(Por Camila Curado e Otávio Augusto, da editoria de Cidades do Correio Braziliense) (foto Breno Fortes / @cbfotografia / Correio Braziliense)
Liandra Lopes (foto) , 25, tem uma dor de cabeça a mais neste início de ano. Ela sabe que, com a proximidade do fim do período de chuvas, o mosquito felobomíneo, conhecido como palha, transmissor da leishmaniose visceral, começa a aparecer. E tem consciência de que o cão dela, Teo, de 2 anos, pode ser contaminado. Ainda mais porque ela mora em um local em alerta para a alta incidência do inseto: o Varjão. Fercal, Sobradinho, Lago Norte, Lago Sul e Jardim Botânico também estão na lista. Essas cidades concentram os casos da doença que infecta cães, gatos e humanos. Segundo estimativa da Secretaria de Saúde, 25% dos animais dessas cidades estão contaminados. Na Fercal, por exemplo, 10% das amostras analisadas tiveram o diagnóstico positivo.
“A gente acaba se preocupando. Ninguém quer o cachorro fique doente ou sofra”, afirma Liandra. A doença é sazonal, mas a Diretoria de Vigilância Ambiental (Dival) não descarta possibilidade de surto. O DF é a segunda unidade da Federação que mais apresenta infecções humanas: 14,3% dos casos confirmados no país, perde apenas para Goiás. Mas há a reclamação de que faltam informações sobre a enfermidade. É o caso de Gabriel Sales, 19, que diz nunca ter ouvido falar da leishmaniose. “Faltam campanhas para esclarecer o que é a enfermidade para a população”, reclama o dono do pitbull Dólar. Atualmente, o bicho está com pulgas e sarnas que se espalharam pelo corpo.
Os primeiros casos de leishmaniose surgiram no fim do verão de 2004. Naquele ano, 10 cães tiveram a moléstia confirmada. Após uma década, o avanço da doença chegou a 4.780%. Em 2014, 478 animais se infectaram. O mosquito se reproduz em ambientes com matéria orgânica, como restos de alimentos, folhas e madeira em decomposição, além de adubos e áreas sombreadas e úmidas. Segundo a Gerência de Vigilância Ambiental de Zoonoses, o combate segue o mesmo processo contra o Aedes aegypti. Evitar que o mosquito nasça é a melhor alternativa.
O conjunto de sinais mais comuns na leishmaniose canina inclui perda de peso, úlceras, anemia, diarreias, vômitos persistentes e feridas que não se cicatrizam. O Ministério da Saúde recomenda o sacrifício dos cães com diagnóstico. A medida desagrada a Sociedade Protetora dos Animais (Proanima). “Os cães têm direito ao tratamento. Há grupos de veterinários que fazem esforços para que novos medicamentos sejam aprovados para uso no Brasil. Somos contra matar o animal por uma doença tratável. O parasita fica inativo no corpo quando está sendo tratado, o animal não transmite a doença e vive bem clinicamente”, ressalta Simone Lima, diretora da entidade.
Em média, a vacina custa R$ 60. Na primeira imunização é recomendado aplicar três doses no cão. Depois, um reforço anual. A Secretaria de Saúde não disponibiliza o serviço. Mas faz o diagnóstico da doença — cerca de 5 mil cães passam por exames anualmente. Em portaria, o Ministério da Saúde se posiciona contrário ao uso de tratamentos e vacinas caninas pelo temor da criação de um protozoário resistente aos poucos medicamentos disponíveis para o tratamento da doença em humanos. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o texto liminarmente, em outubro de 2013.
A Secretaria de Saúde enfrenta problemas na notificação dos casos da doença. Isso ocorre porque há falhas na notificação das clínicas veterinárias e a Dival. “O médico veterinário é obrigado a notificar a doença, mas nem sempre isso acontece, o que causa impacto na saúde pública. Falta informação entre eles e as clínicas são o termômetro dos casos”, avalia Lauricio Monteiro, médico veterinário da Vigilância Ambiental.
Veterinários
O alerta para os casos de leishmaniose aqueceu o mercado de clínicas veterinárias na capital federal. O setor espera aumento de 10% na procura. A venda vacinas e produtos repelentes, como coleiras, também deve crescer. Por outro lado, o brasiliense está temeroso com o avanço da doença.
Segundo a veterinária Andressa Beluco (foto) , 27 anos, houve alta de 70% em apenas dois meses no número de casos da moléstia. “A cada sete casos suspeitos, pelo menos quatro se confirmam”, conta a especialista, que atende no Lago Norte. “A maioria dos casos confirmados é de moradores de chácaras e residências com grandes jardins, o que não descarta a preocupação de moradores de apartamentos no cuidado da prevenção do mosquito”, detalha.
A leishmaniose é a segunda doença tropical que mais apresenta ameaça a saúde pública, por conter altos índices de morbidade e mortalidade, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Perde apenas para a malária. Houve pelo menos três notificações em humanos este ano. Segundo o Executivo local, um está confirmado e outros dois continuam em investigação. Até junho de 2015, 21 pessoas contraíram o mal . Se não for devidamente acompanhada, a enfermidade pode levar à morte. Os principais sintomas são feridas na pele, nas mucosas do nariz, da boca e da garganta, e acomete o fígado, o baço e a medula óssea.
A bióloga Erika Mota Herenio, especialista em análises clínicas, explica que, para frear o avanço da doença, é preciso acabar com os locais de reprodução do mosquito-palha. “O inseto se reproduz rapidamente. A melhor forma é interromper o ciclo do vetor mantendo os ambientes limpos”, alerta. Em 2014, a especialista publicou estudo sobre a doença no DF. O artigo frisa que aproximadamente 10% dos casos da doença são confirmados — índice considerado alto pela literatura médica.