A vida que não se curte

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Eu já estava há mais de 24 horas sem dormir ou tomar banho. O cansaço era denunciado pelas olheiras acentuadas, cabelo amassado e cheiro de suor na camiseta. Mas não me importava. Ao chegar ao hotel de Dubai, nossa primeira providência foi deixar as malas no quarto e partir para um tour de duas horas.

Teríamos pouco tempo de parada obrigatória naquela cidade dos Emirados Árabes antes de chegar a nosso destino final: a Grécia. Como hoje, amigos e parentes – ao menos os meus – viajam conosco pelas redes sociais, não podia fazer feio. Rapidamente, tentei dar sumiço nos sinais de exaustão. Lancei mão de corretivo, blush, batom vermelho para sair bem nas fotos.

De real, só mesmo meu sorriso de alegria. Quem viu minhas poses diante de mesquitas iluminadas e minha produção fake ia crer, certamente, que eu seria capaz de conquistar um sheik milionário e ficar por ali mesmo.

Que nada! Na foto não era possível imaginar que meus pés latejavam; minha barriga embrulhava, em uma mistura de fadiga com fome; e meus olhos pareciam ter sido tomados por grãos de areia, resultado do sono picado.

Mas o facebook tem poder de criar vida artificial. Um filtro, uma luz, um belo ângulo e tudo se transforma em cenário de riqueza, alegria e felicidade invejadas, assim como Dubai.

Nessa viagem, fui apresentada a um dos aplicativos que aliviavam o escuro abaixo dos olhos e as manchas na pele. Ufa! Seríamos salvas pela tecnologia, capaz de maquiar as noites trocadas pelos passeios e disfarçar as espinhas que estouraram como protesto do intestino brasileiro diante do tempero grego.

Graças ao instagram, deixei mais azul o mar Egeu, que devia ser irretocável pela pretensa criatividade dos homens. Também tingi de tons mais fortes os pratos típicos daquele país, assim como os drinks, naturalmente coloridos pelas frutas. Eliminei em um corte as celulites e as gorduras extras denunciadas por ângulos infelizes.

No facebook, sua vida é mais bonita, de tonalidades mais vibrantes, sem cansaço, sem dinheiro contado, sem bolha nos pés por caminhar até a bela praia para economizar os euros do táxi.

Mas há coisas as redes sociais não nos permite editar ou não se compartilha: a emoção de conhecer um novo país, ao lado de uma amiga querida. Até tentei, mas falhei igualmemte na missão de registrar em vídeo a alegria de um duplo casamento grego, que tinha como testemunhas gente do mundo inteiro. Os fogos de artifício para celebrar as noivas; as palavras pronunciadas pelos convidados, com excitação e em um idioma incompreensível a meus ouvidos, e o tumulto de quem queria participar pessoalmente tudo vão ficar só na minha memória.

Também não pude fotografar cenas da intimidade alheia, como um casal de dois homens, senhores de cabeça branca e depele muito enrrugada, que demonstravam o amor em uma relação homoafetiva, sem preconceitos, sem tabus, sem idade. Apesar da lentidão aparente do corpo envelhecido, um deles caminhava feliz e assoviava ao deixar o bar à beira do penhasco de Santorini. Felicidade de quem ama e é amado. Coisa que não se exibe no facebook.

Menos ainda é possível publicar o pôr do sol de um dos lugares mais bonitos do mundo. Em uma ilha nascida depois da explosão de um vulcão, vi essa estrela de fogo se despedir do dia, diante de aplausos dos turistas. Fiz uma, duas, três fotos. Desisti! A câmera inventada pelo homem ainda não capta a obra de arte assinada pela natureza. Para “curtir”, só mesmo estando lá.

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