Bicampeã olímpica, Paula Pequeno conta como foi a mudança do vôlei de quadra para a praia

Publicado em Vôlei

Bicampeã olímpica nas quadras de vôlei dos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012, Paula Pequeno não largou a bola nem deixou as cortadas e os bloqueios. Porém, mudou de terreno. Em março, a brasiliense que se tornou uma das principais ponteiras do vôlei mundial estreou na areia com a também ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei Mari, em Aracaju. Com os adventos da pandemia de covid-19, as duas se separaram. Aos 38 anos, Paula Pequeno formou nova dupla com Taiana Lima para realizar o objetivo de se tornar uma grande jogadora também no vôlei de praia. 

A estreia da dupla foi na etapa de abertura do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, no último fim de semana, em Saquarema (RJ), sem a presença de público e uma série de protocolos sanitários para evitar o contágio do novo coronavírus. Ao Elas no Ataque, Paula Pequeno conta como ocorreu a transição da quadra para a areia, fala sobre o desafio e a autonomia de gerir uma carreira sem o suporte de um clube por trás e comenta a polêmica envolvendo a crítica feita por Carol Solberg ao presidente da República, Jair Bolsonaro, e a forma como a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV ) repreendeu a jogadora após a manifestação no primeiro torneio da temporada 2020/2021.

Como foi a decisão de sair da quadra para jogar vôlei de praia? 

Eu tinha acabado de sair do reality show Power Couple (da TV Record). Eu estava confinada justamente na época de contratação e negociação dos clubes de vôlei. Quando eu saí, os times estavam fechados e eu não tinha nada muito atraente fora do país. Eu cheguei na minha varanda e, conversando com Deus, sem saber para onde ir, pedi para me mostrar o que fazer, para onde eu deveria ir. No outro dia, a Mari me ligou com o convite para treinar vôlei de praia. Foi algo muito intenso, muito interno.

Eu cheguei na minha varanda e, conversando com Deus, sem saber para onde ir, pedi para me mostrar o que fazer, para onde eu deveria ir. No outro dia, a Mari me ligou com o convite para treinar vôlei de praia. Foi algo muito intenso, muito interno

Paula Pequeno, bicampeã olímpica na quadra e atual jogadora de vôlei de praia


Como foi a experiência na nova modalidade ao lado da Mari?

Quando a gente começou a treinar, foi muito bacana, até porque as duas tiveram uma carreira muito bem-sucedida na quadra e era um desafio que as duas estavam, de uma maneira ou de outra, agarrando. Mas, ao mesmo tempo, a minha sensação na estreia, em Aracaju, foi de que a gente tinha pouco tempo para aprender esse esporte e precisaria realmente procurar alguém mais experiente para encurtar um pouco o caminho de aprendizado.Tínhamos acabado de estrear, conversamos sobre isso na época, mas resolvemos continuar e nos comprometemos a fazer a mais para encurtar o aprendizado

Por que terminou a parceria com a Mari?

Quando veio a pandemia, eu continuei firme e forte nos treinamentos. Mesmo quando ela não podia estar, eu sempre estava, pelo menos cuidando do físico, em contato com a areia, porque estávamos em uma fase, inclusive, de aprender a andar na areia. Acabou que, no meio da pandemia, conversamos porque perdemos mais esse tempo da quarentena e decidimos que seria melhor tentarmos encontrar alguém da praia para tentar encurtar esse processo.

Paula Pequeno participou da conquista do primeiro ouro olímpico do Brasil no vôlei de quadra feminino
Paula Pequeno participou da conquista do primeiro ouro olímpico do Brasil no vôlei de quadra feminino: Jogos de Pequim-2008 | AFP

O que te motivou a formar uma nova dupla com a Taiana?

O delicioso de tudo é que eu fui escolhida por ela. E eu aceitei na hora. Quando as coisas começaram a liberar um pouquinho por causa da pandemia, a primeira coisa que fiz foi ir para Brasília. Passei 10 dias na cidade treinando com a Ângela Lavalle em busca dessa evolução e foi ótimo. Quando voltei para São Paulo, me programei para ir ao Rio de Janeiro, pois já tinha conversado com a Fê Berti antes. Foi quando ela disse que, por motivos pessoais, não jogaria neste ano e que a Taiana Lima já sabia que eu tinha intenções de treinar e que me receberia muito bem. Eu fiquei muito feliz e fui embora.

Quais as principais adaptações físicas e técnicas da quadra para a areia?

As mudanças são bem grandes. O vôlei de quadra é bem mais anaeróbico, precisa estar com a musculatura muito forte para aguentar a intensidade dos treinos e o impacto com o chão duro. Na areia, tem de estar ágil e leve. Eu sempre tive a alimentação bem regrada, mas tive de fazer mais modificações. Tem muita ênfase em descanso, em trabalho de propriocepção por causa da irregularidade da areia, e o trabalho de resistência física, que eu detesto, mas não tem jeito. Eu preciso dele.

E no jogo propriamente, o que mais muda?

O jogo do vôlei de praia exige muito da parte física e mental, porque o jogo é muito rápido, cada ponto é um mistério e pode começar a ventar muito ou chover de uma hora para outra. Tem de saber lidar com os efeitos da natureza, que nos desafia a cada momento

A gestão da carreira de jogadora também é bastante diferente entre a quadra e a praia…

Financeiramente, por enquanto, a gente investe mesmo. Até que consiga um patrocínio legal, é preciso investimento, mesmo, e eu estava disposta a fazer. Depois começa a colher frutos e as próprias premiações vão compondo essa parte financeira. Gerir isso não é fácil. Eu sempre joguei em time grande e, no vôlei de quadra, a gente simplesmente chega para treinar e vai embora com tudo pronto. O clube é o responsável por toda a logística, o salário é em dia. O fato de, na areia, a gente ter de fazer toda essa logística, correr atrás de patrocínio e cuidar dessa parte burocrática, é algo mais trabalhoso. Por outro lado, temos muito mais autonomia para tomar decisões, escolher os torneios a competir, assim como nossa própria comissão. Tem prós e contras dos dois lados.

Como avalia a retomada das competições do vôlei de praia no Brasil?

O torneio foi impecável. Eles fizeram de uma maneira muito organizada e tudo funcionou. A gente percebia que, realmente, estava em segurança, com todo mundo monitorado e com os exames feitos. Nos deu segurança para fazer o campeonato tranquilamente. É um privilégio, em meio a um momento tão delicado, fazer o que a gente gosta. O fato de a CBV promover um evento desse porte e de forma segura foi um momento fantástico. 

Na abertura do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, a Carol Solberg disse “Fora Bolsonaro” em entrevista ao vivo pela televisão e foi repreendida pela CBV. Como enxerga essa polêmica?

Eu respeito a opinião de todo mundo em relação a vários assuntos. Eu nunca fui uma jogadora polêmica, então, de antemão, ela fez algo que eu não faria nunca, principalmente, porque eu nem entendo o suficiente de política para falar sobre isso. Mas, independentemente de a pessoa ter conhecimento e propriedade no que está falando, era um momento muito especial do nosso esporte. Era para ser marcado pelo recomeço, pela disposição dos atletas e que demonstra a nossa resiliência. De modo geral, não foi o lugar nem o momento adequado para se manifestar. Mas, quanto à opinião dela, não faço julgamento.

Você continua acompanhando as notícias em torno do vôlei de quadra, da Superliga?

Pior que não. Estou off-line das quadras. Não tenho acompanhado muito.

 E no vôlei de praia, o que esperar das duplas Ágatha/Duda e Ana Patrícia/ Rebecca nos Jogos Olímpicos de Tóquio?

São duplas com muito potencial e em um ano especial, que está sendo marcado pelo adiamento das Olimpíadas. Em outros momentos de guerra, as Olimpíadas simplesmente foram canceladas. Então, os atletas têm de dar um valor maior ainda, por terem a oportunidade de competir porque realmente é um momento mágico. Mas, as Olimpíadas são um ciclo, não é apenas um ano. Normalmente, depois de cada ciclo, os deuses do esporte avaliam tudo. Quem estiver mais focado, trabalhar mais forte, mais intensamente e se dedicar mais, levará a melhor.

De forma geral, como acredita que a pandemia vai refletir no esporte? Acredito que os torcedores devem estar loucos para voltar ao ginásio e ao estádio. Quando tiver tudo liberado, a torcida fará seu papel mais do que nunca. Neste momento, nós, atletas de todas as modalidades, sofremos muito, porque o país está sendo muito atingido economicamente pela pandemia. Mas, enquanto atletas, nós trabalhos muito essa qualidade da resiliência, de começar mais uma vez. Somos treinados a vida inteira para saber recomeçar, seja em uma lesão, uma contusão qualquer, um afastamento. Agora, não será diferente. Vamos sair mais fortes. Gostaria muito de que os atletas jovens dessem muito valor ao esporte, porque ele salva vidas e é um grande aliado da nossa sociedade.

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