Rivais na semifinal da Libertadores, Flamengo e Grêmio já foram primos ricos bancados pelo mesmo mecenas numa época em que o desequilíbrio técnico e financeiro não era tão grande entre os dois clubes. Na virada do século, os dois times caíram no conto da falida multinacional suíça de marketing esportivo International Sports Leisure — a ISL. Ambos assinaram contratos longos, foram às compras, montaram elencos fortes, ganharam alguns títulos e se desiludiram. Sufocada por problemas financeiros, a firma faliu e se queimou na CPI do Futebol.
O Flamengo assinou contrato com a ISL por 15 anos. O acordo desmoronou em 15 meses. O texto previa investimento de US$ 80 milhões no departamento de futebol. De uma hora para outra, desembarcaram na Gávea reforços como o zagueiro Gamarra, os meias Alex e Petkovic e os atacantes Edílson e Denílson. Gilmar Rinaldi era o superintendente do clube. Havia acabado de dispensar Romário. Com grana na mão, pensava em “formar a melhor equipe do mundo”. Fez lembranças também. Chegaram, por exemplo, Catê e Mozart.
Durante a parceria, o Flamengo conquistou o Campeonato Carioca em 2000 e em 2001. Em meio ao divórcio, conquistou a extinta Copa dos Campeões, que reunia os vencedores dos torneios regionais na disputa por uma vaga para a Copa Libertadores da América. Dos US$ 80 milhões, o clube teria recebido US$ 62,5 milhões.
No rompimento do contrato, o Flamengo chegou a propor acordo amigável à ISL. A firma ficaria com 50% dos direitos do lateral Athirson para saldar as dívidas das compras do zagueiro Gamarra e do atacante Edílson, estimadas à época em US$ 2,1 milhões.
A mesma ISL fechou com o Grêmio por 15 anos. Prometeu investimento de US$ 30 milhões no departamento de futebol. Com os cofres abastecidos pela parceira, a diretoria do clube gaúcho também fez a festa no shopping da bola. Virou o ano de 1999 para 2000 gastando por conta.
À época, contratou o zagueiro Marinho, tirou o técnico Émerson Leão do arquirrival Internacional, arrancou Zinho e Paulo Nunes do Palmeiras e buscou reforços no exterior. Importou o centroavante argentino Gabriel Amato da Escócia; o volante Astrada, que na época era o recordista de títulos com a camisa do River Plate. As aquisições ficaram a cargo do diretor-executivo de futebol Dênis Abrahão, indicado pela multinacional suíça.
“A ISL perdeu muito dinheiro aqui no Brasil”
Eric Lovey, representante do Canal Plus no país durante a era ISL
Na virada de 2000 para 2001, a ISL começou a atrasar sistematicamente o repasse da verba. A cota de dezembro só foi paga em fevereiro. Apesar da turbulência, o Grêmio conseguiu ganhar o Campeonato Gaúcho e a Copa do Brasil em 2001 contra o forte Corinthians de Luxemburgo. Antes disso, perdeu Ronaldinho Gaúcho para o PSG numa polêmica transação comandada pelo suíço Eric Lovely, representante à época do canal francês Plus no Brasil, parceira da ISL.
Paralelamente aos divórcios com Flamengo e Grêmio, a ISL desmoronava no exterior. Romperam um gigantesco contrato com a ATP — Associação de Tenistas Profissionais — alegando prejuízo de US$ 40 milhões. Parceira também da Fifa e da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), alegava amargar um rombo de US$ 300 milhões. Em meio a badaladas demissões de executivos, interrompeu repasses aos clubes brasileiros a partir de dezembro de 2000, ou seja, um ano depois da assinatura dos contratos.
Paralelamente aos processos de divórcio, a ISL era investigada na CPI do Futebol, no Senado. Houve denúncia de evasão fiscal. Reportagem da Folha de S. Paulo revelou à época que foram depositados US$ 2 milhões nas Ilhas Virgens Britânicas para a compra de Petkovic pelo Flamengo. O presidente rubro-negro Edmundo dos Santos Silva sofreu impeachment.
O último sinal de falência foi a desistência de entrar no mercado paulista. A ISL havia assinado um protocolo de intenções com o Palmeiras, mas fechou o escritório em São Paulo.
A crise mundial causada pela ISL teve efeitos colaterais nas copas do Mundo de 2002 e 2006, sobre as quais tinha direito de exclusividade. A entidade máxima do futebol, comandada à época pelo suíço Joseph Blatter, teve que criar às pressas a própria agência de marketing.
Dezoito anos depois do vendaval causado pela ISL, o Flamengo segue pagando dívidas e reconquistou o respeito no mercado. Contratou Rafinha, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Gerson, Arrascaeta, Gabriel Barbosa, Bruno Henrique… O Grêmio não desfruta de tantos craques, mas a administração do clube é brilhante nos últimos anos. Renato Gaúcho recicla talentos e pode classificar o clube para a final da Libertadores pela segunda vez em três anos. Duas provas de que nem sempre a fórmula do sucesso nem sempre requer um parceiro endinheirado.
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