Quando a conheci, a primeira sensação foi de angústia. A mulher de vozeirão, cabelos loiros e jeito de gente despachada, capturava o ar com a boca aberta. Do peito dela, ouvia-se um chiado. Eu me sentia sufocada ao vê-la tentar respirar. A minha primeira tendência foi julgá-la: “Deve ter fumado a vida toda e agora enfrenta um enfisema pulmonar!”, pensei, amenizando minha compaixão por causa da parcela de culpa dela no próprio sofrimento.
O marido dela tem o mesmo porte superlativo. É grande, alto e largo. Barriga avantajada. Perfeito “bon vivant”, é esteriótipo de quem tem humor, bom gosto e dinheiro sobrando. Fumante, notavam-se os danos do cigarro na sua tosse ruidosa e seca. Caminhava lentamente, freado pelo peso do corpo. Entre um passo e outro, fazia uma careta. Até então, eu não sabia se de dor ou se era sinal de um iminente ataque do coração. Eu não conseguia disfarçar minha preocupação, porém.
Aquele casal de argentinos me intrigou assim que os vi. Ela, completa 60 anos. Ele já viveu alguns anos a mais. O que me chamava a atenção era como, aparentemente tão limitados de saúde, enfrentavam uma viagem pelo Sudeste Asiático durante um mês, sem perder a alegria e sem se perder em reclamações.
Na primeira oportunidade, disparei as perguntas. Soube que a falta de ar dela era resultado de uma brava luta pela vida. Mariza nunca colocou um cigarro na boca. Enfrentou quatro cânceres nos últimos anos, e a radioterapia para debelar o tumor na mama deixou tostado um dos seus pulmões. Por isso, não respira com potência.
Omar, o esposo, anda acima do peso porque sabe curtir a vida. Aprecia as carnes e não tem intenção de abandonar o vício da nicotina. O rosto retorcido, vez ou outra, era fruto das costelas fraturadas. Dias antes de embarcar para uma viagem de mais de 30 horas de distância do seu país, ele teve a casa assaltada e acabou usando as habilidades de ex-militar para se atracar com o ladrão. Bateu, mas também apanhou feio e rompeu as costelas.
Apesar das dificuldades, eles nunca pensaram em abandonar o roteiro de férias. A idade e as dificuldades físicas não os fizeram desistir dos passeios. Se antes me despertavam curiosidade, depois de conhecer a história pessoal deles, fiquei admirada pela força daquele casal, a vontade de viver e de aproveitar cada momento.
Romance maduro, eles se conheceram há seis anos. “Cada um tinha sua própria solidão”, define Omar. E eles se completam. E se provocam. E debocham um do outro. Ela toma ar para rir dele. Ele tosse forte para conseguir soltar uma risada em resposta a um comentário dela. Cada qual se ama em sua individualidade. Ele não aguenta subir as escadas de um templo. Não vai. Ela não reclama e segue o passeio. No meio do caminho, o único pulmão que funciona sente o excesso de proezas. Ela saca uma bombinha. Toma fôlego, e continua ladeira acima.
A voz dos dois tem decibéis elevados. A dele, pelo cigarro. A dela, pela perda de uma corda vocal. Isso os torna um casal barulhento. Falam alto, tossem, parecem que vão se sufocar a qualquer momento. Ele geme de dor. Ela xinga porque não tomou o remédio. Ele protesta que ela não o deixou dormir e cochila no carro sem se preocupar com o sonoro ronco que libera. Mas eles se amam. Adoram a vida.
Não sabem quando até quando a saúde débil vai lhes permitir usufruir bons momentos como aqueles. Ninguém pode ter a ousadia de apostar em prazos quando se fala em tempo de vida, mas quem tem o corpo funcionando a pleno vapor muitas vezes se arrisca a fazer planos a longo prazo. Talvez esse casal já não seja tão pretensioso. Por isso, não desistem. Não se vitimizam. Não abaixam a guarda em nenhum momento. Preferem gargalhar. Um sorriso invejável que dá um tapa suave na cara de quem não despertou para as delícias da vida, justamente por perder tempo demais protestando contra ela. São donos de risada barulhenta que enche a van, ecoa nos espaços e tocou profundamente o meu coração.