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A extinção das saídas temporárias e o reforço à cultura do encarceramento

Por Rita Machado e Juliana Malafaia

O sentimento de insegurança e o aumento da violência assolam, a cada dia mais, a sociedade brasileira, que, em resposta, clama por uma política criminal mais eficiente, sendo concretizada, aos olhos cegos de alguns, pelo encarceramento prolongado dos criminosos.

Atualmente, num terreno de extremo punitivismo, não há como florescer nada diferente do que o projeto de lei nº 583/11, recém aprovado pela Câmara dos Deputados, que extingue a possibilidade da saída temporária dos presos, conhecida como “saidinha”, encaminhado ao Senado Federal para análise (PL 2253/2022).

Não é fácil – nem agradável – encarar criminosos como Suzane Von Richthofen ou Alexandre Nardoni saindo do presídio, pelo benefício da saída temporária, em feriados ou no Dia dos Pais.

Acontece que se o nosso desejo é realmente o de afetar e mudar o nosso sistema de justiça e, consequentemente, o sistema prisional, é preciso entender o benefício dentro de uma perspectiva geral político-criminal.

A começar pelo fato de que nosso sistema penitenciário é progressivo, característica assegurada constitucionalmente. Ou seja, do fechado progride-se para o semiaberto, do semiaberto para o aberto. Além disso, são vedadas penas cruéis ou degradantes, bem como penas perpétuas.

No ponto, cumpre dizer que a Lei de Execução Penal prevê, em seu artigo 122, que os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização judicial para saída temporária desde que possuam bom comportamento e que já tenham cumprido, no mínimo, um sexto da pena, se o condenado for réu primário, e um quarto da pena, se for reincidente.

De início, já é possível perceber que o benefício não se aplica de forma irrestrita e generalizada a todos os presos, dependendo do cumprimento de vários requisitos, objetivos e subjetivos, e sendo, ainda, um estímulo aos internos, já que o bom comportamento diferencia o condenado que trabalha ou estuda daquele que comete faltas graves.

Nesse sentido, o benefício é um marco para aqueles presidiários que já se encontram prontos para dar início ao processo de ressocialização, que, apesar de esquecido, é finalidade da pena, ou seja, compõe, ou deveria compor, a função de punir. Da mesma forma como a prisão, nos casos em que é cabível, é parte do processo punitivo, a ressocialização também deve ser garantida pelo Estado.

Vejamos que para aqueles que defendem a extinção do benefício o argumento é quase sempre o mesmo: que os condenados, durante o gozo da saída temporária, cometem novos crimes ou, até, fogem.

Entretanto, os dados comprovam que somente um número reduzido de apenados não retornam às suas atividades prisionais. Segundo o INFOPEN (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), a taxa de fugas do sistema prisional, seja pela saída temporária, seja por qualquer outra razão, é de apenas 0,99%.

A título de exemplo, no DF, somente 22 beneficiados no último Natal não retornaram, enquanto 1.869 tiveram o benefício concedido[1]. O índice dos que não retornaram representa 1,17% do total, ou seja, uma política pública com índice de quase 99% pode – e deve – ser considerada exitosa.

É claro que, muitas vezes, acabamos tomados pela comoção em torno dos crimes graves e com grande repercussão, o que embaça nossa visão e nos faz esquecer que o cidadão, independentemente do que tenha feito, tem direito a ser reinserido na sociedade e reconstruir seus laços afetivos e sociais que foram rompidos pelo aprisionamento.

Na verdade, a ressocialização, se feita da maneira correta, traria drástica diminuição da violência e da reincidência criminosa, esta que muitas vezes se dá por aquelas pessoas que, uma vez contaminadas pelo sistema prisional, não são mais aceitas de volta na sociedade que vivem, não vendo outra saída que não a volta ao crime.

A aprovação do Projeto é, sem dúvidas, um retrocesso. Longe de ser a solução milagrosa para a alta criminalidade brasileira, como querem crer alguns, o texto vai de encontro à finalidade da política criminal: reintrodução do preso na sociedade e sua volta à vida social, o que, aí sim, poderia modificar o índice de violência nacional.

Espera-se que o Senado compreenda a importância do benefício e perceba que a vedação à saída temporária não é apenas uma forma equivocada de alcançar o fim pretendido – diminuição da violência e de fuga – como também representará graves consequências para o nosso já falido sistema prisional.

[1] https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2022/01/03/saidao-de-natal-22-presos-nao-retornam-no-df-e-estao-foragidos-veja-lista-de-procurados-desde-2016.ghtml

ritanmachado

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