Banner JUS

Categories: Sem categoria

A controversa possibilidade de transferência da execução da pena imposta ao jogador Robinho

Por Rita Machado e Murilo de Oliveira

Com a confirmação da condenação pela Corte de Cassação da Itália e o ajuizamento de ação de homologação de sentença estrangeira pela República da Itália (HDE 7986/EX), reacenderam os debates sobre a possibilidade de se executar a pena imposta ao jogador no Brasil.

E discussão se dá pelo fato de que, do ponto de vista legal, certas dificuldades podem ser encontradas para a imposição do cumprimento, no Brasil, da pena imposta pela Justiça Italiana.

Inicialmente, não há qualquer discordância acerca da impossibilidade de extradição do jogador para cumprimento da pena na Itália, uma vez que o artigo 5º, inciso LI, da Constituição Federal assegura que nenhum brasileiro (nato) será extraditado.

Até mesmo em razão disso, a República da Itália ingressou com ação de homologação da sentença estrangeira para impor o cumprimento da pena em território nacional.

Respeitando-se as compreensões diversas, a referida hipótese é controversa sob todos os ângulos.

Primeiro porque o artigo 9º do Código Penal apenas dispõe que a sentença estrangeira pode ser homologada no Brasil para obrigar o condenado à reparação do dano, restituições e a outros efeitos civis e para sujeitar o condenado a medida de segurança, além da hipótese de medidas assecuratórias praticadas no estrangeiro, prevista na Lei n.º 9.613/98.

Somado a isso, tem-se o fato de que o tratado sobre cooperação jurídica internacional em matéria penal celebrado entre o Brasil e a Itália não compreende a execução de medidas restritivas da liberdade pessoal nem a execução de condenações (artigo 1.3 do Decreto 862/93).

Por outro lado, de um olhar atento ao Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República Italiana, promulgado pelo Decreto n.º 863/1993, extrai-se do artigo 6.1 que a homologação de decisão estrangeira com o fim de submeter nacional do Estado requerido à execução da condenação carece de previsão normativa.

Por fim, a possibilidade que abre maior espaço para o debate: a transferência da execução da pena, prevista na Lei de Migração – Lei n.º 13.445/17).

Há quem defenda a possibilidade da transferência, todavia, o artigo 100, caput, da referida lei, dispõe que a transferência poderá ser solicitada nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, ou seja, o cabimento da extradição para o cumprimento da pena parece ter sido inserido como um requisito para a transferência.

Como dito acima, a Constituição Federal veda a extradição de brasileiros natos, de modo que uma interpretação sistemática do dispositivo legal caminharia para a impossibilidade da transferência da execução da pena, já que incabível a extradição executória de brasileiro nato (artigo 82, inciso I, da Lei n.º 13.445/17).

Ainda que assim não fosse, seria preciso refletir acerca da incidência retroativa da Lei n.º 13.445/17, caso aplicável à hipótese, já que os fatos pelos quais o ex-jogador foi condenado ocorreram em 2013, em data muito anterior à Lei.

Respeitando-se as compreensões diversas, a legislação que trata da transferência da execução da pena contém disposições de natureza penal e, portanto, não pode retroagir em prejuízo do condenado. Embora haja um detalhamento do procedimento, o que confere a aparência de norma processual à Lei, é preciso verificar que há uma verdadeira expansão da pretensão punitiva do Estado.

Se o poder punitivo do Estado e o seu alcance são expandidos, a norma possui natureza penal (ou mista). Sendo de natureza penal, não pode retroagir para alcançar fatos anteriores em prejuízo do condenado.

Conclui-se, portanto, que embora não pareça intuitivamente verdadeiro, a transferência da execução da pena imposta pela República da Itália ao jogador Robinho não é compatível com as previsões normativas que tratam do tema.

E isso, contudo, não significa impunidade. É plenamente possível que os fatos sejam objeto de novo processo – instaurado no Brasil -, ocasião em que o ex-jogador exercerá o seu direito de defesa e, se o caso, será condenado pelos fatos praticados, já que, embora ocorridos no estrangeiro, estão sujeitos à lei brasileira, porquanto cometidos por brasileiro (artigo 7º, inciso II, alínea “b”, do Código Penal”).

Sob essas considerações, e sem qualquer pretensão de esgotar o assunto, percebe-se que o tema é bastante delicado e com certeza demandará maiores discussões, tendo o potencial de configurar um marco na interpretação dos temas aqui abordados e até um convite para a modernização da legislação.

ritanmachado

Recent Posts

A relevância do Compliance e da governança para erradicar o trabalho escravo e o assédio

Por Ana Carolina Massa e Andressa Santos Ao longo de mais de 100 anos o…

5 meses ago

O Embate pela regulamentação das drogas: entre o Judiciário e o Legislativo

Por Rita Machado e Paulo Romero Outra vez estamos testemunhando a incansável disputa sobre quem regulamenta as condutas…

6 meses ago

Os perigos da tipificação da corrupção privada: uma crítica ao projeto de lei

Avança no Senado o debate em torno da criminalização da corrupção privada. De relatoria do…

6 meses ago

AREsp 2.389.611: Reflexões sobre os limites do Direito Penal

Por Luma de Paula e Paulo Romero No dia 12 de março, a 5ª Turma…

6 meses ago

Crowdfunding: o risco de uma contribuição silenciosa ao terrorismo

Por  Yuri Sahione, Maitê Rezende e Ana Flávia Pereira A União Europeia (“UE”) instituiu no dia…

6 meses ago

Tensões Jurídicas e Sociais: O Debate sobre o Porte de Drogas para Consumo Próprio no STF

Por Rita Machado Como contamos aqui recentemente, o STJ convocou uma audiência pública para discutir o uso…

7 meses ago