vice flamengo Fim do sonho do quarto título no ano para o clube que reaprendeu a vencer. Foto: Alexandre Vidal/Fla Fim do sonho do quarto título no ano para um clube que trabalhou para vencer.

Muito além do “jogar de igual para igual” com o Liverpool: o que o futebol sul-americano precisa aprender com o vice do Flamengo no Mundial

Publicado em Esporte

O debate se o Flamengo jogou ou não de igual para igual com o Liverpool na excelente final do Mundial de Clubes é raso. O futebol sul-americano precisa refletir sobre o que o campeão carioca, brasileiro e da Libertadores fez dentro e fora das quatro linhas na tentativa de tirar minimamente o melhor time do planeta da zona de conforto e ter maturidade para entender que nem sempre a engenharia será suficiente para igualar a excelência dos gigantes europeus.

A primeira lição para a América do Sul é financeira. O Flamengo começou a organizar as contas em 2013 projetando justamente a final do Mundial de Clubes. O então técnico Mano Menezes e alguns jogadores da época gravaram um vídeo na gestão de Eduardo Bandeira de Mello despertando nos rubro-negros o sonho do bi mundial. Era a campanha de sócio torcedor (assista abaixo).

 

 

O projeto demorou seis anos para virar realidade. A diretoria escolheu pagar dívidas. Abriu mão, por exemplo, de Vágner Love, assumindo que não teria condição de honrar com os salários acertados com a presidente anterior; usou e abusou da paciência da torcida com elencos limitados. Ainda assim, conquistou uma Copa do Brasil e dois títulos estaduais.

As contratações de Paolo Guerrero em 2015; e de Diego Ribas no ano seguinte, deram início à guinada do Flamengo. Porém, sucessivos erros do departamento de futebol impediram o cumprimento das metas esportivas. O elenco não estava à altura dos investimentos. Pior: o grupo não tinha espírito vencedor para lidar com a pressão por conquistas relevantes.

Daí a segunda lição: a montagem quase perfeita do elenco campeão de quase tudo em 2019. Mérito dos colaboradores de Rodolfo Landim. Alguém teve a sensibilidade de perceber que o sonho de peitar um campeão da Champions League exigia a contratação de jogadores acima da média do Campeonato Brasileiro e da Libertadores. E havia dinheiro para isso.

A terceira lição para a América do Sul é assustadora: o Flamengo precisou ter em campo sete jogadores com boas (e más) experiências recentes no futebol europeu para “jogar de igual para igual com o Liverpool”. Peças submetidas a partidas de altíssimo nível em competições de ponta como a Champions League, a Europa League ou uma das cinco principais ligas nacionais do mundo: Alemão, Espanhol, Francês, Inglês ou Italiano.

Diego Alves (Valencia), Rafinha (Bayern), Pablo Marí (La Coruña), Filipe Luís (Atlético de Madrid), Gerson (Roma e Fiorentina), Bruno Henrique (Wolfsburg) e Gabriel Barbosa (Internazionale e Benfica) estavam na Europa até pouco tempo. Diego e Vitinho, que entraram durante o duelo com o Liverpool, acumularam milhas no Velho Continente. A evolução técnica, tática e psicológica deles demandou conceitos de um técnico europeu. Coube ao português Jorge Jesus elevar o Flamengo ao patamar de melhor time do Brasil e da América do Sul.

Tudo perfeito até o retorno ao Mundial de Clubes. Chegamos à quinta lição: apesar da engenharia de sete anos, o competente trabalho de cinco meses do técnico Jorge Jesus foi insuficiente para marcar um golzinho no Liverpool — comandado há cinco temporadas por Jürgen Klopp. A diferenças entre os tempos de trabalho é absurda. Logo, “jogar de igual para igual” apresentando um conceito europeu aplicado a toque de caixa no Flamengo — e sem abrir mão dele ou intimidar-se diante do potencial do Liverpool — é, sim, digno de respeito.

Apesar de toda a engenharia dentro e fora das quatro linhas, a defesa precisou jogar mais bola na final do que o badalado ataque mais positivo do país. O Monterrey do México balançou a rede do goleiro Alisson na semifinal. O rubro-negro carioca, não.

Mas esta cruz não é exclusividade rubro-negra, e aqui chego ao ponto em que defendo o seguinte: os clubes sul-americanos precisam se reinventar. O último gol de um campeão da Libertadores contra o vencedor da Champions League é o de Guerrero na vitória de 2012 sobre o Chelsea. Depois do Milagre de Yokohama, houve quatro decisões entre sul-americanos e europeus. San Lorenzo (2014), River Plate (2015), Grêmio (2017) e Flamengo (2019) negaram fogo. Simplesmente não marcaram gol contra Real Madrid, Barcelona e Liverpool.

O vice do Flamengo deixa como legado ao futebol sul-americano o desafio de os principais clubes do continente se reorganizarem financeiramente e contratar reforços com experiência em jogos de alto nível na Europa. Ainda assim, o time rubro-negro necessitou de um treinador europeu para revolucionar seu conceito de jogo como num passe de mágica.

Sinal de que os treinadores da América do Sul precisam se reinventar. Mais do que isso: os dirigentes têm que aprender a respeitar o tempo de maturação do trabalho desses profissionais. Jorge Jesus perdeu a final deste sábado com cinco meses de mandato. Jürgen Klopp não conquistou nada nas três primeiras temporadas. Começou a empilhar títulos em série no quarto ano de trabalho: Champions League, Supercopa da Uefa e Mundial de Clubes.

A América do Sul não conquista o Mundial de Clubes desde 2012. A América do Sul não é campeão da Copa do Mundo desde 2002. São quatro títulos consecutivos das seleções do Velho Continente. A América do Sul não fatura o Mundial Sub-20 desde 2011. As últimas quatro edições foram conquistadas por França, Sérvia, Inglaterra e, pasmem, a Ucrânia! A América do Sul não ganhava o Mundial Sub-17 desde 2003. Quebrou o tabu neste ano graças ao título do Brasil. Portanto, o debate vai muito além do “jogar de igual para igual”. É grave a crise no futebol praticado deste lado do Oceano Atlântico.

 

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