Houve quem ironizasse a seguinte declaração do técnico Dorival Júnior depois da vitória contra o Cuiabá, no Rio, pelo Campeonato Brasileiro: “Vamos aproveitar todo o trabalho anterior do Paulo Sousa, vamos tentar dar sequência e usar o máximo possível do legado que ele tenha deixado”. Dorival é sério e competente. Não estava fazendo média. Sabe achar produtos recicláveis em terra arrasada. O colega europeu deixou, sim, legado. Era paciente com meninos das divisões de base. Acreditava no potencial. Por ironia do destino, dois deles – João Gomes e Lázaro – ajudaram o Flamengo a sair vivo do Mineirão na derrota por 2 x 1 no duelo de ida das oitavas de final da Copa do Brasil. Um terceiro elemento querido por Paulo Sousa também foi decisivo: Rodinei, autor do cruzamento letal.
O português investiu em pelo menos três meninos do Ninho do Urubu: o goleiro Hugo Souza, o volante João Gomes e o atacante Lázaro. Os últimos dois entraram em campo contra o Galo e foram decisivos para amenizar o prejuízo causado por uma noite inspiradíssima de Hulk. O ídolo do Galo fez um golaço de cobertura no primeiro tempo e deu assistência para Ademir mandar a bola de cabeça para a rede no lance do segundo. Hulk foi simplesmente o cara da partida. Auxiliar de Tite na Seleção, Cleber Xavier estava no Mineirão testemunhando in loco.
A classificação do Atlético parecia encaminhada, mas Dorival Júnior resolveu mexer no fundo do baú. Recorreu ao tal legado de Paulo Sousa. O lateral-direito Rodinei era o preferido do lusitano no início do trabalho. Lembram? Pressionado pela torcida, o português passou a escalar Matheuzinho. Pois o cruzamento para o gol foi de Rodinei. Ele encontrou do outro lado mais um pupilo de Paulo Sousa. Lázaro apresentava evolução sob a batuta do ex-comandante marcando gols, dando assistências e mostrando comprometimento para topar diferentes funções.
Um dos símbolos da Era Paulo Sousa, o volante João Gomes fez excelente partida. É ele quem recebe a bola de Thiago Maia e aciona Rodinei em profundidade no lance do gol do Flamengo. Aliás, o resultado seria outro se o Flamengo tivesse mais uns dois ou três João Gomes. Exalou vontade nos dois duelos com o Galo. Ele e Andreas Pereira tiveram a noite mais sóbria entre os rubro-negros. Comandaram um meio de campo carente da criatividade de Arrascaeta e Everton Ribeiro. Ambos em noite inofensiva, de jogadores comuns em uma partida que cobrava QI.
Por falar em complexidade, duelos de alto nível exigem propostas de jogo ousadas. Pela tevê, achei que Dorival Júnior apostou no velho WM. Numericamente, podemos considerar um 3-3-2-3. O técnico rubro-negro apostou em uma saída de bola a três com Rodrigo Caio, Willian Arão centralizado e Pablo na esquerda. Um detalhe chamava a atenção no meio de campo. Filipe Luís fazia muito mais o papel de construtor pelo meio do que a função de lateral-esquerdo.
De vez em quando aparecia alinhado a João Gomes e Andreas Pereira. Em outras, era um dos dois armadores ao lado de Everton Ribeiro, com Arrascaeta aberto na esquerda, Gabigol centralizado e Matheuzinho espetado na direita como se fosse ponta.
As variações aconteciam, mas faltava entrosamento. Daí a quantidade de erros de passe, o excesso de erros na tomada de decisão e o isolamento de Arrascaeta e Gabriel Barbosa. Ambos nada incomodaram. Gabigol, por sinal, não finalizou no dois duelos contra o Galo. Everton Ribeiro ao menos tentou colaborar. A lição é que o time precisa de um ponta veloz. Sem Bruno Henrique, Marinho ou Lázaro precisam entrar no time. Outra alternativa é Pedro na frente a fim de que Gabigol, Arrascaeta e Everton Ribeiro tenham referência entre os zagueiros.
Atual campeão da Copa do Brasil, o Atlético-MG não é sombra do que foi no ano passado. Ganhou duas vezes seguidas do Flamengo porque é mais organizado a essa altura da temporada e desfruta de um protagonista minimamente capaz de entregar, mesmo no sacrifício, o que se espera dele. Dos quatro gols do Galo, Hulk fez um e deu duas assistências. Gabigol, Arrascaeta e Everton Ribeiro deveriam fazer o mesmo na partida de volta, no Maracanã. Mais do que dizer que o Atlético “conhecerá o inferno”, é preciso trabalhar para jogar muita bola. Até porque, até lá, o Galo tem tempo para recuperar Keno, um peça importantíssima da companhia.
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