Não sou da turma avessa a jogos em São Januário. Numa boa, acho legítimo o desejo do Vasco jogar na casa própria. Vou usar um argumento que pode parecer simplista, mas vamos lá. O Santos não recebe clássicos paulistas — e até final de Copa do Brasil e jogo da Libertadores — na Vila Belmiro, com capacidade para 16 mil pessoas? Corinthians, Palmeiras e São Paulo não vão jogar lá? Por que o Vasco não pode receber Botafogo, Flamengo ou Fluminense em um estádio para 19.990? O Corinthians, que tem a segunda maior torcida do país e é lembrada pela invasão ao Maracanã não comemorou o último hexa no Campeonato Brasileiro em São Januário? Mesmo que acanhadinha no mesmo cantinho destinado amanhã aos rubro-negros.
“Ah, mas você não tem noção do que é um Vasco x Flamengo em São Januário”, argumentarão alguns leitores deste blog“. Para esses ou essas, eu respondo: tenho, sim.
Eu cobri o último Clássico dos Milhões em São Januário. Trabalhava, à época, no caderno de esportes do Jornal de Brasília. Lá fui eu para a assustadora aventura com apenas dois anos de formado. Foi uma baita experiência. Chance de crescimento profissional para um foca. O medo começou na porta do hotel em que fiquei hospedado, na Glória, bem pertinho da rádio Globo. Pedi um táxi e a sensação de insegurança começou no “boa tarde” ao motorista. Quando eu disse para onde era a viagem, ele olhou bem no meu crachá e apresentou o cartão de visita…
“O senhor tem certeza que vai com essa mochila e esse taptop lá pra São Januário?”
Respondi que sim, que não tinha jeito, que era o meu trabalho e blábláblábláblá…
No caminho, fui escutando histórias macabras de conhecidos do taxista que haviam perdido a vida em estádios de futebol. A sensação de insegurança foi crescendo cada vez que o tradicional táxi amarelinho se aproximava do lendário estádio de São Januário. Era minha primeira vez no pedaço. Pensei que o taxista ia me deixar bem pertinho da colina histórica. Só que não!
Com aquele sotaque carioca, o taxista dispara: “Estamos passando pertinho da barreira do Vaisssco, o senhor tome muito cuidado que aqui é barra pesada”. Em seguida, surpreende: “Amigo, nossa viagem termina por aqui. Daqui pra frente eu não levo o senhor, não”. Esbugalhei os olhos, senti um frio na barriga, pensei rápido e perguntei… “Como assim?”.
“O senhor não tem noção de como ficam as ruas próximas ao Maracanã em dia de Flamengo x Vasco. Imagina aqui em São Januário. Olha aí como é que tá”, disse, apontando com um toco de cigarro para a movimentação de carros polícia militar nas redondezas de São Januário.
Paguei a viagem e segui caminhando uns 10 minutos até o portão de acesso à imprensa. No caminho, rojões, helicópteros sobrevoando São Januário, gritos impublicáveis de guerra das torcidas uniformizadas dos dois clubes, clima de tensão no ar e, ufa, eu finalmente estava na direção certa, o portão que de acesso à tribuna de imprensa de São Januário. O Vasco venceu por 2 x 1. Escrevi a crônica do jogo, fiz o pós-jogo, mandei as matérias do clássico para a redação, em Brasília, e voltei bem menos tenso para o hotel na Glória.
Muitas vezes, a contra-propaganda que se faz antes de qualquer jogo assusta, intimida, leva o torcedor a pensar mil vezes antes de comprar o ingresso para ir ao estádio com ou sem a família para ver qualquer jogo. Fui a São Januário naquele dia porque tinha uma missão profissional de cobrir Vasco x Flamengo.
Vou ser muito sincero. Se eu fosse torcedor, provavelmente teria fraquejado, dado meia volta e visto ou ouvido o jogo do quarto do conforto do quarto do hotel. Da mesma forma, se eu estivesse neste fim de semana no Rio de Janeiro, não compraria ingresso para ir com a família a São Januário acompanhar o clássico. Como diz a minha esposa, a rainha Elisabete, “não, mesmo”.
Mas a questão não é São Januário. Se fosse, estava fácil de resolver. A questão é a índole de algumas pessoas travestidas de torcedores. Seja do Flamengo, do Vasco, de A, B, C ou Z. Infelizmente, o futebol, o espetáculo, a viabilidade de o Vasco mandar um clássico na casa própria perde por goleada de quem não vai ao estádio para sofrer e vibrar pelo time do coração, para se emocionar ou sofrer com os jogadores do time, mas para comprar briga. Para dar as costas ao gramado e passar o pré-jogo, os 90 minutos do jogo e o pós-jogo caçando confusão com o torcedor adversário. É pra essa gente que não apenas São Januário, mas os estádios do país inteiro estão perdendo a credibilidade de quem só quer saber de futebol.
Torço, sinceramente, para que a paz reine amanhã em São Januário. Mas, assim como o Vasco — repito — tem todo o direito de receber o Flamengo na casa própria, eu e qualquer torcedor do Rio de Janeiro, do país ou do mundo tem o direito de ficar com um pé atrás, igualzinho aquele taxista que, há 10 anos, me levou ao estádio histórico para simplesmente mais um dia de trabalho. Foi tenso naquele dia. Vai ser amanhã. Mas que termine bem.
Se o Vasco tem onde jogar enquanto o Maracanã e o Engenhão estão cedidos aos comitês Olímpico Internacional e ao Organizador dos Jogos do Rio-2016, que o Vasco jogue em sua casa própria. E que Botafogo, Flamengo e Fluminense cortem o cordão umbilical com a prefeitura, com o governo, e realizem o sonho da casa própria. Afinal, os centenários clubes estão velinhos demais para viverem como inquilinos. Basta dar uma espiadinha na outra ponta do eixo. Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo tê seus estádios. E cada um manda jogo no seu.