Treinadores brasileiros raramente mexem no time no primeiro tempo. Malucos beleza como Sebastian Beccacece são metamorfoses ambulantes. Desafiam o adversário o tempo inteiro com alguns truques táticos quase imperceptíveis. Um dos méritos de Renato Gaúcho e do auxiliar dele, Alexandre Mendes, o Gabeira, guarde esse nome, foi saber lidar com as armadilhas do discípulo de Jorge Sampaoli na goleada convincente por 4 x 1 sobre o Defensa y Justicia diante de 5.518 na volta do público ao Mané Garrincha.
A nova comissão técnica rubro-negra mostrou preparo para lidar com o terror dos técnicos do nosso país: a tal linha de cinco na defesa. “Onze” em cada 10 treinadores brasileiros reclamam horrores do 5-4-1 adotado pelo Defensa y Justicia no início do jogo. Bruno Henrique tratou de quebrar as linhas, e o gol cedinho do zagueiro Rodrigo Caio, aos oito minutos, depois da cobrança de escanteio de Everton Ribeiro, facilitou a proposta de jogo. Obrigou Beccacece a mexer peças no tabuleiro. A troca de Rodrigo Contreras por Nicolás Tripicho não foi aleatória.
Contreras é um canhoto que atua na ponta-direita com pouca mobilidade. Ocupa necessariamente o pedacinho de campo dele. Tripichio é lateral-direito de origem, mas entrou em campo para jogar solto. Matías Rodriguez seguiu no papel de lateral na linha de cinco.
Enquanto isso, Tripichio dava movimentação ao Defensa y Justicia. Alterou o time taticamente e começou a dar problemas ao Flamengo com a movimentação por mais de um setor do campo, e precisão no passe. Ao contrário de Contreras, Tripichio colaborou na criação de pelo menos dois lances embaraçosos entre o fim do primeiro tempo e o início do segundo.
Renato Gaúcho teve paciência para lidar com a lambança do goleiro Diego Alves no lance do gol de empate marcado pelo esperto Loaiza e precisão nas substituições a fim de explorar a ansiedade do Defensa y Justicia pelo segundo gol. Michael não entrou aberto na direita por acaso. Forçou os homens do lado esquerdo da retaguarda adversária a vigiá-lo em vez de apoiar. Foi a vez de o banco rubro-negro mostrar potencial para limpar jogos encardidos.
A corda esticou por um bom tempo no jogo, sobretudo porque uma virada do Defensa y Justicia classificaria o time argentino, mas o fio sempre esteve próximo de arrebentar do lado adversário. Michael acertou lindo chute no travessão e viu Arrascaeta, um dos melhor em campo, ter reflexo para meter a cabeça na bola, marcar o segundo e exorcizar velhos fantasmas das oitavas de final, como o próprio Beccacece, carrasco do Flamengo nas oitavas de final de 2020, no Maracanã, quando triunfou nos pênaltis e avançou às quartas de final.
Vitinho entrou muito bem no lugar de Bruno Henrique e marcou duas vezes. Matheuzinho oxigenou a lateral direita no lugar do cansado Isla e finalmente o Flamengo administrou a classificação com a autoridade de quem chega às quartas de final pela segunda vez em três temporadas. Para se ter uma ideia, o clube carioca figurou entre os oito apenas duas vezes neste século. A primeira na Era Adriano Imperador, em 2010, quando o time foi eliminado pela Universidad de Chile, em Santiago. Depois de uma coleção de vexames na fase de grupos ou nas oitavas, o time retornou às quartas em 2019 e marchou rumo à conquista do bi. Despachado pelo Racing nas oitavas em 2020, elimina o Defensa y Justicia em 2021.
Figurar nas quartas de final duas vezes em três temporadas é raridade na vida do torcedor rubro-negro. Falta até roupa para isso. O futebol apresentado contra o Bahia e o Defensa y Justicia agradou, mas a partida de domingo contra o São Paulo é o jogo da consolidação do caminho trilhado por Renato Gaúcho. Vencer o carrasco tricolor virou questão de honra para um grupo que não conseguiu isso com Jorge Jesus, Domènec Torrent e Rogério Ceni. Renato Gaúcho ficará impossível se quebrar o tabu. E aí, o problema será aguentar a marra dele.
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