O Flamengo reinava na Libertadores. Perdeu a majestade para o atual bicampeão Palmeiras. Era hegemônico no Campeonato Brasileiro. Passou o escudo ao Atlético-MG. Imperava na Supercopa do Brasil. O Galo tirou-lhe do trono nos pênaltis, por 8 x 7, depois de um belíssimo empate por 2 x 2 no tempo normal neste domingo, na Arena Pantanal, em Cuiabá, e quatro chances desperdiçadas pelo time rubro-negro de matar o jogo nos tiros de 11 metros. Resta apenas uma soberania daquelas construídas a partir do ano da graça de 2019.
O Flamengo busca o tetracampeonato no Carioca, mas tem a dinastia ameaçada pelo Fluminense. O tricolor vem batendo na trave desde 2020 nas finais, porém, parece mais forte neste ano. É a maior ameaça a um arquirrival em acelerado processo de reconstrução, mas que entrou numa vibe de colecionar vices. É o terceiro em quatro meses: Brasileiro, Libertadores e Supercopa.
Independentemente do resultado deste domingo, o Atlético já entrou em campo como supercampeão brasileiro. Afinal, é o proprietário das taças do Brasileirão e da Copa do Brasil. Agora, também, da Supercopa. Por quê? Por uma questão simples. Antonio Mohamed herdou de Cuca um time organizado e mexeu pouco nele. Enquanto o Flamengo fazia uma força danada para colocar em prática os conceitos de Paulo Sousa, a engrenagem do Galo funcionava naturalmente. O português recebeu de Renato Gaúcho um castelo arruinado e junta os cacos. Mesmo assim, competiu e mostrou evolução no campo das ideias.
Apesar das dificuldades, o Flamengo conseguiu fazer dois belos gols. O lançamento em profundidade do Filipe Luís para Arrascaeta é um espetáculo. O uruguaio cruzou a bola, Bruno Henrique finalizou, Everson defendeu parcialmente e Gabigol estufou a rede. Mérito da visão de jogo do versátil Filipe Luís. Aos 36 anos, ele é ótimo como lateral-esquerdo, zagueiro e articulador pelo meio. Algumas vezes no papel de lateral invertido. Muito inteligente.
O segundo gol teve a influência de Paulo Sousa. Trocou Everton Ribeiro por Lázaro e viu o menino deixar Bruno Henrique na cara do gol no primeiro toque na bola. O veterano zagueiro uruguaio Godín se atrapalhou na passada, mas isso não tira a plasticidade do lance letal.
Mas, do outro lado, o Atlético também atingiu outro patamar. O Galo aproveitou a chance que teve, quando o Flamengo era melhor. Vacilo de Hugo Souza, sim. O goleiro rebateu a bola para a frente e Nacho Fernández não perdoou. O goleiro rubro-negro repetiu lance semelhante na etapa final e quase comprometeu novamente. Mas o erro do primeiro gol não foi somente dele. Bruno Henrique ou Arrascaeta deveriam ter acompanhado Nacho — e não fizeram.
O lance do gol de empate do Galo, quando perdia por 2 x 1, explora a falta de ajustes dos novos conceitos de Paulo Sousa. Ademir teve espaço e tempo demais para cruzar. A zaga estava mal posicionada na recomposição e o desfecho do cruzamento cai nas costas de Rodinei e do desatento Fabrício Bruno. Mal marcador —não é novidade — ele não nota a movimentação de Vargas por trás e o chileno escora para Hulk encher o pé. Um lance com a assinatura do velho Galo de Cuca.
Antonio Mohamed mexeu pouco no legado, mas tem problemas a solucionar. Um deles, o posicionamento, a saída de bola e a compactação da defesa sem Junior Alonso. Nathan Silva mostrou-se inseguro ao lado do uruguaio Godín. O Turco também precisa explorar melhor o potencial de Nacho Fernández. O argentino ainda não parece confortável, como em 2021.
Pode isso, Arnaldo?
- Conversei depois da partida com Arnaldo Cezar Coelho sobre o lance mais polêmico da Supercopa do Brasil: a intervenção de Nathan Silva com a mão na bola na disputa com Bruno Henrique, aos 13 minutos do primeiro tempo. Na visão do juiz da final da Copa do Mundo de 1982, era lance para cartão amarelo. Na opinião do Arnaldo, o lance foi distante da área e havia chance de cobertura. Chamou a atenção dele o fato de um árbitro Fifa ter deixado o lance passar batido, e a falta de comunicação com assistentes e juiz reserva.
Um dos méritos de Paulo Sousa neste início de trabalho é tirar figurões da zona de conforto. Há mais movimentação no meio, no ataque, mas, também, erros graves na zaga e do próprio português nas decisões tomadas no decorrer da partida.
O Flamengo não venceu no tempo normal porque Paulo Sousa atraiu o Galo em busca de contra-ataque, e o elenco do adversário é tão bom como o dele. Para mim, o português mexeu mal. Ao trocar Bruno Henrique por Diego Ribas, perdeu velocidade e presença na área. Talvez, Marinho e Pedro fossem as melhores opções naquele momento da partida.
Entre erros como a escalação do goleiro Hugo Souza, e acertos como a escalação de João Gomes, vale ressaltar a coragem de Paulo Sousa ao encerrar a partida com quatro crias do Ninho: Hugo Souza, João Gomes, Lázaro e Matheuzinho. Agradou a quem clama por mais chances aos meninos da base. Para outros, colocou fardo nas costas de quem não deveria. Hugo Souza e Matheuzinho, por exemplo, erraram cobranças.
Decisão por pênaltis é aquela fábrica de heróis e vilões. O Flamengo tinha mais candidatos a errar do que o Atlético. Diego Ribas carrega nas costas a falha na final da Copa do Brasil de 2017. Willian Arão, o erro nas oitavas de final da Libertadores em 2020 contra o Racing. Vitinho, desperdícios diante do Athletico-PR e do São Paulo. Ele até acertou uma cobrança, mas errou a defendida por Everson, que brindou Galo com o título inédito. Questiona-se por que Gabigol não agiu como Hulk e assumiu a responsabilidade. Paulo Sousa alega que cobraria quem estivesse mais confiante. Diego alega que Vitinho assumiu a missão.
Os goleiros Hugo Souza e Everson são capítulos à parte. A carreira do jovem goleiro rubro-negro é, desde a estreia numa fria contra o Palmeiras no Allianz Parque, em 2020, uma linha fina entre ser herói e vilão. Falhou e fez milagres no tempo normal. Pegou dois pênaltis e errou o que poderia ter garantido o título, quando todos os homens de linha tinham batido. Mandou a bola nos ares, como o marrento Everson havia feito ao reivindicar o papel de protagonista.
Por falar no Everson, é um ótimo goleiro. Inclusive lembrado por Tite na Seleção. Mas, para mim, foi mais marrento do que corajoso ao pedir a bola e mandar a cobrança do Galo nos ares.
A excelente partida, em Cuiabá, deixa algumas perguntas no ar. Por que Paulo Sousa abriu mão de Andreas Pereira? A missão do jogador experimentado na Europa, mas que não parece bem da cabeça desde a falha contra o Palmeiras na final da Libertadores, foi muito bem cumprida por João Gomes. E Otávio? Qual é a explicação para Antonio Mohamed não utilizar o ótimo reforço emprestado pelo Bordeaux em uma partida desse nível técnico?
Aguardemos as cenas dos próximos capítulos na Cidade do Galo e no Ninho do Urubu.
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