(por Luiz Calcagno, do Correio Braziliense)
Dengo era sinônimo de esperança. Com expectativa para viver, no máximo, até os 14 anos, o leão dócil da Fundação Jardim Zoológico de Brasília se agarrou à vida e tirou forças de onde não tinha para se manter de pé, surpreendendo veterinários, tratadores e administradores da instituição. Ele chegou ao Distrito Federal em 21 de junho de 2011. Depois de toda uma vida de maus-tratos, teve o descanso merecido no estabelecimento brasiliense e fechou os olhos pela última vez no domingo, a 23 dias de completar 16 anos — dois a mais que o esperado, sofrendo com a aids felina e um câncer de fígado. A idade do espécime, se comparada à dos humanos, seria de pouco mais de 72 anos. Ele já tinha conquistado seu espaço entre os animais mais velhos do zoo, ao lado do também leão, Dudu, que em 5 de maio último completou 22 anos, o equivalente a 100.
A morte de Dengo causou comoção na instituição. Ele nunca foi próximo do brasiliense. Por conta da frágil saúde, não esteve exposto como os outros animais. Ainda assim, deixou em quem trabalha no local a saudade e a certeza de que foi possível garantir, no período em que esteve na capital, a qualidade de vida que lhe foi negada anteriormente. Para se ter uma ideia da proximidade do leão com os funcionários, basta ler a nota de falecimento divulgada no site de instituição. A publicação fala do histórico de saúde do animal e das mudanças em sua vida de forma objetiva, mas encerra expressando pesar. “A Fundação Jardim Zoológico de Brasília, neste momento representada por todos os seus funcionários e colaboradores, sentem a perda de Dengo, que encantou, com seu temperamento dócil, a todos que o assistiam.”
O martírio de Dengo começou no circo, de onde foi resgatado por sofrer maus-tratos. Ele foi levado para o Zoológico de Niterói, onde, novamente, não teve o tratamento que merecia. A instituição acabou fechada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por conta da má administração e da falta de cuidado com os animais. Lá, o espécime contraiu a aids felina de uma parceira batizada de Elza — que também morreu no zoo brasiliense. A doença só foi diagnosticada, no entanto, quando Dengo chegou à capital federal, transportada em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), pois, doente e abaixo do peso, não resistiria a uma viagem por terra.
Com acompanhamento intenso de veterinários e tratadores, o leão reagiu. Em pouco tempo, atingiu e até ultrapassou a pontuação corporal mínima para ser considerado saudável. E se, ao chegar, causou espanto pelo estado físico em que se encontrava, algumas semanas depois, voltou a surpreender os funcionários do zoo, desta vez, positivamente. Diferente de outros grandes felinos, muitas vezes agressivos ou arredios, Dengo se mostrava receptivo com a aproximação de seres humanos e, atrás das grades, aproximava-se ao perceber a chegada de um tratador ou veterinário. Ele recebia tratamento especial: vivia sozinho em um espaço de 77m², com sol, sombra e água fresca, e recebia visitas diárias de profissionais.
“Ente querido”
Dengo começou a travar uma nova luta em dezembro último, desta vez contra um câncer de fígado. Ele teve dificuldades para comer e aparentava cansaço, embora continuasse a se levantar para receber os visitantes. Passou por um tratamento e, novamente, contra as expectativas, reagiu. A doença, no entanto, regressou no começo da última semana e, desta vez, os tratamentos não surtiram efeito. “Em função de todo o tratamento, prolongamos a vida dele para além de todo o animal em ambiente natural consegue, que é 14 anos, no máximo. Dengo era mais dócil que os outros felinos, talvez por ter sido de circo. Claro que ninguém nunca botou a mão na jaula”, brinca o diretor-presidente interino da Fundação Jardim Zoológico, Erico Grassi. “É como perder um ente querido. Ficamos consternados, mas sabíamos que ele estava em idade avançada. Ele viveu o tempo em que esteve aqui com qualidade de vida.”
A veterinária Betânia Pereira Borges lembra com carinho do animal. “Dengo era bem querido por todo mundo aqui. Quando chegávamos, ele vinha nos encontrar. Não tinha medo ou agressividade. Se se aproximasse da grade, ele vinha para perto, mas não agredia, como outros felinos fazem.” Dengo teve, porém, um tumor no fígado. “De certa forma, já esperávamos que ele não resistisse. Tentamos convencê-lo a comer. Tentamos vários tipos de alimentos diferentes. Ele não comia mais. Estava mais devagar, letárgico. Os tratadores são ainda mais próximos e sentem mais a perda.”
Os anciões do zoo
Além da vontade de viver, a vitalidade de Dengo, que mesmo com uma doença infectocontagiosa grave conseguiu superar a expectativa de especialistas em dois anos, tem base científica. Erico Grassi explica que um cativeiro adequado estende o tempo de vida dos animais. Entre outros motivos, estão o acompanhamento de veterinários, biólogos e tratadores, o espaço adequado para o espécime, a facilidade em obter alimento e a proteção contra predadores e caçadores. A lista de idosos que vivem na instituição brasiliense inclui diversas espécies. Entre os que estão no topo da cadeia, figura o leão Dudu, com 22 anos.
Ele superou, também, a expectativa máxima do cativeiro, que é de 20 anos. Outro espécime entre os mais antigo é a tigresa-de-bengala Laila. A idosa tem 19 anos, já superou em 5 a expectativa em vida livre. E está a um ano de superar a marca em cativeiro. Aos 17, o cervo nobre Jeniffer é a terceira mais velha da instituição. Ela, no entanto, ainda não atingiu a expectativa máxima de tempo em vida livre para a própria espécie, que é de 20 anos. No zoo, esse limite é estendido há 22 anos.
A fêmea de cachorro do mato Pandora é a próxima da lista. Aos 13 anos, já superou em dois a expectativa do cativeiro, que é de e 11. A lhama Paraíba, por sua vez, completou 20 anos e o tempo de vida dela no zoológico é estimado em 25. A próxima da lista é velha conhecida dos brasilienses. O babuíno sagrado batizado de Capitu, 25, tem mais três anos para superar a expecta máxima da espécie em um ambiente controlado. E o mais jovem entre os mais idosos é o tamanduá-bandeira Goianão, que tem 18 anos. Em sete, ele ultrapassará a idade máxima de vida em cativeiro.
Erico destaca, no entanto, que o ideal era que as espécies crescessem e vivessem no hábitat de cada uma delas. “Hoje, temos uma outra visão de zoológico. É um mal necessário. O ideal é que eles (os animais) estivessem livres. Os zoos são locais para recepcionar animais em diversas situações e não para a diversão humana. É para educar. Recebemos animais vítimas de maus-tratos e tráficos. Somos uma unidade de conservação de fauna, de reabilitação, com trabalho de pesquisa e educação ambiental. Muitas vezes, somos a única chance de sobrevivência do animal”, conclui.