A dor e a delícia de comer

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Se toda vez que eu pensasse em comida também perdesse calorias, estaria absurdamente magra. Não diria longilínea porque minha estatura pouco avantajada não me permite tamanho atrevimento. Mas estaria seca. Concluí que a vida gira em torno da mesa. E isso é um sofrimento, porque chega uma idade em que lhe é tirado o direito de desfrutar livremente dos sabores. Engana-se, porém, se você acha que a dieta restritiva aliviará a fome dos seus pensamentos, desista. Ao contrário: seu cérebro se tornará ainda mais gordo, ao pensar nas delícias proibidas.

Digo isso porque voltei ao processo de reeducação alimentar. A regra é comer menos e melhor. Mas é só pensar em cortar a comida que já sinto mais desejo de provar doces, massas, pães… Desde que abro os olhos pela manhã, já começo a pensar no que devo comer. E pior: sou obrigada a refletir sobre aquilo que não poderei nem chegar perto. É que nasci com uma estranha habilidade de engordar só de visualizar um prato calórico.

E o martírio segue ao definir o que vai ser do almoço, o que vou comer no jantar. Tudo fica ainda mais complicado porque cozinhar para mim é um desafio tão grande quanto pilotar um avião. Sou daquelas sem talento, sem paciência e sem um pingo de vontade de aprender. Daquelas que deixa queimar comida congelada ou estourar ovo cozido.

Que delícia seria poder comer tudo indiscriminadamente, sem tentar encaixar a entrada, o prato principal e a sobremesa na pirâmide alimentar. Até porque, em regra, tudo que é delicioso está na base, ou seja, na lista daqueles itens tão maléficos quanto desejados.

Sem falar que, na tentativa de esquecer a vontade de comer um docinho no meio da tarde, você acaba pensando ainda mais em tudo adocicado. E aumenta a ansiedade e a vontade de domar o descontrole em uma barra de chocolate. Que cansativo é sossegar o cérebro e a barriga. Para acalmar a tensão, graças à existência da barra com 70% de cacau. Diante da restrição, ela se torna deliciosa como um pedaço de chocolate suíço.

Dia desses, fui apresentada a um bolo que poderia ser comido por quem está de dieta. Todos os ingredientes eram sem açúcar, livres de gordura e feitos com xilitol, um adoçante natural encontrado nas fibras vegetais, incluindo milho, framboesa, ameixa. O leite condensado da cobertura não era de lata, mas preparado com leite de arroz. O resto dos ingredientes fazia parte de uma lista de substituições que resultaram no bolo de churros no pote mais delicioso que já comi na minha vida.

Apesar de enjoativo, devorei tudo em segundos, como quem tenta sair de uma crise de abstinência. Duvidei, intimamente, que algo tão delicioso não inflasse minhas células adiposas, mas acreditei por sobrevivência. Resolvi não questionar para não alarmar meu metabolismo. A vida sem açúcar é, obviamente, amarga demais. Dá mau humor, tremedeira, irritação. Pelo menos acontece comigo. Por isso, tem dias que me entrego ao melado dos alimentos. Acalma a alma e a revolta do meu organismo.

Mas manter a saúde e a forma física é determinação. Tarefa que faço aborrecida, mas me alegram os resultados. Há quatro anos não subia em uma bicicleta de spinning e entendi o porquê assim que voltei, recentemente, para a aula. Dói. Tudo. As pernas parecem que vão ser rasgadas. A impressão é que o coração — por sorte, sem nenhuma placa de gordura que o reprima — parece solto no peito. Ele sobe do peito e vai direto para a garganta. Certeza. Chego a escutar as batidas do meu, ainda que a música naquela sala seja capaz de estourar os tímpanos. Tudo é frenético: a respiração, o comando do professor, o ritmo do som e sua vontade de sumir dali.

Aí você resiste e insiste. Não há escolhas para quem deseja ficar feliz com o corpo e estar em paz com os exames médicos. O caminho é árduo e tem briga com o universo. Maldigo aquele que nos deu tamanho castigo: o de transformar em gordura as coisas mais saborosas ao paladar. Isso, certamente, é mais cruel do que ser expulso do Paraíso.

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