RodrigoMinasBrasilia1 Patricy Albuquerque/Minas Brasília

Técnico do Minas Brasília conta do seu papel no clube conduzido por mulheres

Publicado em Futebol

Rodrigo Campos tinha como objetivo ser técnico de futebol. Formado em educação física e com outros cursos na área, sonhou trilhar a carreira na modalidade masculina. A primeira experiência foi por meio de um intercâmbio em um clube da terceira divisão da Arábia Saudita, onde foi auxiliar técnico do time profissional e treinador da categoria sub-15. De volta ao Brasil, ele passou por Ceilandense, Legião, Capital e teve uma experiência fora do Distrito Federal no time sub-17 masculino da Ferroviária (SP). O convite mais importante da trajetória profissional, porém, foi do futebol feminino. 

Técnico do Minas Brasília desde março, Rodrigo tem a missão de fazer com que o time da capital federal permaneça na elite da modalidade nacional pelo segundo ano consecutivo. Em quatro jogos no Brasileiro feminino, o treinador registra uma vitória contra a Ponte Preta, por 7 x 0; uma derrota para o São Paulo, 2 x 0; e dois empates, diante do Audax, 0 x 0, e do Palmeiras, 1 x 1. O próximo compromisso é contra o líder Santos, neste domingo (13/9), às 19h, na Arena Barueri, em São Paulo. O time está no zona de rebaixamento, em 13º lugar. 

O primeiro teste de fogo de Rodrigo Campos não foi dentro de campo. Aos 29 anos, ele assumiu o Minas Brasília dias antes da paralisação do torneio nacional por causa da pandemia de covid-19. Ao Elas no Ataque, o técnico conta como recebeu a notícia de ter 10 jogadoras que testaram positivo para o coronavírus antes de um mesmo jogo, comenta sobre as condições de trabalho no futebol feminino e como enxerga o papel dele em um clube conduzido por duas presidentes mulheres, as irmãs Nayeri e Nayara Albuquerque. Leia abaixo. 

 

Na volta do Brasileirão, o Minas teve 10 jogadoras que testaram positivo para covid-19 e, depois, mais três. Como lidam com isso? 

Quando retornamos após a quarentena, sabíamos que essa situação podia acontecer, não apenas conosco, mas com todos os clubes. Temos que trabalhar alternativas, até por questão de lesões. Desde que cheguei ao Minas Brasília, a principal força que percebi foi o coletivo. Temos atletas preparadas para substituir as outras. O resultado (positivo para covid-19) próximo da partida prejudica o planejamento, mas as jogadoras sabem as ideias de jogo, aspectos físicos, técnicos.

Como está sendo trabalhar em meio a protocolos sanitários para evitar o contágio? 

Nós trabalhamos em um ambiente aberto. Dentro do campo, tem garrafinhas individuais para cada atleta. As jogadoras higinizam-se antes de entrar no campo, são testadas semanalmente, mantêm-se isoladas fora do clube para termos contato só entre nós. Sabemos que estamos em um ambiente que deve ser mais seguro do que em ônibus, metrô, mercado ou lugares em que as pessoas frequentam e não são testadas.


Qual é a sua avaliação sobre o retorno do futebol no Brasil? 

Nós sabemos que, enquanto não sair a vacina, o risco permanece, mas não sabemos quando sairá a vacina. Dentro do clube, tudo o que ele poderia proporcionar para a nossa segurança e para nos tranquilizar foi feito. E nos jogos também há uma estrutura gigantesca para que as coisas deem certo. Sinto-me muito seguro.

A quarentena ajudou o Minas de alguma forma, já que você tinha acabado de assumir o time?

Assumi o MinasBrasília após a quarta rodada. Tivemos 10 dias de treino e foi o meu primeiro jogo. Depois disso, teve a paralisação da competição e começamos o isolamento. Em condições normais, não seria possível ter tanto tempo para conhecer as atletas e para que elas pudessem me conhecer melhor, também. No aspecto competitivo, foi fundamental. Após o retorno, nós tivemos seis semanas de treino para desenvolver conteúdos que só seriam possíveis em uma pré-temporada, porque, quando eu assumi o time, a previsão era de ter partidas no meio de semana e no fim de semana. Com o adiamento, tive muito mais tempo para desenvolver conteúdos.

O quanto a pandemia tem afetado o futebol feminino, principalmente times independentes do masculino, como é o caso do Minas Brasília?  

Entrei na modalidade, em março, no melhor cenário possível, de ascensão da modalidade, mais patrocinadores, televisão transmitindo os jogos, internet passando, também. Isso tudo potencializa o esporte. Falando do Minas, continuamos caminhando para a frente. É um time totalmente feminino, ou seja, não tem uma equipe masculina também. Isso nos ajuda a não ter de dividir o foco ou o recurso. O futebol feminino continua em ascensão, considero caminho sem volta.No ano passado,aCopa do Mundo Feminina teve visibilidade gigante. Neste ano, tivemos um novo patrocinador máster no Campeonato Brasileiro: o Guaraná Antártica. Tudo isso faz com que a modalidade caminhe para a frente. O cenário segue positivo.

“O clube abrir espaço para profissionais mulheres as fortalece para estarem em condições iguais às dos homens no desenvolvimento do trabalho. Daqui para frente, considero que teremos mulheres no futebol masculino”

As conquistas recentes do futebol feminino colaboraram para enfrentar a pandemia? 

A manutenção do Campeonato Brasileiro A1 e A2 reafirma isso. Talvez, em um outro momento, cancelassem a competição, não dessem continuidade. Por isso, considero importante esse retorno do futebol. E o protocolo é realizado da mesma forma que no masculino, em relação a teste e a segurança dos campos, o que é muito importante. Essa estruturação que foi desenvolvida ao longo desses anos permanecerá e evoluirá.

Há poucos anos, era difícil conseguir informações sobre equipes e jogadoras adversárias nas competições nacionais do futebol feminino. Como está hoje?

Eu tenho três formas de acesso às informações. Uma é assistindo aos jogos. Outra é por meio de um aplicativo, que a competição disponibiliza para os clubes e que eu tenho todo acesso, tanto em relação a dados individuais das atletas quanto a dados coletivos de qualquer equipe. E a terceira forma é a análise dos nossos próprios analistas. Nós temos dois analistas de desempenho. Na preleção próximo aos jogos, as atletas assistem a conteúdos coletivos da outra equipe, como informações ofensivas, defensivas, jogadas de bola parada e recortes individuais. Temos tudo o que precisamos. É muito importante que a gente tenha uma forma de jogo, independentemente do adversário. Temos consolidado isso.

O técnico Rodrigo Campos, ao lado da auxiliar Nadima Skeff | Patricy Albuquerque/ Minas Brasília

Minas é quem tem mais mulheres somando o time e a comissão técnica. Qual é a importância dessa representatividade? 

É fundamental que tenhamos bons profissionais, independentemente do gênero. Hoje, o clube consegue fazer a integração de profissionais homens e mulheres — eu sou o treinador e tenho muitas mulheres na comissão técnica —, mas, o essencial é que todos tenham potencial de trabalhar em um clube de primeira divisão, e é o que acontece. Fico muito feliz de ter mulheres no nosso ambiente de trabalho, mas não só no futebol feminino. Elas são capazes de trabalhar no futebol masculino, também. São profissionais do futebol e estão lá pela qualidade e potencial que têm, não somente por serem mulheres. Mas, o clube abrir espaço para profissionais mulheres as fortalece para estarem em condições iguais às dos homens no desenvolvimento do trabalho. Daqui para frente, considero que teremos mulheres no futebol masculino com espaço para desenvolver trabalhos.

“O Minas Brasília ter duas presidentes mulheres que buscam o desenvolvimento da modalidade. É fundamental e tem uma representatividade gigantesca para o nosso clube e todos do futebol feminino”

Qual a sua trajetória como treinador? 

Comecei como atleta. Joguei em Brasília desde criança até o sub-20, mas não via tanta projeção na minha carreira como atleta. Então, fiz faculdade de educação física para ser treinador de futebol. Iniciei em escolas de futebol, fiz estágios em clubes até ter a oportunidade de ser treinador em uma equipe competitiva. A minha primeira oportunidade foi na Arábia Saudita, em um clube da terceira divisão chamado Al Kholood. Fui como auxiliar na categoria profissional e como treinador no sub-15. De volta ao Brasil, trabalhei no Ceilandense, no Legião,noCapital e na Ferroviária (SP). Neste ano, trabalhei como auxiliar-técnico do Ceilandense nas duas primeiras rodadas do Candangão até comandar o Minas Brasília. Fiz as licenças da CBF: tenho a licença A, mas pretendo integrar a turma da licença pró, em dezembro. Tenho 29 anos. Trabalho, há 10, com futebol.

Você teve uma passagem pela Ferroviária, onde conheceu a Tatiele. Como essa experiência o impactou? 

Participei de um processo seletivo para trabalhar na base da Ferroviária. Passei e integrei a comissão técnica da categoria sub-17. É um ambiente diferente do que eu tinha vivenciado até o momento, porque é um clube formador pela CBF. Tem uma estrutura muito boa na categoria de base, profissionais extremamente capacitados, o que potencializava a troca, não apenas com a Tatiele. Eu tive pouco contato com ela, mas foi de muito aprendizado e de troca de informações. Lá, é tudo integrado: profissional do feminino, do masculino, da categoria de base do masculino, da base do feminino. Facilita a troca de informações.

De que forma analisa o trabalho realizado pela atual campeã? 

Não somente a Ferroviária, mas acredito que todos os clubes de São Paulo, seja no masculino ou no feminino, são exemplos para o restante do país. A Ferroviária é um ambiente muito sério, em que investem e valorizam muito os profissionais. É uma das principais referência da modalidade no Brasil. Fazendo um comparativo com o Minas, vejo como estamos trilhando um bom caminho e como somos grandes no futebol feminino no Brasil. Tudo o que eu via na Ferroviária também vejo no Minas Brasília.

Você não deslumbrava carreira no futebol feminino antes do Minas. O que conhecia desse ambiente e o que teve de aprender de novo? 

No primeiro momento, busquei conquistar espaço no masculino, mas quando recebi a proposta do Minas, por conhecer o clube e estar disputando competição de alto nível, considerei um grande desafio na minha carreira e não poderia negar essa oportunidade. A única diferença é biológica, a velocidade do jogo e a força das atletas mudam em relação ao masculino, mas nada que atrapalhe o desenvolvimento do trabalho. Não tive dificuldade. As atletas são receptíveis e inteligentes. Foi leve e tranquilo. A adaptação depende mais das características das atletas. Também vivenciei isso no masculino.

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