Lincoln 2 Lincoln festeja o primeiro gol do Fla na vitória contra o Independiente. Foto: Alexandre Vidal/Flamengo Lincoln festeja o primeiro gol do Flamengo na vitória contra o Independiente del Valle. Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

O truque europeu na reinvenção do posicionamento tático de Lincoln no Flamengo

Publicado em Esporte

Quem viu de perto Pep Guardiola sacar várias soluções da cartola durante 10 anos acaba acumulando repertório suficiente para tentar reinventar, por exemplo, o posicionamento de uma promessa da base do Flamengo como o questionado centroavante Lincoln, de 19 anos.

Algo me diz que Domènec Torrent e o auxiliar Jordi Guerrero buscaram inspiração no Barcelona da temporada 2008/2009 para apostar em Lincoln aberto pelas pontas em vez de ser o homem de referência no ataque rubro-negro. Foi assim no empate com o Palmeiras, em São Paulo, no último domingo, e na goleada por 4 x 0 desta quarta-feira contra o Independiente del Valle, no Maracanã, que antecipou a passagem do atual campeão continental às oitavas de final. Com a bola, Lincoln formava um 4-3-3 ao ao lado de Gabigol e Pedro. Sem ela, fazia a composição da linha de quatro (ou de três) no meio de campo no 4-4-2/4-2-3-1.

Guardadas as devidas proporções, óbvio, o papel de Lincoln nas últimas duas partidas lembra um pouquinho o de Henry e/ou Eto’o na conquista da Uefa Champions League de 2009 contra o Manchester United, em Roma. Ambos eram goleadores, homens de referência no ataque das seleções da França e de Camarões à época. Em condições normais de temperatura e pressão também seriam sob a batuta de Guardiola. No entanto, aquele Barcelona exigia um pouquinho de sacrifício coletivo para dar passagem ao então jovem Lionel Messi. Henry e Eto’o toparam fazer o serviço sujo.

O francês atuava aberto na esquerda, como se fosse ponta. Eto’o ocupava o papel de centroavante, mas tinha liberdade para inverter papel com Messi. Àquela altura, o argentino ensaiava para virar um badalado falso camisa 9. Aparentemente, um trio de ataque formado por Henry, Eto’o e Messi tinha tudo para dar errado. No entanto, brindou o clube catalão com vitória por 2 x 0 sobre o então campeão Manchester United, de Cristiano Ronaldo e Alex Ferguson, na final da Champions League.

As funções de Henry e de Messi abertos nas pontas esquerda e direita, respectivamente, eram fazer a diagonal em direção aos meias — Xavi e Iniesta à época — ou ao homem de referência no comando do ataque, ou seja, Eto’o ou Messi quando havia inversão. Consequentemente, Henry e/ou Messi abriam o corredor para a passagem dos laterais.

 

Os centroavantes Heny e Eto’o abertos nas pontas no início da era Guardiola

 

A dinâmica foi parecida nas exibições do Flamengo contra Palmeiras e Independiente del Valle. Lincoln aberto na esquerda, Gabigol na direita e Pedro posicionado como centroavante quando o time estava com a posse da bola. Sem ela, Lincoln alinhado com Thiago Maia, Gerson e Arrascaeta. Com a saída de Gabigol e a entrada de Bruno Henrique, Lincoln foi mais uma vez para o sacrifício. Passou a atuar aberto na direita. Para mim, ele foi bem nas duas funções e até marcou o primeiro gol.

 

Lincoln não é Henry, óbvio, mas fez papel semelhante com Dome e Jordi Guerrero

 

Há um toque (e um truque) europeu na tentativa de resgatar Lincoln e encontrar soluções emergenciais para o Flamengo em meio ao surto da covid-19 no elenco. A ideia não é nova nem exclusividade ou sacada genial dos discípulos de Guardiola. José Mourinho usava Eto’o aberto na direita na Internazionale campeã da Champions League em 2010 para tê-lo a lado de Diego Milito e Pandev na frente. Basta lembrar a exibição épica do camaronês contra o Barcelona nas semifinais, quando a Inter eliminou a trupe azul-grená dentro do estádio Camp Nou. Comprometido, virou praticamente lateral.

O técnico italiano Massimiliano Allegri sacrificou o centroavante Mandzukic aberto na ponta-esquerda na Juventus para favorecer Higuaín no comando do ataque da Juventus em uma das temporadas de sucesso da Velha Senhora. Em vez de gols, o excelente croata passou a ser o responsável pela pressão e o acompanhamento da linha ofensiva do adversário até a linha de fundo, quando era preciso. Formava linha de três no 4-2-3-1 de Allegri com Cuadrado e Dybala., todos responsáveis por dar suporte ao centroavante Higuaín. O quarteto foi um sucesso na temporada 2016/2017.

Tite experimentou algo semelhante na Copa América de 2019. O ataque da Seleção Brasileira tinha Gabriel Jesus aberto na ponta-direita, Firmino no comando do ataque e Everton Cebolinha na extrema esquerda. Gabriel Jesus entendeu a adaptação e fez belíssimas partidas na semifinal contra a Argentina e na conquista do título contra o Peru. Vale lembrar que a Bélgica surpreendeu o Brasil nas quartas de final da Copa 2018 com o alto, forte, veloz, goleador e com passadas largas Lukaku aberto na direita marcando e azucrinando a vida do lateral-esquerdo Marcelo.

O futebol moderno exige reinvenções e readaptações inclusive dos centroavantes. Não importa se eles são altos, pesados ou goleadores. Há espaço para esses caras fora da área, desde que sejam voluntariosos e estejam dispostos a atuar mais para o time e menos para si, como fez Lincoln no triunfo contra o Independiente del Valle. Jogou bem taticamente e foi recompensado com o gol que abriu o caminho para a classificação rubro-negra.

 

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