Monkeypox: infectologista da SES-DF defende revisão de hábitos para contenção de casos

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À queima-roupa

Entrevista com Lívia Vanessa Ribeiro, médica infectologista do Hospital de Base e referência técnica distrital em infectologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF)

Por Jéssica Eufrásio, para a coluna Eixo Capital

Como podemos avaliar a situação do DF hoje, em que há 102 casos confirmados de varíola dos macacos? Vivemos um surto?
É um surto, porque o surto é um aumento de casos fora do esperado. Não tínhamos registros, e esse surgimento, com a elevação de casos, é um surto. Temos de analisar todo esse contexto, tanto do país quanto mundial, para verificar qual será a nomenclatura. A OMS (Organização Mundial de Saúde) não declarou como pandemia, mas isso não deixa de ser uma emergência em saúde pública, porque os casos estão em franca ascensão.

O que a Secretaria de Saúde tem feito para evitar o avanço da doença?
Desde que começamos a observar o aumento de casos fora do país, principalmente depois da detecção em São Paulo, onde foi registrado o primeiro, começamos a elaborar, junto a outras áreas técnicas da Diretoria de Vigilância Epidemiológica, uma nota técnica para orientação dos profissionais em relação a possíveis casos. Descrevemos o vírus, o modo de transmissão, o período de incubação, as apresentações clínicas possíveis da doença conhecidas até o momento, além de algumas questões relacionadas ao manejo clínico e às orientações ao indivíduo — fluxo de atendimento na rede (pública de saúde) e isolamento domiciliar. Depois desse período, elaboramos um plano de contingência, que está no site da Secretaria de Saúde, com orientações um pouco mais amplas. À medida que surgem novos casos, no Brasil e no mundo, também avançamos na descrição e nos (estudos de) dados da literatura, como as formas de apresentação clínica. Isso favorece nossas orientações em relação ao manejo. Temos feito, com a Ascom (assessoria de comunicação da pasta), recomendações gerais à população em relação ao quadro clínico, quando suspeitar, quando procurar o serviço de saúde. E, também, sobre a prevenção, para quem está infectado, com lesões e que transmite a doença, orientando quanto ao período de isolamento adequado. Para as pessoas que não contraíram a doença, (orientamos) sobre os possíveis meios de transmissão.

O vírus monkeypox é mais transmissível que o da covid-19?
Ele é menos transmissível. Apesar de também ter transmissão respiratória, (o monkeypox) não se transmite por aerossóis. Ele pode ser transmitido por gotículas, mas temos observado que há um Rt (relativo à taxa de transmissão), em todos os locais com casos registrados, bem mais baixo que o do Sars-CoV-2 (vírus causador da covid-19).

Qual a diferença entre as gotículas e os aerossóis?
Gotículas são aquelas partículas da saliva eliminadas ao falar, conversar, tossir. Elas podem alcançar 1,5 metro ou, no máximo, 2 metros. E o aerossol é uma partícula menor, que pode ser emitida, principalmente, quando a pessoa tem quadro de tosse ou faz algum procedimento que chamamos de “aerossolisante” (que leva à emissão de aerossóis). É uma partícula menos pesada e menor; por isso, o vírus fica no ar do ambiente por um tempo mais elevado.

Como são as recomendações em relação ao tempo de isolamento dos pacientes?
O tempo de isolamento recomendado é enquanto a pessoa apresentar lesões de pele. Isso acompanha muito a evolução da doença. Em geral, os sintomas iniciam com uma fase febril, um quadro clássico. A pessoa tem uma febre que dura, no máximo, cinco dias, e que pode acompanhar sintomas inespecíficos, como dor de cabeça, nas costas, muscular e aumento de gânglios. Após três dias, ainda com a febre, é que começa a segunda fase, a das erupções cutâneas: lesões que conferem maior transmissibilidade (da doença). Enquanto houver algum tipo de lesão, o indivíduo tem de ficar isolado. Quando há poucas, elas podem desaparecer entre 10 e 14 dias. Mas, em casos de pacientes com mais, é preciso um afastamento em torno de três ou quatro semanas, a depender da evolução das lesões cutâneas. Elas começam como máculas, como se fossem manchas; depois, viram uma pápula, um carocinho; em seguida, uma vesícula, como se fossem uma bolha; elas podem se tornar uma pústula, que é quando infectam; e, quando estouram, geram uma ferida, que acaba coberta por uma crosta. Até a cicatrização total e desaparecimento dessa crosta, a pessoa deve ficar isolada. Mesmo sendo uma doença que não produz tantos casos graves — temos quantidades de hospitalizações e óbitos muito menores do que as da covid-19 —, a monkeypox gera impacto social, econômico e uma estigmatização grande, pela aparência e pela necessidade de afastamento do indivíduo das atividades.

Qual parte do combate ao avanço dos casos cabe ao poder público e qual parte cabe à população?
Ao poder público, cabe a questão, principalmente, da divulgação do meio de transmissão, do quadro clínico e do impacto que essa doença pode gerar para cada indivíduo. É muito interessante que a população esteja atenta às maneiras de transmissão: por gotículas respiratórias, pelo contato direto com lesões cutâneas, com mucosas e com fluidos corporais, o que inclui a transmissão pelo beijo e sexual. Temos registros de estudos notando a detecção do vírus monkeypox no sêmen. Então, é preciso que as pessoas entendam que, por ser uma doença transmissível por essas vias, o momento não pede aglomerações, principalmente em ambientes fechados. É importante estar atento ao uso de máscaras faciais em ambientes fechados e com aglomeração; tentar manter esses locais arejados; higienizar as mãos e superfícies tocadas por muitas pessoas… E, quando falamos de locais com aglomeração, não pensamos só em eventos, mas no transporte público, nas salas de aula, nos locais de trabalho. Tudo isso de conscientização, de preparação dos serviços e de capacitação dos trabalhadores de saúde cabe ao poder público. Algo importante foi o avanço em relação ao diagnóstico. Quando o Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal) passa a processar esses exames localmente, o resultado (divulgado de modo) mais célere ajuda muito na detecção da doença, para saber o tempo que o indivíduo ficará isolado, e (na identificação de) outras que estejam acontecendo concomitantemente. Ou até doenças que tenham quadro clínico semelhante. Em relação aos indivíduos, é (necessário) se apropriar de (informações sobre) todos esses meios de transmissão, as apresentações clínicas e saber que, se houver lesão cutânea suspeita ou dúvida, deve-se procurar uma unidade de saúde, além de usar máscara e (vestir) roupas que cubram as lesões. Se estiver infectado, com suspeita ou confirmação da doença, é preciso se manter isolado para proteger as pessoas. Esse sentimento de coletividade tem de ser bem aflorado. Vimos que ele falhou em momentos da (pandemia da) covid-19, por parte de algumas pessoas. Mas é preciso pensar que, apesar de (a varíola dos macacos) ser uma doença que não tem alta letalidade nem altos índices de hospitalização, ela tem complicações. Principalmente para pessoas imunossuprimidas, crianças ou aqueles com dificuldades de acesso aos serviços de saúde.

Que atitudes adotadas na pandemia da covid-19 devem ser mantidas neste momento?
Em relação à covid-19, à monkeypox, a outros vírus de transmissão respiratória e micro-organismos, vale muito o que chamamos de gestão de risco individual. Ainda que tenhamos muitas questões que dependam do poder público, é interessante à população estar bem informada do que pode fazer e de como pode se prevenir. Ainda que as máscaras não sejam mais obrigatórias, é interessante avaliar a gestão de risco. Se vai entrar no transporte público com aglomeração, é recomendável usar máscara, higienizar as mãos e superfícies com álcool a 70% ou com outro produto adequado. Tentar, quando possível, manter um distanciamento mínimo entre as pessoas, nas escolas, nos escritórios, nas corporações. Tentar evitar eventos com aglomeração. E uma questão importante é a consciência do indivíduo. (A monkeypox) é uma doença com lesão visível. Se eu tenho uma, inclusive não visível, devo ter consciência de que preciso me isolar, apesar de todo o prejuízo que isso possa causar, para evitar que o vírus se propague e que chegue às populações de risco, a quem pode desenvolver formas graves (da doença). Ainda que a monkeypox tenha uma taxa de letalidade muito baixa, ela (a chance de morte) existe. Ainda que as hospitalizações sejam poucas, elas existem. É preciso haver essa tomada de consciência coletiva. Muitos dos hábitos (de agora) são semelhantes (aos do início da pandemia de covid-19): uso de máscaras em locais fechados ou com aglomeração, limpeza das superfícies, lavagem frequente das mãos e distanciamento, quando possível. E (é importante) avaliar a questão da exposição sexual, principalmente quem não tem parceria fixa: tentar diminuir o número de parceiros e estar atento, neste momento, a uma possível restrição de contatos. Sabemos que esse tipo de exigência é muito difícil de se fazer, porque cada indivíduo tem autonomia, mas entendemos que, ao menos por um período, é interessante se resguardar, pois trata-se de uma doença que também pode ser transmitida pela atividade sexual, tanto pelo contato pele a pele quanto por fluidos.

Ana Maria Campos

Editora de política do Distrito Federal e titular da coluna Eixo Capital no Correio Braziliense.

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