Sensibilidade é retomar o Campeonato Paulista no Rio para driblar as restrições do governo estadual em meio ao pior momento da pandemia do novo coronavírus no Brasil. Sensibilidade é escolher uma arena apelidada de Estádio da Cidadania para dar tapa na cara da sociedade, agendar jogo na marra, em Volta Redonda, e marcar posição de que o futebol brasileiro não está nem aí para os recordes sucessivos de mortes causadas pela doença no país. Afinal, o show tem que continuar.
A estratégica da CBF e suas 27 federações filiadas parece-me clara. Haverá um rodízio, uma permuta, se preferir, entre cada estado. Quem estiver em lockdown transfere partidas para onde não houver restrições e assim vão administrando o caos deles. O Paulistão terá partidas no Rio. E o Rio, em São Paulo, se necessário. O prefeito Eduardo Paes suspendeu jogos na Cidade Maravilhosa de 26 de março a 4 de abril. Niterói também. O Estadual deve continuar em Volta Redonda, Macaé e, provavelmente, na vizinha São Paulo ou até mesmo aqui em Brasília — uma praça sempre querida pelos quatro grandes do Rio. O futebol será liberado na capital do país a partir do próximo dia 29. E não custa lembrar que o governador daqui é flamenguista.
É compreensível (mas discordo) a resistência do futebol a parar. Trata-se de uma indústria que movimenta bilhões. No entanto, vários setores da economia, do mais simples ao mais complexo, estão dando suas cotas de sacrifício em meio à pandemia. Vários estabelecimentos estão fechados. Alguns até quebrados. Falidos. Sem volta. Muito triste, óbvio. Terra arrasada. O erro do futebol é se julgar uma ilha, um mundo à parte. Por vezes, fora da lei. Sem obediência às regras e acima de qualquer tipo de decreto, independentemente da caneta e do proprietário dela.
Vale ponderar que o futebol deu, sim, sua contribuição lá atrás, no início da pandemia. As competições foram paralisadas por quatro meses, as competições nacionais invadiram 2021 e a indústria do futebol testa jogadores, comissões técnicas e colaboradores como nenhuma outra. Tudo isso é verdade. A questão em um contexto tão delicado é a sensibilidade para admitir a necessidade de dar uma pausa bem maior do que os minutos de silêncio em homenagem às vítimas da covid-19. O futebol tem papel social e precisa se tocar disso, dar o recado.
Mas não o recado do Paulistão, ou seja, o pior possível. Dribla-se decreto do governador, chuta-se Estatuto do Torcedor para escanteio, agenda-se uma partida a pouco mais de 24 horas do pontapé inicial em um município de outro Estado, coloca-se o elenco em um ônibus e ordena-se ao motorista para colocar o pé na estrada… Quanta esculhambação.
A mensagem que será passada hoje à noite por Corinthians, Mirassol, governo do Rio, prefeitura de Volta Redonda e Federação Paulista de Futebol ao cidadão — ironicamente no Estádio da Cidadania —, é o seguinte: não dê bola para o lockdown. Procura um cantinho aí em algum lugar desse país e siga fazendo o que bem entender. Os estaduais nada mais são do que sínteses de um país que insiste em não falar a mesma língua na guerra contra a covid.
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