O rapaz que realinha o sorriso com aparelho ortodôntico, nunca tinha usado uma escova de dentes até os 10 anos de vida. Aliás, tantas coisas ele não fez até chegar à adolescência, quando saiu da gaiola, aos 16 anos. Ele nasceu em uma vila com nome de pássaro, mas nunca tinha voado. Chama-se Anhuma aquela terra, que, de tão esquecida, nem se lembraram de acrescentá-la ao mapa do Brasil.
O lugar fica escondido no interior do Piauí, há cerca de 500km da capital, Teresina. Ali, Sávio cresceu com mais dez famílias apenas. Há 10 anos, ele andava descalço, não sabia o que era banheiro e sofria mesmo quando as necessidades apertavam em dia de chuva ou na escuridão do mato. A dieta do menino contemporâneo à geração fast food era à base de frutas daquelas árvores,do milho plantado pelas mãos dos poucos moradores e da carne dos animais criados ali.
Brincadeira de criança era também a sobrevivência dessa infância meio indígena, estacionada no tempo. A garotada caçava passarinhos com a “baladeira”. Acertavam a presa e assavam o bicho de muitas penas e carne escassa. Em lugar que fartura passa longe, até pombo vira banquete. O coração das aves era miúdo disputado. Comiam cru, nos derradeiros pulsos. Conta a lenda de Anhuma que o pequeno órgão dava habilidade aos jovens atiradores para assegurar mais refeições.
Naquela Vila, não há dinheiro. A moeda de troca é o suor do trabalho. Ali, como no passado de um Brasil escravocrata, há “senhores da terra”. E não se trata apenas de uma definição hierárquica. O poder dos donos das fazendas é o de ser dono do lugar e das pessoas.
Eles mandam e o resto trabalha em troca de moradia e de comida. Para os vassalos do século 21, sobram os restos dos animais que matam para a mesa farta do patrão. A criatividade da carência transforma vísceras em buchada, coisa que o paladar de Sávio nunca apreciou. Em época de abundância, trocam a galinha que um cria pela verdura que outro planta. E assim vão vivendo. Sem comércio, sem dinheiro, sem direitos trabalhistas.
Não conhecem vida diferente, porém. Sávio, hoje com 21 anos, conta que assistiu à televisão pela primeira vez com 11 anos, na casa de uma vizinha sortuda que reunia todos os moradores da vila para ver aquela rotina tão diferente, que outros levavam a poucos quilômetros. Estava acostumado a dormir em rede em uma casa de teto de palha, sem paredes. Quando descobriu o banheiro pela primeira vez, aos 14 anos, descobriu que privacidade, portas e divisórias são verdadeiros privilégios que ele desconhecia.
Aprendeu a ler quase sozinho. Quando dava, ia para a sala de aula improvisada, onde as crianças de várias idades aprendiam as mesmas lições, sentadas no chão. O mesmo rapaz que hoje fala espanhol, francês e está concluindo a faculdade.
Sávio deixou Anhuma e os seus naquela sorte há cinco anos. A vida mudou pouco por lá, mas, ao menos, a avó dele agora é também uma senhora dona da terra em que vive. Ele veio para Brasília com um parente com a promessa de estudar. Cumpriu o combinado.
Quem o vê sempre bem-vestido não imagina que algumas roupas que ele usa são criações próprias, resultado dos estudos de moda. Quem nota seu estilo moderno sequer imagina que uma década atrás ele andava meio nu ou com roupas usadas que mandavam da capital do país.
O, hoje, designer de moda não conta sua história com lamento. Até gosta da excentricidade do destino que teve. Mais ainda da cara de espanto e das perguntas de curiosidade que desperta nos outros. Se orgulha das origens e tanto mais do que conquistou. Mas ele quer mais. O menino da cidade com nome de pássaro está ganhado asas maiores para decolar mais alto: “Sei onde quero chegar!”
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