Entrevista com Jane Karla, brasileira de olho na 4ª Paralimpíada dela aos 44 anos

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Jane Karla começou no esporte apenas aos 28 anos. Mas disputou duas Paralimpíadas no tênis de mesa e, aos 44, se prepara para a segunda participação paralímpica dela no tiro com arco nos Jogos de Tóquio-2020. Veja entrevista completa:

Você é o principal nome do tiro com arco na sua classe para disputar os Jogos Paralímpicos de Tóquio. O que te deixa mais ansiosa para a sua quarta participação nas Paralimpíadas?

Por enquanto o frio é maior porque a vaga não é minha. A gente continua na expectativa e fica nessa apreensão. É um sonho que estamos buscando. Disputar uma Paralimpíada é lindo, é incrível, é um sonho que todo atleta tem. Lá na hora, a emoção realmente vem, é um sentimento especial em cada edição. É o resultado do trabalho depois de quatro anos. Vou ficar muito feliz de representar o país novamente. A emoção de garantir a vaga paralímpica para o Brasil no Mundial do tiro com arco, em junho do ano passado, foi muito bacana, mas agora estou aguardando a convocação.
PS: A vaga para as Paralimpíadas no tiro com arco pertence ao país e não ao atleta. Por isso Jane Karla precisa aguardar a convocação, mesmo tendo sido ela quem conquistou a vaga paralímpica para o Brasil.

Você quebrou o recorde mundial indoor pela terceira vez em janeiro, no Torneio de Nimes, na França. Como está sendo a sua preparação para manter os bons resultados até Tóquio?

Os resultados que vêm acontecendo mostraram que estamos no caminho certo. Eu não tenho tanto tempo no tiro com arco, vou completar cinco anos. Para mim, toda experiência é válida, até por isso eu tento participar de tudo. Porque é um esporte de precisão, qualquer detalhe vale. Resolvi participar das etapas indolor. Foram as minhas primeiras competições internacionais indoor e três recordes mundiais, a última na França, fechando essa participação. Dá mais vontade ainda de melhorar.

Mas as suas próximas competições e as próprias Paralimpíadas são outdoor, ou seja ao ar livre. A preparação muda muito?

Nas competições indoor, se trabalha muito a técnica, porque no outdoor tem muita variação. Acaba que continua sendo o tiro. A distância indolor é diferente, muda a mira, mas são só detalhes. A técnica e tudo mais é feita igual ao outdoor, ou melhor.

Inglaterra e Estados Unidos prometem fazer uma boa disputa com você representando o Brasil nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. A torcida brasileira pode esperar emoção nessa briga por medalhas?

Pelo ranking mundial dá para perceber que está tudo emboladinho, os detalhes mesmo que vão fazer a diferença. Ainda mais outdoor, porque tem de estar aberto para tudo, pode chover, pode estar muito quente. É muita variação que acontece, até uma nuvem pequena às vezes muda a mira, pode bater um vento bem na hora do tiro. Tem todo esse fator climático que pode fazer a diferença nos momentos difíceis.

Enquanto você conheceu o esporte paralímpico apenas aos 28 anos, sua filha Lethícia Lacerda já estava inserida no esporte e em meio à uma família de atletas. Qual o peso disso para que a Letícia quisesse seguir no esporte em que você começou?

Quando eu tive a poliomielite, cresci indo para a escola sem participar da educação física. Diferente do incentivo que se tem agora. Na minha época, eu ficava na sala fazendo um trabalho e cresci achando que esporte não era para mim. Só depois de adulta, casada, com filhos que me associei a um clube que começou a incentivar os esportes paralímpicos. Aí fui conhecer para ver se dava para fazer alguma coisa. Experimentei alguns esportes e quando conheci o tênis de mesa foi amor à primeira raquetada. Me acordou para o esporte. A Lethícia já cresceu no esporte e foi ter a deficiência na adolescência. Para pessoas com uma vida sem deficiência que passam a tê-la, o esporte paralímpico dá uma nova vida, dá outra perspectiva. No caso da Lethícia, eu fico feliz de ela estar vivendo comigo e de ter podido passar por tudo isso bem.

Você e sua filha são atletas paralímpicas, mas a Lethícia só começou a perder parte dos movimentos na adolescência. Como foi lidar com as primeiras manifestações da doença dela?

Foi muito difícil, porque ela já participava do tênis de mesa olímpico. Com cinco anos, ela já batia bolinha, cresceu vendo aquilo. Com 7 anos, participou do primeiro campeonato e disputava várias competições. Na adolescência, foi descoberto que ela tem uma inflamação nas juntas, no quadril. Foi muito triste. Ela ficou afastada por um ano. Quando a doença começou, ela passou um tempo na cadeira de rodas porque sentia muita dor. Mas depois, como ela já via o meu desenvolvimento no paralímpico, ela viu que o mundo não acabou para a gente por ter deficiência.

Como é a troca entre você e sua filha na carreira dentro do esporte?

A gente se fala o tempo todo e o coração fica que fica, além de mãe, á vontade é de estar lá jogando por ela. Ela me pergunta sobre alguma atleta que era da minha época e ainda joga. Eu tento passar o que eu me lembro e, na parte psicológica, dou o meu apoio, a minha força. Ela fala das coisas que sente e são muito parecidas com o que eu sentia. Então conversamos sobre o que eu fazia para melhorar a ansiedade.

Além da mãe atleta, a Lethícia conta com o padrasto treinador Joachim Gogel. Como é essa relação dentro de uma família envolta ao esporte paralímpico?

Nos conhecemos por meio do esporte quando fui com a Seleção Brasileira treinar na Alemanha com um técnico que agora é meu esposo. Depois de um ano que nos conhecemos, ele foi para o Brasil e nos casamos. O Joachim entende muito do tênis de mesa. A equipe brasileira foi se preparar com ele para as Paralimpíadas de Pequim, em 2008. Ele me ajudou muito quando eu tive o câncer e retornei ao alto nível com a ajuda dele. Fizemos um intensivão e, mesmo com pouco tempo de preparação, ainda consegui me classificar para as Paralimpíadas de Londres-2012. Hoje, ele é o técnico da Lethícia, que também participa das competições de Portugal. Ele dá treino em um clube de Portugal, onde ela também treina e que tem competições toda semana.

Entenda o tiro com arco paralímpico

As regras do tiro com arco paralímpico são as mesmas do olímpico. O objetivo é acertar as flechas o mais perto possível do centro do alvo, que fica colocado a uma distância de 70m e tem 1,22m de diâmetro. No Round Classificatório, todos os arqueiros atiram 72 flechas e a soma dos pontos determina os classificados para o Round Eliminatório, disputado por eliminatórias simples até as finais. A modalidade paralímpica é disputada por pessoas com amputações, paraplégicos e tetraplégicos, paralisia cerebral, atrofia muscular, escleroses e múltiplas deficiências, classificadas em diferentes classes de acordo com a capacidades do atleta de ficar em pé e/ou de locomoção nos braços e tronco.

Maíra Nunes

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