O Flamengo quis agigantar-se nos bastidores em 2020 ao posar de clube europeu em solo tupiniquim e apequenou-se dentro das quatro linhas. Queria abraçar o mundo e mal sabe se conseguirá agarrar o Brasileirão. A eliminação desta terça-feira nos pênaltis contra o Racing, no Maracanã, vai muito além da expulsão ingênua de Rodrigo Caio, da falha de Gustavo Henrique, dos gols perdidos por Vitinho e Bruno Henrique, quando o Flamengo tinha um jogador a mais, ou do pênalti desperdiçado por Willian Arão, que tristemente foi de herói no gol salvador de empata nos acréscimos do segundo tempo a vilão na cobrança defendida por Arias. Para mim, o melhor em campo. Exibição de gala do argentino naturalizado chileno.
A série de cinco títulos da era Jorge Jesus – Libertadores e Brasileirão em 2019; Supercopa do Brasil, Recopa Sul-Americana e Carioca em 2020 – deu asas a algumas “cobras” da diretoria. Algumas jogam soltas até demais na Esplanada dos Ministérios e no Governo do Distrito Federal. Outras passaram a se preocupar mais com o umbigo, e até mesmo com planos maquiavélicos do Palácio do Planalto, e menos com o clube.
Campanha dos campeões no ano seguinte ao título (na década)
O mandatário Rodolfo Landim, por exemplo, peitou o mundo pela volta do futebol no Brasil no auge da pandemia do novo coronavírus. Foi o porta-voz do presidente da República, Jair Bolsonaro, na tese de que a bola tinha que voltar a rolar. Trouxe até Alexandre Campello do Vasco para almoçar com Bolsonaro na capital do país. Alardeou que o protocolo do Flamengo era um sucesso, começou a treinar escondido no Ninho do Urubu e, no fim das contas, foi um dos primeiros clubes gigantes do país a ter o “rebanho” infectado pela covid-19.
Landim tramou com o Palácio do Planalto a polêmica Medida Provisória 984, a MP do Mandante. Por sinal, o texto caducou no Congresso Nacional. Deu tiro no pé ao transmitir jogos por streaming para brigar com os europeus Liverpool, Real Madrid e Barcelona em número de inscritos no YouTube, e até pagou mico na semifinal da Taça rio contra o Volta Redonda. Comprou briga com a velha parceira Globo e exibiu a final do Campeonato Carioca contra o Fluminense no SBT. Ao recusar-se a assinar com a Globo no Estadual, abriu mão da cota que certamente fará falta no fechamento do balanço deste ano. A menos que um político do DF feche a conta.
No vaivém de diretores a Brasília, o Flamengo convenceu o governador rubro-negro do Distrito Federal a abastecer os cofres do clube com dinheiro do banco estatal da capital – o Banco de Brasília (BRB). Fracassou na tentativa de liderar o movimento pela volta dos torcedores aos estádios. Peitou até a CBF no episódio em que os cartolas da Ferj, Rubens Lopes; e da CBF, Rogério Caboclo, bateram boca. Ameaçou não ceder mais jogadores à Seleção. Viu o vice de futebol Marcos Braz surfar na onda de 2019 e conquistar cadeira de vereador, no Rio.
A pose de clube europeu veio de fora para dentro das quatro linhas. Falava-se em ganhar tudo de novo. Voltar ao Mundial de Clubes foi pacto do elenco com Jorge Jesus. Não conhecem a história da Libertadores. O último bicampeão seguido do torneio foi o Boca Juniors nas edições de 2000 e 2001. Portanto, quem disse a Jesus e seus discípulos que seria fácil?
Perderam pênalti pelo Flamengo em 2020
Veio a pandemia. Uma dificuldade imensa de superar o combalido Fluminense na final do Carioca. A saída repentina de Jesus para o Benfica. Em uma diretoria convicta acertaria tudo novamente. Para parte dela, não havia treinador brasileiro capaz de assumir o Flamengo depois da saída de Jorge Jesus. Na excursão à Europa, escolheram entregar a prancheta ao aprendiz Domènec Torrent. Falar ao pé do ouvido de Pep Guardiola é uma coisa. Tomar decisões, outra. Acho até que o catalão só foi demitido porque a goleada do Atlético-MG foi na semana das eleições. Mantê-lo colocaria em risco o projeto pessoal de Marcos Braz nas eleições do Rio.
Veio Rogério Ceni em cima da hora com a missão de trocar rapidamente o chip de Dome pelo da era Jesus. Não é tão simples. Foi eliminado da Copa do Brasil pelo São Paulo. Nesta terça, deu adeus contra o Racing. O roteiro da eliminação estava escrito: empate por 1 x 1 não é vantagem para quem tem uma defesa pífia como a do Flamengo.
Forçar a decisão por pênalti era acreditar demais no acaso numa temporada em que cinco jogadores diferentes desperdiçaram cobranças: Gabriel Barbosa acertou a trave duas vezes contra o Botafogo no Carioca, Bruno Henrique, Pedro e Vitinho falharam contra o São Paulo e Arão virou vilão nesta terça. Somado a isso, a série de fracassos de Rogério Ceni em mata-matas. É freguês de Fernando Diniz, mas também do técnico argentino Beccacece. Fracassou na Sul-Americana 2017 pelo São Paulo contra o Defensa Y Justicia e agora com o Flamengo diante do Racing. Não venceu nenhum dos quatro duelos. Logo, pé no freio com essa história de que Ceni é o treinador brasileiro mais promissor do país.
Rogério Ceni tem parcela na eliminação. Errou ao tirar Arrascaeta e Everton Ribeiro. Foi contraditório ao escalar Rodrigo Caio desde o início e justificar que Pedro só entrou no segundo tempo porque teria condição de atuar por apenas 30 minutos. Acrescentemos a isso a obviedade de que os principais jogadores do Flamengo estão fora de forma: Diego Alves, Rodrigo Caio, Filipe Luís, Arrascaeta, Everton Ribeiro, Bruno Henrique, Pedro, Gabigol… E que pelo menos três contratações pedidas por Jesus são heranças malditas: Gustavo Henrique, Léo Pereira e Michael.
Até mesmo os meninos da base, que, de uma hora para outra, viraram soluções, tornaram-se problemas. Hugo Souza falhou contra o São Paulo. Lincoln perdeu moral naquele lance bizarro contra o Atlético-GO. Natan, que poderia ter jogado ao lado de Rodrigo Caio em vez de Gustavo Henrique, e Thuler foram expulsos na partida de ida contra o Racing.
O preço da altivez dentro e fora de campo será caro. A grana da cota de tevê do Carioca, as premiações da Copa do Brasil, da Libertadores e até mesmo do Mundial não são de jogar fora. Restam os 16 jogos da Séria A. Um deles com o carrasco São Paulo na última rodada.
O bicampeonato não é impossível. O clube conseguiu em 1982 e 1983. Mas é preciso injetar alta dose de humildade na diretoria e no elenco que esperava abraçar o mundo com o pé nas costas. A final da Libertadores será no Maracanã, em 23 de janeiro. Sem o Flamengo. Fracasso, sim.
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