Companheiros de viagem

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Não conheci Mr.Paul. Talvez também tivesse me afeiçoado a esse típico americano, professor de física avançada, que acolheu a pretensiosa estudante brasileira. A menina, que mal falava inglês, queria aprender os difíceis cálculos, já bem complicados na sua língua materna.

O encontro entre mestre e aprendiz aconteceu duas décadas antes do dia da despedida. Mr. Paul repassava com a minha amiga o conteúdo dado, todos os dias, depois da aula. E ela aprendeu muito desde então. Não só a solucionar os mistérios da física, como o valor de uma amizade.

Foi assim até que ela voltou para o país onde nasceu. Os dois mantiveram muitos anos de contato por cartas, em uma época em que e-mail era facilidade que começava a chegar. A menina estrangeira, que foi fazer intercâmbio em Michigan, se casou, teve filhos. Mr. Paul envelheceu e se aposentou. Com a esposa, veio ao Brasil visitar a ex-aluna. Um dia chegou a notícia de que ele começaria uma luta, de desfecho imprevisível, contra o câncer.

Foi quando minha amiga ouviu seu coração. Ela estava de férias na Flórida com a família e decidiu: deixou o bebê recém-nascido com o pai e os avós, tomou um avião sozinha, enfrentou um voo de três horas para passar menos de 24 com o velho mestre, já muito doente. Quando ele foi levá-la de volta ao aeroporto, disse que não poderiam se despedir demoradamente, pela dificuldade de estacionar por ali.

O recado estava dado. Ambos sabiam que era a última vez em que se veriam, e o longo adeus poderia antecipar a dor da eterna despedida. Ele morreu meses depois, e quase uma década já se passou desde aquele dia.

A anunciada partida de Mr. Paul me fez pensar que, de fato, nunca sabemos se aquele abraço dado em quem amamos será o último. Se haverá nova chance de um outro beijo. E quanta gente se esquece disso e acha que “depois a gente se vê”, “deixa rolar”, “quando der certo”.

Há tempos, acredito que acaso tem mais a ver com interesse do que com sorte. Dia desses, fui convidada por uns amigos para ir a uma chácara, a 50km de Brasília, no fim do dia de um domingo. Eu, que, de tão perdida espacialmente não consigo nem compreender os comandos de um GPS, fui pedir para me explicarem como chegar a meu destino.

Pela distância, perguntaram-me se valia a pena mesmo ir. Então, eu me dei conta de que, com tanto relacionamento mantido virtualmente, dá mesmo preguiça perder uns minutos dirigindo para usufruir a companhia real de alguém.

Não conseguia compreender como uma pessoa poderia se importar com quanto eu gastaria de gasolina para aquele encontro, “só mesmo se valesse a pena”, houve quem dissesse. Como poderia não valer a pena estar com quem a gente gosta? Aliás, só isso tem importância nessa veloz viagem chamada vida.

Sorte da minha amiga que não fez contas, as mesmas que aprendeu com o professor americano, para avaliar se deveria, ou não, pagar por uma passagem aérea para visitá-lo. Sorte dela não ter calculado que as horas de viagem, e de espera no aeroporto, seriam mais longas do que as últimas da vida que desfrutaria ao lado dele.

Lamento que há quem troque o prazer do contato físico e do calor do toque por alguns míseros reais na conta ou por alguns episódios de Netflix. Prefiro pensar como diz a letra da música Trem bala, de Ana Vilela: “A vida é trem bala, parceiro. E a gente é só passageiro prestes a partir.” Assim, embarque em avião, vá de trem ou de carro, não importa. Só lembre-se de estar sempre muito bem acompanhado.

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