(por Juliana Contaifer, da Revista do Correio)
Quando o pequeno Erick Rodrigues, de 5 anos, encontra a cadela Mel pequenos milagres acontecem. Para começar, uma descarga de endorfina. A substância relaxa, aumenta o bem-estar, controla a pressão sanguínea e melhora o sono. A reação é comum às pessoas que têm um animal de estimação, segundo uma pesquisa da Universidade de Cambridge. O mesmo estudo mostra que a maioria dos tutores também desenvolve mais segurança e autoestima. E não são poucos: o Brasil tem a quarta maior população de pets do mundo — 132,4 milhões.
No caso de Erick, a convivência tem reflexos ainda mais especiais. Ele é autista e, apesar de sempre ter feito acompanhamento no Hospital da Criança e na Rede Sarah, além de terapia com psicólogo, tinha dificuldade em apresentar melhora na parte social e até batia nos colegas de escola. “Antes, ele não sabia se envolver com outras crianças, criar um relacionamento de amizade, mas com a chegada da Mel isso mudou”, explica Nayara Rodrigues, 19 anos, irmã de Erick. A estudante não imaginava que ganho seria tão grande. A família, inclusive estava proibida de ter animais de estimação, devido a uma alergia de Erick. Mel, porém, seria abandonada nas ruas e isso sensibilizou a todos.
A cadelinha também chegou com problemas de relacionamento, não brincava e não aceitava que ninguém se aproximasse dela, exceto Erick. “Ela chegou bem traumatizada, acredito que já tinha apanhado muito”, supõe Nayara. Hoje, ambos estão mais felizes. “A Mel o entende muito também. Erick está mais tranquilo, se tornou uma criança mais carinhosa, brinca com ela como se tivesse brincando com outra criança”, comemora.
O vínculo entre tutores e mascotes é tão forte que, de acordo com pesquisadores da Georgia Regents University e da Cape Fear Community College, se tivesse de escolher entre salvar o próprio cãozinho ou um turista estrangeiro em um ônibus desgovernado, 40% das pessoas afirmaram que salvariam o cachorro. O percentual é ainda maior para mulheres — 45% dariam preferência ao pet. Nesta edição, mostramos como, na verdade, humanos e animais salvam a vida uns dos outros, todos os dias.
Crianças que leem para cachorros
Unindo o útil ao agradável, o Missouri Humane Society criou o programa Shelter Buddies Reading para incentivar crianças que estão aprendendo a ler e adolescentes a exercitar a leitura com animais vítimas de maus-tratos e abandono. As crianças, que tem entre 6 e 15 anos, passam algumas horas lendo para os cães, enquanto os animais reconquistam a confiança nos humanos.
“Começamos isso por duas razões”, conta JoEllyn Klepacki, diretora-assistente de educação no Humane Society, ao jornal americano ABC News. “Cães em abrigo exibem vários sinais de ansiedade e estresse e, por isso, queríamos fazer algo para confortá-los. E temos diversas crianças na região envolvidas e elas perguntam: ‘Como posso ajudar? Como posso fazer a diferença?’ Basta fazer um treinamento de 10 horas para aprender a trabalhar com bichos traumatizados.
Cães que farejam câncer
Um estudo da Universidade do Arkansas para Ciências Médicas afirma que, se treinados, cachorros podem detectar câncer de tireoide — Frankie, o cachorro usado na pesquisa, teve uma taxa de sucesso de 88%. Como os cães tem 10 vezes mais receptores olfativos do que os humanos, eles conseguem farejar as substâncias químicas emitidas pelas células cancerígenas.
Menina autista e a gatinha
A história da menina Iris Grace, 6 anos, foi assunto nas redes sociais esta semana. A britânica tem um quadro grave de autismo e os pais receberam a notícia de que, provavelmente, ela nunca falaria ou se relacionaria com pessoas. Mas quando Thula, uma gatinha, chegou em casa, Iris começou a dar ordens para a bichinha. Com o tempo, passou a se comunicar com os pais para dizer o que queria. “Pode ser desafiador, bastante desafiador às vezes. Mas sinto que, se você estimular a criança, trabalhar com as coisas que interessam a ela, verá um progresso, verá mudanças”, afirma a mãe Arabella Carter-Johnson
Emoção de mãe
Um estudo de pesquisadores do Hospital Geral de Massachussetts (EUA) descobriu que as reações cerebrais de mães ao olharem para seus filhos e seus cães são semelhantes. Para efeito de comparação, elas olharam também para outras crianças e animais desconhecidos. As áreas estimuladas foram as ligadas as seguintes áreas: emoção, recompensa, afiliação e interação social.
Terapia assistida por animais
Também chamada de zooterapia, é uma técnica em que os bichos são o ponto central do tratamento. A presença deles facilita o contato entre paciente e profissional de saúde e traz inúmeros benefícios para o praticante, como esclarece a professora de educação física Andrea Gomes. “Quem frequenta a equoterapia é chamado de praticante e não paciente, porque não é uma pessoa passiva, mas responde ativamente aos estímulos do animal.”
Uma vida pela outra
O escritor e advogado aposentado Antônio Balsalobre Leiva, 74 anos, sempre gostou de cachorros. Teve algumas experiências na infância e, há, 25 anos, ao se mudar para Brasília, comprou um cão para fazer companhia e, principalmente, proteger a casa. Foram vários ao longo da vida. Lana, uma dálmata com manchas bem clarinhas, fez a diversão da família por um bom tempo. Muito animada e serelepe, fazia graça todos os dias. Uma noite, ao sair na varanda para dar boa noite para a cadela, Antônio a viu deitadinha na cama, desanimada. Só levantou a cabeça ao ouvir seu nome e logo deitou-se.
Na manhã seguinte, ao voltar da caminhada diária, o aposentado encontrou a mulher Vilma desesperada na porta de casa. Lana havia se afogado na piscina durante a noite. Ninguém da casa escutou, apesar de alguns dos quartos ficarem virados para a piscina, que tinha duas escadas de segurança. Ela sabia nadar. O dogue alemão do filho do casal, Atlas, mirava o fundo da piscina com tristeza, mas sem latir. Ninguém entendeu a morte prematura da dálmata.
Quatro dias depois na caminhada diária de Antônio, o aposentado vinha atravessando a rua quando foi atingido por um carro em alta velocidade. Bateu a clavícula e a cabeça no meio fio. Chegou ao hospital com o ombro em frangalhos, a cabeça sangrava muito. “O pessoal que me atendeu achou que eu fosse morrer pelo tanto de sangue. Dias depois, associei a morte da Lana ao meu acidente. Já tinha lido algo sobre isso. Acredito que ela morreu no meu lugar, salvou a minha vida. A partir dela, fui me interessando por estudar os cães. Descobri coisas magníficas”, lembra.
As histórias fantásticas que Antônio encontrou foram sendo escritas, se transformaram em livro e, agora, aguardam edição. Entre elas está a de Shaquille, um akita que pertencia a Hamilton, um amigo do aposentado. O ritual dos dois era, depois da caminhada, deitarem-se dentro do carro da família, na garagem, para ouvir música. Shaquille no banco de trás e o dono, no banco do motorista. Quando Hamilton morreu, antes mesmo de a família receber a ligação do hospital, o cão uivava sem parar. Passou os dias seguintes deitado debaixo do automóvel, no local onde o dono ficava, deprimido. Teve que ser levado para o veterinário pois se recusava a comer e a família precisou vender o carro para que Shaquille seguisse sua vida.
De história em história, o escritor relaciona as características dos animais com as dos seres humanos. “A principal, para mim, é o perdão. Os cachorros desculpam qualquer coisa que o dono faça, mesmo que seja ruim. Eles ficam chateados, mas logo esquecem. Não discriminam ninguém, oferecem amor incondicional, são companheiros. Acho que tem até mais sensibilidade do que os seres humanos. Quando o mundo parece falhar com a gente, o cão não falha. Ele desperta o amor, a compaixão, a dedicação, o desapego e a compreensão.”
Depois da morte de Lana, Antônio passou a valorizar ainda mais os cachorros. “Enquanto eu for vivo, vou adotar mais cães!”, afirma. E nem sempre é o aposentado que vai atrás dos animais. Rita, a boxer que reina no jardim com o vira-lata Tom, por exemplo, era de um dos filhos de Antônio. O casamento azedou e a custódia de Rita foi para os pais do noivo. Ainda bem. “Apesar de eu falar que ela tem a cara feia, ela me perdoa sempre. É uma super companheira”, conta.
“Eles foram a minha tábua de salvação”
A pedagoga Cássia Borba, 51 anos, tem uma história emocionante com os animais. Há 19 anos, passou em um concurso e trocou as praias de Recife pela seca do Planalto Central. Veio morar com a irmã. “Eu me sentia muito sozinha. Minha sobrinha ganhou uma gatinha e eu me apeguei muito a ela. Quando fui morar sozinha, fiquei mais solitária ainda, foi muito sofrido deixá-la para trás e comecei a ter depressão. Meu irmão, que também mora aqui, tinha uma cadelinha e eu passei a cuidar dela”, conta Cássia.
A pedagoga comprou boas rações, uma casinha nova, brinquedos — tudo isso enquanto a cadelinha morava com o irmão. “Todos os dias, eu passava lá à noite e a trazia para dormir comigo. De manhã, a deixava lá de volta. Com o tempo, eles me deram ela. Os animais me ajudaram a passar por esse momento de solidão mesmo quando eu estava rodeada de gente. Foram a minha tábua de salvação”, lembra. Inspirada pelo relacionamento com os bichos, Cássia teve a ideia de criar um projeto que envolvesse os animais na área de atuação profissional dela, a educação de crianças especiais. Foi aí que nasceu o Bichoterapia.
A iniciativa, aplicada inicialmente em uma escola do Guará e depois no Centro Integrado de Ensino Especial (912 Sul), tinha, além de cães, gatos, coelhos e até um galo. A ideia era que as crianças interagissem com os animais para não apenas aprender a parte pedagógica de texturas e cores, mas o aprendizado emocional. “Uma das alunas morria de medo de bicho, a família deixava de sair porque ela surtava quando encontrava algum. Depois de alguns meses no projeto, abraçava todos. O trabalho com autistas também foi ótimo, muitas vezes eles interagiam mais com os animais do que comigo, faziam mais carinho neles do que nas próprias mães. Só conseguíamos chegar neles por meio dos bichos”, conta.
Os alunos também trabalhavam a responsabilidade para cuidar dos pets e, por um tempo, alguns aprendiam a trabalhar com banho e tosa para serem inseridos no mercado de trabalho. Mas a iniciativa dava trabalho — nas férias, Cássia tinha que encontrar alguém para ficar com os animais do projeto, tirava dinheiro do próprio bolso para alimentá-los e, durante o ano letivo, os funcionários da escola se recusavam a limpar a sala e a tarefa sobrava para a pedagoga. “Era tanto estresse que tive que parar. Todo mundo achava lindo, mas eu acabava carregando tudo sozinha. O projeto foi uma maneira de retribuir tudo o que os animais me ajudaram”, afirma.
Hoje, Cássia se envolveu com resgates e segue ajudando como pode. Tem oito bichos, entre cachorros e gatos. No portão da casa dela, uma faixa anuncia um bazar beneficente para ajudar gatinhos que foram abandonados perto da casa da pedagoga. “Faço o que posso, alguns dos meus bichos ainda são do projeto, outros foram lares temporários que se tornaram permanentes. Sou muito feliz com eles.”
A ajuda vem a cavalo
A equoterapia não é focada na perfeição dos movimentos esportivos, mas na relação entre o cavalo e a pessoa. Para o trabalho terapêutico, o animal deve ser dócil e aprender facilmente. “Um cavalo de equitação não é acostumado com brinquedo e música, é um bicho que trota, corre e pula. Já o cavalo para a equoterapia é previamente selecionado pela estrutura física: não pode ser muito alto, para ter acesso terapêutico ao paciente”, explica a fisioterapeuta Mylena Medeiros. O animal deve ainda ter temperamento dócil.
Entre os benefícios para o praticante estão a melhora do desenvolvimento motor – incluindo equilíbrio, desenvolvimento do sistema cardiorrespiratório, socialização, diminuição de ansiedade e de sintomas depressivos. “Existem crianças que não se enquadram em comprometimento psicológico, mas têm dificuldade enorme de interação, porque vivem num mundo muito virtualizado. O cavalo ajuda a estabelecer contato e resolver a dificuldade de fazer amigos na escola, timidez excessiva, todas essas áreas”, conta a equoterapeuta.
Mariana Borges, 4 anos, aprimorou bastante a parte social com a prática da modalidade. Ela teve falta de oxigenação durante o parto, o que gerou uma pequena lesão no cérebro. A menina fez parte do programa de Estimulação Precoce da Secretaria de Educação, e, atualmente faz acompanhamento na Rede Sarah e com uma equipe multidisciplinar de médicos, com neurologista e fonoaudiologista. A indicação para a Associação Nacional de Equoterapia (Ande) veio da escola que ela frequentava.
Mãe da menina, a servidora pública Mônica Borges, 30 anos, conta que a filha tem a companhia da égua Estrela desde 2014 e um dos maiores ganhos foi a melhora na dificuldade de andar, além do aumento da capacidade social. “Ela tinha muito medo das coisas: das pessoas, dos bichos. Agora, está mais segura. Sente muita falta quando não vem e, no dia da equoterapia, ela já acorda pedindo para vir”, conta.
“As mães comentam que, com uma, duas sessões, o comportamento é outro. Até mesmos as professoras da escola ficam impressionadas. Como a maioria deles gosta muito da equoterapia e cria vínculo com o animal, vira moeda de troca em casa para bom comportamento”, conta a educadora física Andrea Gomes. A idade dos pacientes atendidos varia de adolescentes até idosos e o avanço da idade não faz com que a resposta à equoterapia seja mais lenta. Em média, após seis meses, os praticantes costumam ter benefícios.
Origem milenar
A inserção de cavalos na medicina humana aconteceu antes de Cristo, por Hipócrates. Segundo a equoterapeuta Mylena Medeiros, a prática retornou com força total na França em 1965 para ajudar na recuperação de soldados no pós-guerra. Existem ainda centros hípicos focados na recuperação de pessoas com problema de vício em drogas e outros voltados para a sobrevida de pacientes terminais e crianças com doenças crônicas, como um do Tenessee (EUA). Essa modalidade é chamada de terapia assistida por animais.
No Brasil, a chegada da equoterapia ocorreu em 1989, com a brasiliense Associação Nacional de Equoterapia. A modalidade foi reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina do Brasil como método terapêutico em 1997 e, hoje, tem o aval dos conselhos de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional, sendo reembolsável por planos de saúde. Devido ao alto custo, porém, ainda não é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de lei para regulamentar a prática. O texto foi proposto em 2012 pelo então senador Flávio Arns (PT-PR) e exige exames psicológicos e fisioterápicos dos praticantes e capacitação de toda a equipe, incluindo fisioterapeuta, educador físico, terapeuta ocupacional, pedagogo, psicólogo e professor de equitação. O projeto determina ainda que o local tenha atendimento de urgência ou seja capaz de fazer remoção imediata para uma unidade de saúde, em caso de acidente. Em caso de aprovação, o texto precisa ser votado em plenário por pelo menos dois terços dos senadores. Em seguida, segue para sanção presidencial.
Melhor que cursinho
Outra pessoa que se beneficiou da companhia de um cachorrinho foi o estudante Thiago Rodrigues, 21 anos. Em junho de 2015, ele estava no início de uma depressão depois de várias reprovações no vestibular para medicina. Foi quando a mãe dele, Dora, decidiu levar a mascote Simba para casa, na época com 45 dias de vida. “Como passo muito tempo fora de casa, o nosso cachorro foi uma forma de companhia e amizade”, conta a mãe.
Logo que o cãozinho chegou, Thiago conseguiu a aprovação e os sintomas da depressão foram afastados. “Simba mudou as nossas vidas. Meu filho disse que foi o melhor presente que já ganhou”, comemora a enfermeira.
Tratamento de quatro patas
Nem sempre o tratamento entre humanos e animais segue parâmetros científicos reconhecidos. Pode bastar a presença do pet para que o efeito terapêutico aconteça. A estudante Bianca*, 37 anos, sofre com o diagnóstico de bipolaridade há mais de 10 anos. Apesar de fazer uso de medicação, ela não via melhora significativa no quadro e, por conta da condição, foi afastada do trabalho. Foi quando decidiu adotar uma gatinha, em fevereiro deste ano. “Como eu estudei dois anos de psicologia e fiz muita terapia, sabia que é cientificamente comprovado que a convivência entre animais e seres humanos é benéfica, principalmente para pessoas com transtornos mentais”, explica.
Na infância, Bianca teve outros gatos e também cães. Após a aprovação da psiquiatra, mais duas gatinhas saíram de uma feira de adoção e chegaram à casa em que a estudante mora, sozinha. Uma delas, como veio das ruas, não passou por abrigos e ainda não está habituada ao contato. Apesar disso, a estudante agradece a companhia e afirma que teve melhora no quadro psiquiátrico. “Os animais são melhores do que os seres humanos. Não posso contar minha doença pra qualquer pessoa. Eu corro o risco de perder as amizades”, acredita.
* Nome fictício, a pedido da entrevistada
“Ela quebrou o gelo e o muro de solidão que construí a minha volta”
A secretária executiva bilíngue Luiza Callafange, 26 anos, sempre gostou de animais: já teve cachorro, peixe, hamster e até um minicaranguejo. Depois de adulta, passou por muitos problemas relacionados à depressão e ansiedade, principalmente quando foi morar sozinha. “Eu precisava amadurecer e aprender uma série de coisas, mas, ao mesmo tempo que queria, não estava totalmente preparada para lidar com elas, principalmente com a solidão”, conta.
Por coincidência, Luiza passou por uma feira de adoção e Tito entrou para a família. “Foi amor à primeira vista: um gatinho ruivo, magro, doentinho, que não abria um olho e tinha feridas no corpo. Eu simplesmente precisava tirá-lo dali e dar-lhe uma oportunidade de ser feliz”, conta.
Com o tempo, a jovem perdeu a vontade de sair de casa e de estar com os amigos. Nem mesmo a atividade física estava ajudando. Foi quando ela decidiu começar a psicoterapia, que logo a fez reagir. Quando melhorou um pouco, decidiu trazer a segunda gatinha para casa. Ela viu a foto em uma página de adoção e decidiu buscar o animal, mas ele já havia sido levado por outra pessoa. Pouco tempo depois, por algo que ela chama de “milagre”, a adotante desistiu e Lily enfim foi morar com Luiza. “A Lily veio no momento em que eu mais precisava. É carente e carinhosa. Ela me conquistou. Quebrou o gelo e o muro de solidã.
Entrevista // Vinicius Perez dos Santos
*Médico veterinário, residente do Hospital Veterinário FMVZ-USP e fundador do Projeto Santuário FMVZ-USP
Quando foi que se começou a enxergar o animal como um indivíduo a ser domesticado?
A domesticação dos cães e gatos foi, sem dúvida, um importante acontecimento na história da humanidade. Embora estudos apontem o lobo (canis lupus) como antecessor do cão doméstico (canis familiaris), alguns geneticistas defendem que, na verdade, as duas espécies são descendentes de um ancestral comum desconhecido. Há registros fósseis de cães de cerca de 12 mil anos encontrados junto a ossadas de humanos e outras evidências fósseis da existência de cães há pelos menos 33 mil anos. O que se tem certeza é de que, a partir do momento em que as pessoas passaram a se estabelecer em locais fixos, deixando a vida nômade e instituindo a agricultura, a relação entre seres humanos e cães tornou-se atrativa com benefícios mútuos. Para os humanos, ajudantes na caça e proteção dos acampamentos. Para os cães, maior disponibilidade de alimento. Já a domesticação dos gatos data de período mais recente. Enquanto os cães estão com os humanos há pelo menos 20 mil a 30 mil anos, a domesticação do gato ocorreu apenas em meados do século 8 a.C., entre as aldeias que originaram o Egito antigo, onde passaram a exercer importante papel no controle de roedores que apareciam em busca de grãos.
Por que os cães e gatos são os animais domésticos mais comuns?
Inicialmente, estabeleceu-se a aproximação com essas espécies pela oportunidade de maior disponibilidade de alimento em troca de parceria para a caça ou proteção contra a proliferação de roedores. Mas, com o tempo, os benefícios foram além e o vínculo se tornou cada vez mais forte. Os cães desenvolveram habilidades essenciais para se adaptarem à convivência com seres humanos, como o olhar fixo nos olhos, que estimula a liberação de ocitocina tanto nos humanos quanto nos próprios animais. A ocitocina é o mesmo hormônio liberado em decorrência da interação entre mães e bebês, conhecido como hormônio do amor. Não é à toa que estudos recentes com uso de ressonância magnética evidenciam ativação de regiões do hipocampo de cães relacionadas a emoções boas como alegria e amor resultante do contato entre seres humanos e animais.
Qual é a causa mais comum pela qual adotamos um animal de estimação?
As motivações para a adoção de um animal podem ser variadas, algumas vezes altruístas, outras embasadas em posturas antropocêntricas, visando bem-estar próprio. A presidente da Associação Médico-Veterinária Brasileira de Bem-Estar Animal, Ceres Berger Faraco, médica veterinária e doutora em psicologia, aponta que a crescente associação entre seres humanos e animais se dá como estratégia para enfrentar os desafios da sobrevivência, pois humanos e animais de companhia são seres gregários, além de que os bichos oferecem suporte para a sobrevivência das sociedades. Sendo assim, a adoção muitas vezes representa uma vontade de completar a família ou enfrentar a solidão.
Quais são os benefícios do convívio entre humanos e animais?
Atualmente, muitas pessoas conhecem os benefícios das terapias assistidas por animais, como a equoterapia e as visitas a hospitais, asilos e outras entidades, com apoio dos “cães-terapeutas”. Porém, o convívio com animais por si só também influencia diretamente a saúde das pessoas. A doutora Ceres Faraco explica que no mundo atual, onde são incentivados o individualismo, a perda de laços familiares e a solidão, a presença dos bichos serve como apoio social e fortalece o sentimento de que somos pertencentes, amados e absolutamente necessários para alguém. Na prática da medicina veterinária, diariamente vamos conhecendo diferentes famílias e ouvindo diferentes histórias nas quais os animais ocupam sempre um lugar especial no auxílio para a superação de uma dificuldade, com ensinamentos diários. Vamos percebendo que na complexa rede familiar em que cada partícula interage uma com a outra, os animais ocupam uma importante posição.
Quais são os benefícios físicos de se ter um bichinho?
Segundo estudo realizado pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP, os benefícios dos animais de companhia à saúde das pessoas vão desde a melhora na imunidade de crianças e de adultos até a redução dos níveis de estresse e da incidência de doenças comuns, como dor de cabeça ou resfriado. Outros estudos identificados pelos pesquisadores da USP também avaliaram as taxas de sobrevivência no ano posterior a um infarto agudo do miocárdio em donos de cães, gatos e outros animais de estimação em comparação com pessoas que não conviviam com bichos. Segundo os pesquisadores, depois de determinado período, verificou-se que a convivência com um cão contribuiu significativamente para a sobrevivência dos pacientes, pelo menos no ano seguinte ao incidente. Os mesmos estudos também apontam benefícios no controle da pressão arterial.
Existe algum momento em que o convívio intenso seja ruim para os animais?
Os principais ônus para os animais de estimação na relação com os seres humanos estão relacionados ao fenômeno do antropomorfismo. Consiste no hábito de tratar os animais com base em premissas da visão humana, considerando que as necessidades dos animais são semelhantes às nossas, ou ainda privilegiando as preferências humanas em detrimento das necessidades naturais do bicho. Trocando em miúdos, toda vez que reproduzimos práticas como uso de roupas, calçados e perfumes em cães e gatos, por exemplo, estamos aplicando uma necessidade essencialmente humana, que não apenas não é natural para o animal como também pode ser incômoda. O cão precisa ser cão e o gato precisa ser gato. A possibilidade de expressar comportamentos naturais da espécie é um pré-requisito básico para garantir seu bem-estar. Não há nenhum mal em tratar o animal como filho, desde que se compreenda que é um filho não humano e se respeite as necessidades dele.
“Não há nenhum mal em tratar o animal como filho, desde que se compreenda que é um filho não humano e se respeite as necessidades dele”