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Crowdfunding: o risco de uma contribuição silenciosa ao terrorismo

Por  Yuri Sahione, Maitê Rezende e Ana Flávia Pereira

A União Europeia (“UE”) instituiu no dia 11 de março o Dia Europeu em Memória das Vítimas do Terrorismo, como forma de prestar homenagem ao ataque de 2004 em Madrid, na Espanha, quando 193 pessoas perderam suas vidas e cerca de 2.000 pessoas ficaram feridas, vítimas de uma sequência de atentados a bomba em 3 estações de trem na cidade.

Passados exatos 20 anos do ataque, vê-se que a luta contra o terrorismo se tornou uma das principais prioridades das organizações mundiais, tendo como uma de suas agendas a prevenção da “radicalização”, que surge especialmente a partir da propagação do extremismo e difusão de conteúdos terroristas na internet e redes sociais.

A facilitação da interação de grupos terroristas com a população por meio de novas tecnologias, possibilitou o surgimento de uma vigente forma de financiamento ao terrorismo: o crowdfunding ou financiamento coletivo. O termo, por si só, representa um investimento coletivo que se dá através da utilização de plataformas de arrecadação de fundos para encontrar investidores dispostos a auxiliar no financiamento de projetos. Trata-se de uma ferramenta poderosa com grande impacto em ações sociais, por exemplo.

No entanto, assim como outras novas tecnologias, o crowdfunding pode ter sua finalidade desviada quando explorada por grupos terroristas, que combinam métodos e técnicas para ludibriar internautas e até mesmo instituições, que acabam por investir na causa terrorista sem conhecimento.

O relatório do Grupo de Ação Financeira (“GAFI” ou “Financial Action Task Force (FATF)”) “Crowdfunding for Terrorism Financing” é o primeiro estudo internacional abrangente sobre o financiamento do terrorismo ligado ao crowdfunding. Ele se baseia em experiências da Rede Global do GAFI, de especialistas do setor, do meio acadêmico e da sociedade civil para construir um conhecimento mais profundo dos métodos e técnicas de crowdfunding utilizados pelos terroristas, e para examinar as melhores práticas no combate a esse tipo de ameaça.

Dentre as 4 principais formas de utilização das plataformas de crowdfunding para fins de financiamento ao terrorismo, o GAFI cita o abuso de causas humanitárias, beneficentes ou sem fins lucrativos, apontada pelos países da Rede Global como a forma mais vulnerável e suscetível ao aproveitamento de grupos terroristas, tendo em vista que doações de valores geralmente ficam de fora de regulamentações.

O relatório detalha três maneiras de perpetuação desse abuso: (i) quando indivíduos não afiliados a organizações beneficentes lançam campanhas de arrecadação para causas humanitárias ou sociais, mas os fundos arrecadados na verdade apoiam atividades terroristas; (iii) quando uma instituição de caridade lança uma arrecadação de fundos, mas não realiza a atividade humanitária anunciada e desvia todo ou parte dos fundos para financiamento ao terrorismo e (iii) quando organizações sem fins lucrativos que fazem crowdfunding para uma finalidade legítima se tornam vítimas de extorsão ou desvios em ambientes de alto risco controlados por grupos terroristas.

Isso significa que, ao redor do mundo, qualquer pessoa ou instituição com acesso a plataformas de arrecadação está suscetível a investir em causas terroristas fantasiadas de ações sociais.

O GAFI cita, como algumas das medidas de enfrentamento às inseguranças trazidas pelas diferentes modalidades de crowdfunding e pelo crescente cenário de novas tecnologias, a inclusão da atividade de crowdfunding nas avaliações nacionais de risco de financiamento do terrorismo (“National Terrorists Financing Risk Assessments”), bem como a criação de uma lista de indicadores de risco (“Risk Indicators”), que visa ajudar as entidades dos setores público e privado, e o público em geral, a identificar potenciais tentativas dessas atividades.

Em termos de regulamentação, vale citar a Resolução 88 da Comissão dos Valores Mobiliários (“CVM”) editada em 2022, que ditou as regras para a oferta pública de distribuição de valores mobiliários emitidas por sociedades empresárias de pequeno porte, realizada com dispensa de registro, por meio do financiamento coletivo.

Apesar da formalização, a mencionada Resolução não rege crowdfundings ligados a doações, tendo em vista que as modalidades de crowdfunding de doações ou recompensas não apresentam características de mercado financeiro e, portanto, não estão na esfera de competência da CVM.

A tendência no Brasil – país signatário do GAFI – para os próximos anos é que o legislativo, os órgãos como o BACEN e o COAF, e as empresas do setor privado, passem a seguir as recomendações do GAFI relacionadas a Ativos Virtuais, Organizações sem Fins Lucrativos e Serviços de Transferência de Dinheiro ou Valor, visando a regulamentação dessas plataformas de crowdfunding em todas as suas modalidades e a implementação de medidas que possibilitem a identificação de potenciais tentativas de atividades de financiamento do terrorismo e formas de prevenção.

Sob o viés de compliance, é importante que o setor corporativo brasileiro tente conhecer o histórico de atuação da organização que está solicitando dinheiro para ações sociais, se atendo às atividades de verificação prévia reputacional e de integridade do destinatário da doação, por meio de background checks e pesquisas de sanções internacionais, evitando a destinação de recursos para grupos terroristas.

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