Banner JUS

Categories: Direito Penal

Descriminalização do porte de droga para consumo próprio

Por Juliana Malafaia

No próximo dia 2 de agosto volta à pauta do Supremo o julgamento da repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 635.659, que trata a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. Aguarda-se desde 2015 que a discussão caminhe no sentido de que utilizar-se do direito penal para punir aquele que porta droga para uso próprio não seja legítimo.

De antemão, esclarece-se que não se discute no presente artigo a legalização do uso de drogas, tampouco o tráfico e todas suas mazelas ou até mesmo qual o prejuízo que o uso de drogas traz à saúde. Discute-se, de forma limitada, se o porte para consumo próprio exige a intervenção do Estado. Isso porque, antes de mais nada, criminalizar o consumo afeta o princípio da lesividade – valor basilar do direito penal.

Neste sentido, assim como fazem parte do direito à privacidade até mesmo a autolesão, o masoquismo e a greve de fome, o uso de drogas é um comportamento que se encontra dentro da esfera de privacidade, já que afeta apenas a saúde pessoal do titular dos bens jurídicos lesados, não representando afronta à saúde pública.

Assim, o artigo 28 da Lei de Drogas é inconstitucional também por afetar o artigo 1º, III, da Constituição que trata da dignidade da pessoa humana. Dignidade que se caracteriza pela autodeterminação, pelo respeito ao pluralismo e ao modo de vida de cada um. Deveria então ser estranho ao direito penal apenar qualquer ato que afete a intimidade ou esfera de privacidade do homem quando tal ato não interfere na dignidade de terceiros.

Além disso, importante que Supremo defina, com critérios objetivos, os casos de uso e tráfico de drogas. O que ocorre atualmente é que, diante da falta de distinção clara, usuários são comumente tratados como traficantes lotando assim os presídios. Com mais de 830 mil presos, ostentamos a terceira maior população carcerária do mundo, sendo que um terço desse contingente foi condenado ou aguarda julgamento por tráfico de drogas.

Por fim, a aplicação do princípio da proporcionalidade nos leva à conclusão de que a medida de criminalizar o porte, mesmo sendo capaz de atingir o fim almejado e sendo necessária para atingi-lo, pode ainda assim ser desproporcional se o resultado obtido com a restrição imposta ao direito individual superar o incremento de proteção conferido ao interesse público que a norma quer atingir. Justamente por isso, a lei penal deve estabelecer condutas com diferenças significativas em relação à natureza e extensão do perigo representado pelos interesses que visa proteger.

Não é um debate juridicamente fácil, mas os números não deixam dúvidas de que precisa ser feito. Os dados são gritantes: a aplicação da Lei é disfuncional e as presunções para o encarceramento estão erradas.

ritanmachado

Recent Posts

Taxa de conveniência para compra on-line de ingressos é legal?

É abusiva a cobrança de taxa de conveniência para compra de ingresso por meio digital?…

1 mês ago

Impactos da Lei 14.905/2024 no processo do trabalho

A Lei 14.905/2024 alterou o artigo 406 do Código Civil, impactando o regime de atualização…

1 mês ago

A relevância do Compliance e da governança para erradicar o trabalho escravo e o assédio

Por Ana Carolina Massa e Andressa Santos Ao longo de mais de 100 anos o…

7 meses ago

O Embate pela regulamentação das drogas: entre o Judiciário e o Legislativo

Por Rita Machado e Paulo Romero Outra vez estamos testemunhando a incansável disputa sobre quem regulamenta as condutas…

8 meses ago

Os perigos da tipificação da corrupção privada: uma crítica ao projeto de lei

Avança no Senado o debate em torno da criminalização da corrupção privada. De relatoria do…

8 meses ago

AREsp 2.389.611: Reflexões sobre os limites do Direito Penal

Por Luma de Paula e Paulo Romero No dia 12 de março, a 5ª Turma…

8 meses ago