O Blog da Igualdade está de volta!
São pouco mais de cinco anos desde o primeiro lançamento deste espaço, no Correio Braziliense (Correioweb), para a apresentação e a divulgação de ações, ativismo e políticas públicas, bem como ideias e pesquisas, que visam o debate (interseccional) de gênero. A igualdade de direitos e a não-violência contra as mulheres e as diversidades.
Com a mudança de formato e a transferência dos blogs do Correioweb para esta plataforma multimídia, novas possibilidades são agregadas. Ao mesmo tempo, muitos arquivos antigos foram perdidos, o que causa tristeza. Tentaremos resgatar, aos poucos, o melhor do que foi publicado durante mais de quatro anos. Nesse tempo, o Blog da Igualdade realizou um belo ciclo de batalhas, com vitórias e derrotas.
Neste retorno, retomo pequenos passos dados, no âmbito da imprensa brasileira, pela conscientização sociopolítica e cultural dos graves problemas nacionais em relação às desigualdades e violências múltiplas impostas às diversidades – ou às chamadas “minorias” (qualitativas e não quantitativas).
É paradoxal que as mulheres, sendo maioria da população mundial (e brasileira), e comprovadamente capazes de exercer qualquer profissão com expertise, ainda em nossa contemporaneidade sejam consideradas o “Outro”. Ou seja, são inseridas no conceito de “subalternidade” ou de uma “subalteridade”, como ando a matutar em minhas pesquisas.
No Brasil, as mulheres e toda a gama de gênero informada nas pessoas LGBTQI (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros/transexuais/travestis, queer ou “questionando”, e intersexuais) são incluídas em um conceito linguístico patriarcal machista, que de forma alguma as representa.
A título de exemplo, a mídia corporativa nacional ainda hoje refere-se aos seres humanos, às pessoas, como “os homens”, ou sempre com o artigo masculino, em total assujeitamento (ou ocultação) de ativos sujeitos sociais, como as mulheres e as pessoas LGBTQI. Tal fato traduz o tamanho do descaso, ou do machismo, que impregna esta sociedade.
Assim como são destratadas as diversas raças/etnias que colorem o cenário populacional mundial, especialmente o brasileiro, mas que não se enquadram no estereótipo eurocêntrico secular – formado a partir do início da Idade Média – do que seria o “ser uno” ou transcendente: o homem branco, anglo-saxônico/ariano, de religião cristã (protestante, no Norte europeu). O cidadão WASP, na sigla em inglês. Este padrão conforma, ainda, a heteronormatividade e a juventude em seu auge.
Em poucas palavras, a imensa maioria dos seres humanos estaria condenada à condição subalterna: mulheres, orientais, afro(descendentes), latinas, LGBTI ou não. Jovens ou não. Entretanto, nós “Outros” decidimos, desde sempre, que somos parte da humanidade.
Temos essa veia filosófica, ao menos em alguns momentos de inspirados insights em nossas vidas, que questiona, luta, esbraveja e marca posição, até o ponto que nos vejam e nos reconheçam como seres humanos, com direitos iguais. E também deveres. O fundamental: tratarmos todos e todas com justiça e equidade. Sobretudo, amorosamente.
Isso para atenuar a distorção forjada em nossas mentes eurocêntricas, e que, há pouco tempo, um famoso executivo da indústria cinematográfica dos Estados Unidos bem resumiu: “O que os grandes públicos das produções audiovisuais – da indústria do entretenimento – querem ver são belos homens brancos, de 30 anos, bem-sucedidos e que morem em coberturas de Manhattan!”.
Há cinco anos, no lançamento do Blog da Igualdade, escrevi um longo artigo onde ficava comprovada, por estatísticas e estudos profundos, a necessidade de a sociedade brasileira ser reeducada e rever seus conceitos arcaicos, vitorianos, sobre a escravidão, as diversidades étnicas, a homofobia (ou LGBTfobia), e o machismo misógino que fere, estupra, coage, mata, destrói famílias inteiras. Assassina, espanca, estupra e/ou torna socialmente incapazes mulheres, crianças e pessoas fora dos padrões WASP. Ou seja, pessoas negras, indígenas, LGBTI, idosas, mulheres…
Hoje, o quadro está ainda pior. Entre 2016 e este 2017, todas as estatísticas sobre as violências, as fobias e os preconceitos nacionais se deterioraram. As razões são bem óbvias: acabaram, ou são hoje pífios, os investimentos na área social ou em órgãos públicos que trabalham em prol das diversidades, em defesa dos direitos humanos, civis e políticos de cidadãs e cidadãos.
Foram extintas secretarias com status de ministérios, como a da Igualdade Racial, ou a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Foram abandonados, sem recursos, um sem número de projetos que beneficiam e acolhem as vitimas de múltiplas violências.
O país, que ainda dava seus primeiros passos democráticos, deu uma guinada perigosa à (extrema) direita e sucumbe à corrupção, principalmente, em seus valores e princípios básicos em relação à vida e ao bem-estar cidadão. Caminha a passos largos para a barbárie de um crescente neo-nazifascismo. No Século 21, o Brasil parece retroceder ao pior do colonialismo despudorado, corrupto e, sem falsa romantização, a uma mentalidade patriarcal puritana que mata e escraviza grande parte de sua população historicamente fragilizada – afro-descendentes, indígenas, mulheres e LGBTs.
Isso apesar de suas leis, como a Maria da Penha ou os estatutos da Criança e do Adolescente, dos povos tradicionais ou o das pessoas idosas. Ou das leis que tipificam como crimes o racismo, as ofensas morais e físicas contra as diversidades étnicas. Por que? Ora, pois. Quando as autoridades máximas dos Três Poderes dão péssimos exemplos de corrupção moral (ou de fato), o que se pode esperar do resto da população? Quem precisa seguir as leis? Se o próprio Estado Democrático de Direito foi estilhaçado em pedaços, o que fica para a sociedade?
A brutalidade de um patriarcado machista e misógino aflora ainda mais nesses tempos de sombras e malfeitos à meia-luz. Os feminicídios explodem não apenas em quantidade, mas também em requintes de crueldade. De acordo com o Mapa da Violência de 2016, são 13 a 14 assassinatos diários de mulheres no país, por (ex) companheiros – a maioria, ou por um homem da família. Ou seja, uma mulher é morta a cada 1h15min, no Brasil, apenas por ser mulher.
Em comparação com o resto do mundo, o Brasil ocupa o 5ª lugar na violência contra as mulheres; o primeiro lugar absoluto em assassinatos e ataques contra pessoas LGBTI; e é o que mais mata ou violenta pessoas negras (principalmente a população jovem e masculina) e as populações tradicionais, como indígenas e quilombolas. Também aumentou a violência contra idosas/os e crianças e adolescentes.
Apenas nesta última semana, ocorreram dois casos emblemáticos que mostram como a sociedade brasileira está doente: um feminicídio brutal contra Mayara Amaral, violonista pós-graduada e professora, de apenas 27 anos, nascida em Campo Grande (MS), e a divulgação de estatísticas aterradoras sobre o índice de estupro de crianças (pedofilia) nas escolas do Rio de Janeiro.
No caso de Mayara, o namorado, por quem ela estava apaixonada, marcou um encontro em um motel de Campo Grande. Ela foi. Apareceu no dia seguinte em um matagal com o corpo carbonizado e várias marteladas na cabeça. Dois suspeitos foram presos pelo cruel assassinato: o namorado, também músico, de 29 anos, Luiz Alberto Barros, e Ronaldo Olmedo, de 33, com passagens por tráfico e roubo, segundo a polícia. Um terceiro homem, Anderson Pereira, 31, também com passagens por tráfico e roubo, foi preso por colaborar com a ocultação do cadáver.
O pior de tudo é o machismo da própria polícia local, ao classificar o crime como latrocínio (roubo seguido de morte), sendo que a vítima não tinha nada de valor especial. Um violão, um celular e um velho automóvel Gol de 1992. Há indícios de que ela foi violentada pelos criminosos. Mas, seus advogados insistem na tese de que eles estavam sob efeito de drogas e que o sexo grupal foi “consentido”. Isso para livrar os feminicidas, justamente, da Lei Maria da Penha, que tornaria o crime hediondo e inafiançável.
No caso da pedofilia no Rio de Janeiro, foi revelado que há, em média, um caso de estupro em escolas do Estado a cada cinco dias. Desde o início de 2016 a abril deste ano, 89 casos foram registrados em unidades de ensino, como mostra um levantamento feito pelo jornal carioca Extra, com base em microdados do Instituto de Segurança Pública (ISP), obtidos via Lei de Acesso à Informação. Os dados do ISP não discriminam se o crime ocorre em escola municipal, estadual, particular ou mesmo em um estabelecimento de ensino superior.
Das 82 vítimas com data de nascimento identificada, porém, 74 eram menores de idade na época do crime, e 50 tinham 10 anos ou menos. Levando-se em consideração os locais onde os crimes ocorrem, casos de abusos sexuais em escolas superam os registros em estabelecimentos comerciais, em prédios públicos e meios de transporte. Das vítimas de estupro em unidades de ensino, 55 tinham menos de 12 anos. Ao todo, 64 eram meninas, ou 85 %. A violência atinge também bebês de até 3 anos.
É por tudo isso que a Anistia Internacional lançou, no último dia 31, uma campanha em defesa dos direitos humanos no Brasil. De acordo com a organização humanitária, há um pacote de mudanças em tramitação no Congresso Nacional que pode reduzir ainda mais a proteção jurídica de grupos vulneráveis. A AI cita o exemplo de projetos que pretendem impor a proibição total ao aborto, mesmo nos casos permitidos, como estupro, a eliminação do ensino da educação sexual nas escolas e a flexibilização do porte de armas.
A diretora executiva da Anistia, Jurema Werneck, enfatiza que a crise política está sendo usada como “cortina de fumaça para que retrocessos ocorram, sem a mobilização da sociedade”. A campanha, “Os Direitos não se Liquidam”, também se posiciona contra a alteração na Lei de Maioridade Penal e contra mudanças nas regras de demarcação e titulação de terras indígenas e quilombolas.
Conversei sobre esses temas com a filósofa, professora e escritora Márcia Tiburi e publico a entrevista aqui no Blog, em post separado. Nele, debatemos o (neo)fascismo, os feminismos, problemas de gênero, a cultura e os rumos das mulheres feministas no fazer político da sociedade brasileira.
2 thoughts on “Fazer Gênero é difícil. No Brasil, é guerra”
Espaço positivo e bem escrito. Obrigada
Valeu, obrigada! 🙂