O aluno do professor Osvaldo Metralha nas escolinhas de futebol de campo do Itapuã, atual Unaí Esporte Clube, da vizinha Unaí (MG), vinculado à Federação de Futebol do Distrito Federal, foi longe. Agarrou a oportunidade que a vida lhe deu com unhas, dentes e o par de luvas de goleiro. Aos 29 anos, Gabriel Vasconcelos Ferreira é o rei do acesso na Itália. Tricampeão da Série B, conquistou o título nacional por Carpi, Empoli e acaba de devolver o Lecce à elite com mais um troféu na coleção e uma senhora marca: mais de 100 partidas pelo clube em que jogou, por exemplo, Mazinho, campeão da Copa do Mundo em 1994.
Titular da Seleção nas conquistas do Sul-Americano e do Mundial Sub-20 em 2011 com a geração de Neymar, Philippe Coutinho, Oscar, Danilo, Alex Sandro e Casemiro sob a batuta de Ney Franco; e na prata nos Jogos Olímpicos de Londres-2012 com Mano Menezes, Gabriel curte as férias em Belo Horizonte com planos de fazer escalas em Brasília e Unaí para rever parentes e amigos. A carreira dele decolou na capital mineira. para ser preciso, na Toca da Raposa — a casa do clube do coração, o Cruzeiro. Em entrevista ao blog, o jogador fala sobre o sucesso na temporada. Conta que, outra vez, jogou mais com os pés do que com as mãos, atendendo ao padrão de qualidade exigido pelo futebol europeu. A versatilidade é um trunfo profissional na janela de transferências Além de sonhar com um novo desafio, ele profetiza como torcedor: “O Cruzeiro vai conseguir esse acesso”.
Você é tricampeão da Série B por Carpi, Empoli e Lecce. O que aprendeu em cada uma dessas experiências e qual das três conquistas foi a mais difícil?
Cada conquista tem a sua particularidade, a sua importância. Eu lembro que no Carpi nós fomos a surpresa do campeonato. Era um time que ninguém esperava que ganhasse e fomos campeões de uma forma muito surpreendente. No Empoli, tínhamos um time muito forte, que jogava muito bem, e a gente dominou o campeonato A gente era muito superior. Com o Lecce, nosso time é muito forte, mas foi um campeonato muito equilibrado. Havia outros times muito fortes. Esse foi o mais difícil dos três que eu ganhei, o mais equilibrado.
Não deve ter disputado a Série B no Brasil, mas faz ideia do que seja. Qual segunda divisão é a mais difícil: a daqui ou a da Itália?
Eu nunca joguei a segunda divisão aqui no Brasil, mas eu creio que ambas são muito complicadas porque são equilibradas, às vezes você vai jogar em campos ruins, viagens muito longas. São adversidades que vão complicando o caminho, o percurso. Eu acredito que a dificuldade está nas duas.
Qual foi a fórmula do Lecce para conquistar o bi da Série B da Itália?
O segredo do Lecce esse ano era ter um elenco muito qualificado, muito forte, peças de reposição, o grupo era amplo. Era um time que treinava muito bem. As nossas semanas eram muito intensas e nós tínhamos um vestiário muito bom, unido. Era um grupo que se respeitava. Eu acredito que isso ajudou.
O Brasil vem numa sequência de goleiros titulares na Copa do Mundo que foram lapidados na Itália: Taffarel (1990, 1994 e 1998), Dida (2006), Julio Cesar (2010 e 2014) e Alisson (2018 e 2022). O que a escola italiana de goleiros tem de tão especial?
A escola de goleiro italiano é muito boa porque eles são muito detalhistas. Trabalham muito a parte técnica. Eles têm um histórico de goleiros muito bons, mas, com toda a sinceridade, a escola de goleiros brasileiros não deixa nada a desejar. Muito pelo contrário. Tem pontos em que a escola brasileira é melhor e vice-versa. Faz parte. Mas eu sempre falo e repito: a escola brasileira de goleiro e treinadores de goleiros é muito qualificada, muito boa.
Até que ponto o futebol italiano ampliou as suas habilidades? Quais características você não tinha aqui no Brasil e aprendeu ou aprimorou aí na Itália?
O futebol europeu se desenvolveu bastante em relação ao goleiro. Somos muito utilizados. Na maioria dos jogos, eu toco muito mais na bola com os pés do que com as mãos (risos). Isso é uma característica que eu acabei desenvolvendo lá. Além da questão de compactação, de jogar com as linhas defensivas muito altas, então o goleiro também tem que jogar avançado, fazer as coberturas. São situações que acontecem muito lá, mas variam de acordo com o técnico. Eu já tive treinador que queria o goleiro jogando o tempo inteiro e outros que a gente desse chutão.
Se não estou enganado, ao ver os seus números na temporada, você deu uma assistência para gol? Como foi isso? Um momento “Ederson”, referência ao goleiro do Manchester City que costuma dar assistências?
Na verdade, houve três ou quatro situações em que era para ter saído gol e não saiu em passes, ocasiões muito mais claras. Essa foi engraçada porque foi numa saída de gol em um escanteio. Eu peguei a bola e fiz uma reposição perto, rápido, com a mão, para o meu atacante. Como eles tinham ido com muitos homens para atacar no escanteio, acabou que eu dei a bola com a mão para ele, foi conduzindo dois contra dois, foi levando, de repente ele estava dentro da área, tirou para o lado e chutou. Foi uma assistência bem simples. Em outras, mais complicadas, com passes longos, a gente não fez gol.
Você ultrapassou a marca de 100 jogos pelo Lecce. Imaginava que a relação com o clube seria tão duradoura?
Essa marca de 100 jogos foi bem legal porque é um clube histórico, de uma torcida muito apaixonada. Eu não imaginava que duraria tanto, mas foi muito bom. Eu me sinto muito honrado por ter alcançado essa marca.
Como é a vida aí na cidade?
A vida na cidade é muito legal. É pequena, mas tem tudo. Litoral. As praias são muito bonitas. O clima é mais tranquilo em relação ao norte da Itália. Tem sol praticamente todo dia, uma temperatura um pouco mais elevada. Tem bons restaurantes, é uma cidade viva. Tem jovens, faculdade, muito movimentada.
Pode falar um pouco sobre o seu compatriota, o lateral-esquerdo Gabriel Strefezza?
Antes de ele ir para lá, a gente conversou no Instagram. Ele perguntou como era a cidade, o clube. Eu falei que se ele quisesse ir, mesmo, e estivesse animado, a gente ganharia o título. O campeonato nem havia começado. Estava na janela de transferências. Ele chegou lá e foi muito legal. Criamos uma relação de amizade rapidamente, a minha esposa com a dele também. Eu pude ajudá-lo bastante na cidade, no clube, na ambientação, adaptação. Um cara sensacional, fez uma temporada espetacular e evoluiu bastante. Foi um dos fatores determinantes do nosso time.
A janela de transferências vai se abrir. Deseja ficar no Lecce ou está aberto a ofertas de outros clubes da Itália, Europa ou até mesmo Brasil?
A minha história no Lecce foi muito legal, muito bacana. Ainda não decidi o que eu vou fazer. Estou aberto a outras possibilidades. Tenho algumas propostas da Itália e de fora. Estou avaliando. A possibilidade de voltar para o Brasil existe. Quando a gente vem passar férias acende aquela chama no coração do nosso país, da nossa cultura. O mercado ainda está muito recente. Vamos ver o que vai acontecer.
A Seleção Sub-20 campeã do Sul-Americano e do Mundial, em 2011, com Ney Franco, é a base do Brasil que irá à Copa do Catar. Alisson, Danilo, Alex Sandro, Casemiro, Philippe Coutinho, Neymar… Você foi titular no Mundial e na prata em Londres-2012. Em que momento se desgarrou e foi ficando distante dessa base usada pelo Tite?
A Seleção é muito disputada. O futebol brasileiro tem jogadores demais, muito jogador bom. No primeiro ano em que você começa a não jogar, complica, entra outro no seu lugar. Eu acredito que foi isso. Na época da Seleção, a gente foi indo para o time profissional, começando a jogar, eu fiz a escolha de ir para o Milan, e quando eu cheguei lá (no clube italiano), não joguei. Isso deu uma freada e uma distanciada. Acontece. Não era o que eu desejava, mas faz parte. O Brasil tem muito goleiro bom.
Pensa em se naturalizar e defender a seleção da Itália?
A minha cidadania italiana está saindo. Dei entrada nos documentos, estou finalizando. Deve sair nos próximos seis meses, mas não é uma coisa que passa pela minha cabeça. Vou pegar a cidadania pela praticidade, para poder viajar, para os filhos também. Vai que o meu filho queira ser jogador, aí facilita para atuar na Europa. Jogar pela seleção italiana não passa pela minha cabeça.
Você esteve no Milan e no Napoli entre os grandes da Itália. Esperava ter sido mais utilizado? Quais foram as lições?
Os saldos das passagens por Milan e Napoli são de aprendizado. Aprendi nos momentos em que eu sabia que ainda não estava pronto. Isso que eu acho legal da maturidade. Na hora eu ficava ansioso, aflito, nervoso, querendo jogar, mas, hoje, eu entendo que ainda não estava pronto. O segredo é a gente se preparar para estar pronto.
A Itália é campeã da Eurocopa, mas está fora do Mundial pela segunda edição consecutiva. Qual é o clima no país?
O clima na Itália em relação a eliminação na Copa do Mundo foi muito negativo. É um país apaixonado pelo futebol, onde se vive o futebol. Foi um baque muito grande, uma decepção. Estavam com um grupo vencedor, havia conquistado a Eurocopa, então a expectativa estava muito alta no país.
Da Squadra Azzurra para o Azul de Minas. Você se formou no Cruzeiro. Como é ver o time atolado na Série B?
O Cruzeiro tem uma parte na minha história e no meu coração. Tenho um carinho imenso. É o clube que me formou, ajudou a conquistar tudo. Eu tenho gratidão, respeito e carinho. Acompanho de longe, torço, estou em Belo Horizonte, vou ao estádio assistir o Cruzeiro porque tenho admiração. Acredito que nesse ano o time tem uma base sólida. Estão tentando e parece que vão conseguir reestruturar o clube, colocar as coisas no lugar.
O Cabuloso sobe neste ano?
O Cruzeiro é um clube imenso, de uma cidade tão maravilhosa como Belo Horizonte, de uma torcida tão apaixonada, então, não é um time de Série B jamais. Tem que estar brigando no alto, na primeira divisão. Isso infelizmente aconteceu por má gestão e agora é enfrentar a realidade da Série B, arregaçar as mangas e ir à luta. Não é fácil, mas acredito que vai dar certo. Será uma grande temporada e o Cruzeiro vai conseguir esse acesso.
Vai dar tempo de passar pela capital e por Unaí nas férias?
Vou sim a Brasília e a Unaí nessas férias. Tenho familiares e amigos. Meu nutricionista é de Brasília (Gustavo Carvalho). Tenho um fisioterapeuta também que é daí. Vou fazer um check up e de Brasília vou para Unaí ver a minha família e meus primos. São cidades pelas quais eu tenho carinho, gosto muito e visitá-las é sempre um prazer.
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