e desvantagens.

Vamos falar um pouco sobre as formas de governo

Na democracia temos liberdade de imprensa, órgãos de controle, transparência nos gastos públicos. Um sistema que atua com pesos e contrapesos para tenhamos uma sociedade justa e equilibrada, com poderes divididos: judiciário, legislativo e executivo.

Já as formas de governo totalitárias impedem que cidadãos tenham qualquer tipo de controle dos atos de seus governantes, o que impossibilita inclusive o controle dos gastos. No Brasil, recentemente o presidente da República fez uma medida provisória dificultando o acesso à informação. O Superior Tribunal Federal, derrubou o trecho.

A democracia não é perfeita, mas é a forma de poder que mais garante direitos aos cidadãos, que mais reduz a possibilidade de tirania e a que mais corrige os excessos. Pode-se ver que, apesar de toda a perspectiva de impunidade que o senso comum produz, tivemos grandes empresários e políticos influentes na prisão.

Quanto custa a democracia?

Somando o financiamento dos partidos políticos, aos dos candidatos, aos do sistema eleitoral, incluindo os gastos públicos com as concessões de rádio e televisão, chegamos a uma média de R$ 10 bi por ano eleitoral.

A cifra é realmente assustadora se olhada parcialmente, o que faz com que muitos populistas a usem para arrebanhar fãs, mas você precisa relativizar esse gasto.

Em 2019, o orçamento da união foi de R$ 3,3 tri. Efetivamente pagamos R$ 2,6 tri. De tudo o que pagamos, 55% foi basicamente para dívida pública (R$ 1,4 tri). O restante, os 45%, usamos para atividades “finalísticas”. Entre elas, a previdência pública, que concentra um pouco mais da metade de todo o gasto, com R$ 668 bi. Para dar um panorama geral, gastamos R$ 114 bi na saúde, R$ 94 bi na educação e R$ 75 bi na defesa.

Coloque agora os R$ 10 bi que gastamos para fazer a manutenção do nosso processo democrático, em comparação a tudo o que gastamos. O processo eleitoral corresponde a 0,008% dos pagamentos.

Se é uma questão financeira, cabe fazer a conta do que sacrificaremos. O senso comum empurra o cidadão a cortar os gastos direcionados para a política, mas foi esse senso comum que levou ao banho de sangue da Revolução Francesa, levando vários governos ao absolutismo. Peço que reflita:

Se você abrir mão de um processo eleitoral, quem garante que voltará a ter? O império romano começou com uma intervenção militar, diante de uma ameaça grave, votada pelos senadores, que tinha prazo para acabar. Prazo que não foi cumprido.

Aprendendo com os americanos a lidar com a crise gerada pelo Coronavírus

O pretexto de usar o dinheiro da eleição para a saúde não resiste a uma simples conta de matemática quando se conhece o orçamento da União. Para quatro meses de crise, o governo terá que injetar cerca de R$ 1 tri na economia. Basta olhar o “New Deal”, plano estadunidense implantado entre 1933 e 1937 para recuperar a economia americana, para saber que R$ 10 bi fazem pouca diferença no volume de investimentos para a recuperação da crise e muita para a manutenção da democracia.

Os americanos não mediram esforços para sair da grande depressão, interviram no sistema bancário, investiram em estatais, em obras públicas, criaram o sistema de previdência social, aumentaram os investimentos na área agrícola e muitas outras ações.

Em época de guerra, a demagogia não cabe na trincheira. O inimigo é forte e não vai ser com corte de salários de servidores ou com economia no nosso sistema eleitoral que venceremos. É preciso que os governantes e representantes tenham responsabilidade de encarar a hostilização que existe nas redes sociais e agir como estadistas, com a finalidade de trabalhar pelas pessoas, mesmo que, em um primeiro momento, elas não entendam bem o que está sendo feito.

Falo mais sobre o tema na entrevista que segue:

A unificação das eleições não reduziriam os gastos?

Juntar os processos eleitorais também não fará as eleições custarem menos. Eleição não é apenas uma disputa por um voto, mas é a disputa pelo tempo do eleitor. Quanto maior o número de concorentes, mais caro será para um candidato o tempo de atenção do eleitor. A unificação das eleições leva a um aumento de gastos nas campanhas, dado que serão muitos candidatos para mostrar suas propostas, tudo ao mesmo tempo.

Observe que nenhum país análogo ao Brasil adota um modelo de eleições unificadas. Países menores, como Portugal, utilizam eleições no mesmo ano, mas em semestres diferentes.

O mundo pode estar errado e os nossos parlamentares, dotados de altruísmo e legítimo interesse pelo bem do cidadão, criaram uma solução muito melhor do que a utilizada pelas democracias mais maduras.

Você pode acreditar no que quiser, dado que há quem acredite na teoria da Terra plana. Pode negar as contas que propus, negar as experiências democráticas, negar a necessidade de um estado de direito garantidor. Mesmo assim, contrariarei Friedrich Hegel, que disse que a História ensina que governos e pessoas nunca aprendem com a História.

Eu ficarei com a História.

 

 

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