WhatsApp Image 2021-09-05 at 21.38.19 O advogado acompanha os embates na Comissão Disciplinar da Fifa. Foto: Arquivo Pessoal/Gustavo Souza O advogado Gustavo Souza acompanha os embates na Comissão Disciplinar da Fifa. Foto: Arquivo Pessoal/Gustavo Souza

Entrevista: Gustavo Souza | Especialista em tapetão da Fifa analisa o caso Brasil x Argentina

Publicado em Esporte

O parecer da Fifa sobre a suspensão do clássico entre Brasil e Argentina no domingo pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) não será imediato. O trâmite do processo na Comissão Disciplinar promete longa duração. Os primeiros relatórios oficiais da partida estão com a entidade máxima do futebol, um deles do árbitro Jesús Valenzuela.

Em entrevista ao blog, o advogado mineiro Gustavo Souza, 41 anos, mestre em Direito Desportivo pela Universidad de Lleida (Espanha), diretor da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo, professor de Direito Desportivo da Universidad del Litoral (Argentina) e consultor de Direito Desportivo, ajuda a indicar os próximos passos do imbróglio.

Sempre atento aos embates no tapetão da Fifa, Gustavo Souza projeta perda dos pontos da Argentina e multa para o Brasil. Em tese, uma decisão política. O especialista considera a infração cometida por Emiliano Martínez, Buendía, Cristian Romero e Giovani Lo Celso ao desembarcarem no Brasil grave, assim como a postura da AFA e a saída de campo da Argentina na Neo Química Arena, depois da paralisação do jogo pela Anvisa, aos cinco minutos.

Na análise de Gustavo Souza, há conteúdo, inclusive, para a Argentina ser excluída das Eliminatórias para a Copa do Mundo do Qatar-2022, o que, na visão dele, dificilmente ocorrerá. Na conversa a seguir, ele também aponta dois erros no imbróglio: a falha no controle na fronteira do Brasil e o mistério sobre quem no Governo bancou a realização da partida.  

 

Qual é o ritual do processo no Comitê Disciplinar da Fifa?

O processo disciplinar na Fifa começa com uma ata de um membro oficial. No caso, a súmula do árbitro. Esse documento será remetido ao Comitê Disciplinar. O presidente, que é um colombiano (Jorge Palacio), estabelecerá se o julgamento será feito por um juiz único. Esse juiz único vai ser ou o presidente do tribunal ou alguém que ele designar.

 

Qual é a tendência nesse caso?

Nesse caso específico, há previsão de multa de até 50 mil francos suíços. Em penas mais brandas, o presidente decide de maneira única, sem submeter a uma turma, a uma decisão colegiada. Se o presidente entender que a aplicação da penalidade é maior do que essa — e nesse caso vai ser, porque haverá perda de pontos para um dos lados —, ele vai nomear um relator e mais, pelo menos, mais dois membros do Comitê Disciplinar. E aí eles vão decidir respeitando o contraditório. Todos os envolvidos terão oportunidade de falar, e eles vão proferir uma decisão.

 

Qual é o repertório de punições para esse episódio?

Dar os pontos da partida para alguém ou decidir por uma pena até mais grave, como perda do mando de campo ou até a eliminação da competição. Se for uma pena mais grave, aí cabe o recurso de apelação dessa decisão.

 

Alguma chance de remarcar esse jogo ou reiniciá-lo a partir dos cinco minutos?

Eles não vão refazer esse jogo. Acho muito pouco provável. Até por uma questão de calendário e de falta de importância. Brasil e Argentina vão se classificar para a Copa. Estão disparados (na classificação, com 21 pontos e 15 pontos, respectivamente). Não é um jogo de vida ou morte. Até politicamente esse jogo não acontecerá de novo.

 

O que diz o seu feeling sobre esse caso?

Sobre o mérito da situação em si, vou dizer o que acho que deveria acontecer. W.O. não vai ser porque a Argentina entrou para jogar. Perda dos pontos, que seriam para o Brasil, e ato contínuo, a Argentina deveria ser punida com a eliminação da competição.

 

O Comitê Disciplinar da Fifa tomaria essa decisão severa?

A situação é muito grave. Quatro jogadores, na pandemia que a gente vive, tentam furar um protocolo, que tem o apoio da própria Fifa e da Conmebol. Mentem, cometem um crime para furar o protocolo e entram em campo. A AFA, em vez de evitar que isso acontecesse, não só apoia, como tenta esconder e se torna coparticipe dessas infrações à norma. Entra em campo e as autoridades sanitárias brasileiras entram em campo para fazer cumprir um protocolo que foi aceito pelos próprios participantes. A intenção (da Anvisa) não era impedir que o jogo acontecesse, mas impedir a perpetuação da ilegalidade.

 

Como avalia o papel da AFA nesse caso?

Qual era o papel da AFA ali? Gente, vamos substituir os quatro e jogar. Ponto. Não. Tenta se aproveitar da situação e tirar o time de campo. Aí, eu aproveito para trazer um precedente. Em 1989, o Chile tira a seleção de campo (contra o Brasil, no Maracanã, pelas Eliminatórias para a Copa de 1990), em razão daquele foguete e depois é punido pela Fifa. Perde os pontos do jogo e fica quatro anos impedido de participar de competições internacional. Tanto é que o Chile sequer participa das Eliminatórias para a Copa de 1994. Eles só voltam ao cenário internacional em 1995 para a Copa de 1998 e se classifica.

 

A exclusão da Argentina das Eliminatórias seria uma medida educativa?

A punição deveria ser aplicada até para servir de exemplo para que nenhuma outra seleção tente furar o protocolo. Isso é muito grave. A Argentina deveria ser eliminada da competição e, consequentemente, Argentina fora da Copa do Qatar-2022. Tinha que ser desse jeito.

 

Qual é a sua impressão depois de tudo que viu, leu e ouviu?

A Argentina vai ser punida. Perderá os pontos e vão para o Brasil. Isso vai ter pouca interferência no resultado final das eliminatórias porque são 10 países, quatro se classificam e um disputará a repescagem. E o Brasil vai levar uma multa. Não passa disso. A Fifa vai tomar uma decisão política. É o peso da camisa da Argentina, a relevância comercial da Argentina para a Copa do Mundo. Vão relativizar. A Argentina está tentando reverter a culpa. Diz que é do governo brasileiro porque alguém teria dado garantias de que poderiam entrar em campo e não haveria problema… Vai ser isso. Argentina vai perder ponto e não terão coragem de aplicar a pena mais gravosa.

 

As críticas à Anvisa são justas?

Penso que algumas coisas merecem ser levadas em consideração. Tem muita gente atacando a Anvisa porque ela não deveria ter esperado entrar em campo para fazer o que fez. Eu discordo. Isso aqui não é o Minority Report (filme de ficção científica cujo enredo tem videntes que revelam os criminosos), que você vai adivinhar aqueles que cometerão infração. A Anvisa deu a notificação: “Eles não podem jogar”. E deu o caminho que a AFA deveria seguir.

 

 

E a AFA, em tese, ignorou o caminho…

A AFA não cumpriu o caminho e tornou público o descumprimento quando eles entraram em campo. Não tinha como a Anvisa entrar antes. A Anvisa não tem que tomar nenhuma medida preventiva. O papel dela é notificar. É igual quando a Anvisa vai a uma empresa e diz que ela não pode funcionar em tal situação. Ela vai embora. Se a empresa funcionar, aí ela sofrerá outras penas como consequência desse descumprimento.

 

Quais são os erros nesse caso?

Se houve erros, o primeiro foi do controle de fronteiras. É sinal de que é muito fácil entrar no Brasil descumprindo o protocolo. Nesse caso específico ah, você não tem como olhar um por um, mas eram pessoas públicas, muito fácil descobrir. Foram feitas matérias sobre os jogadores do futebol inglês que estavam com a Argentina. O segundo erro é o seguinte: nós temos que saber quem do governo federal falou que podia jogar. Se foi o presidente da República ou ministro de Estado é crime de responsabilidade. Essa pessoa tem que aparecer e ser punida.

A Argentina quer os pontos do jogo. Faz sentido?

Está rolando uma pressão forte da Argentina nesse sentido. Se isso acontecer vai ser o absurdo dos absurdos. Vão punir a equipe que queria jogar e vão beneficiar o infrator. Eless mentiram para entrar no Brasil. Pra mim, a única forma de o Brasil ser punido com a perda dos pontos é se a Argentina comprovar que o governo brasileiro afirmou pra eles que podia jogar que não teria problema. Se eles fizerem isso jogam no colo do governo brasileiro e é crime de responsabilidade.

Pode surgir alguma outra forma de a Fifa punir o Brasil?

O que ela pode fazer é não realizar mais jogo no Brasil sob o seguinte argumento: se a aduana do Brasil não é capaz de controlar o ingresso, não é seguro estrangeiro jogar no Brasil. Eu tiraria os mandos do Brasil até o fim das Eliminatórias. Isso eu acho até justo, agora perder os pontos é absurdo.

 

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