Entrevista: Gabe Silveira | Filho de brasilienses é camisa 10 da seleção de beach soccer dos EUA

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Gabe Silveira (10), o “Gabegol” da seleção dos Estados Unidos de beach soccer. Foto: Divulgação/Concacaf

 

A indústria de talentos do futebol brasileiro não deixa escapar jogadores apenas no campo ou no futsal. Há perdas também na areia. A lista de inscritos na Copa do Mundo de Beach Soccer, por exemplo, tem um camisa 10 com “name”, “surname” e “nickname” peculiares. Filho de brasilienses, Gabriel Silveira, o Gabe, é uma das estrelas da seleção de futebol de areia dos Estados Unidos. O país tenta evoluir na modalidade e conta com o talento do jovem de 29 anos para competir em alto nível. O país acaba de disputar o Mundial da Rússia e foi eliminado na primeira fase após derrotas contra os donos da casa, o Japão e o Paraguai. Foi a sexta participação no evento. A terceira nas últimas cinco edições depois de ausências em 2015 e 2017.

Na entrevista a seguir ao blog Drible de Corpo, Gabe Silveira, como é chamado carinhosamente pelos colegas de time, conta que nasceu em Greenbrae, Califoórnia, mas começou batendo bola no meio da rua no Núcleo Bandeirante e outros bairros do Distrito Federal onde os pais dele, seu Ronaldo e dona Ezelda, moravam, e alguns parentes seguem residindo. O sotaque inglês se confunde com a conversação em língua portuguesa, mas ele Gabe consegue ser fluente no idioma de Camões e explica nos mínimos detalhes a vida como ela é como jogador de beach soccer na Califórnia. Gabe revela se é possível viver desse esporte nos EUA e conta quais são os planos dele para desenvolver a modalidade da Terra do Tio Sam.

 

Como é a sua relação com Brasília?

O meu pai (seu Ronaldo) e a minha mãe (dona Ezelda) são de Brasília. Cresceram aí na região do Núcleo Bandeirante, Riacho Fundo. Eu nasci em Greenbae, Califórnia, nos Estados Unidos, e mudei para Natal (RN) com a minha família, minha irmã mais nova e moramos lá por uns três, quatro anos. Voltamos para os Estados Unidos e eu só ia ao Brasil no verão para visitar os meus parentes em Brasília.

 

Quais são as lembranças das idas e vindas à capital?

Não lembro muito de Brasília. Eu era muito novo. Eu ficava bastante na casa dos meus tios. Eu passava muito tempo jogando futebol no Núcleo Bandeirante e em casa com a minha família. O que lembro também é de ter jogado futebol na rua com os meninos que moravam perto das minhas tias. Depois de morar no Brasil (em Natal) eu voltei para os Estados Unidos quando tinha seis, sete anos, e comecei a jogar futebol em um time da minha região.

 

Como foi a sua transição do futebol de rua para o campo, salão e areia?

Comecei a gostar de futebol bem novo. Passei a jogar futsal com brasileiros nos Estados Unidos e o futebol de areia chegou mais tarde, quando eu tinha uns 13, 14 anos. Eu tinha um técnico que era envolvido com beach soccer e ele sempre me convidava para alguns torneios em San Francisco e Santa Cruz, mas isso era uma vez, duas por anos talvez. Na universidade que eu estudei, tentei jogar futebol de campo por uns dois, três anos, mas passei a levar a sério o futebol de areia.

 

Como você teve acesso à seleção de beach soccer dos Estados Unidos?

Descobri que existia um time nacional de futebol de areia e o técnico tinha um time de campo numa universidade lá em San Francisco, pertinho de onde eu estava. Ele meu deu uma boa oportunidade. Comecei a treinar muito na areia há cinco anos e desisti do campo. Estava correndo muito e fui convidado para treinar com a seleção em um “camp”. No futebol de areia é cinco contra cinco, você toca a bola muito mais e amei o esporte. Passei a treinar com a seleção e, desde 2018, participei de uns sete torneios. É uma oportunidade bem legal representar um país e viajar pelo mundo inteiro para competir no esporte que eu amo.

 

Eu passava muito tempo jogando futebol no Núcleo Bandeirante e em casa com a minha família. O que lembro também é de ter jogado futebol na rua com os meninos que moravam perto das minhas tias. Depois de morar no Brasil (em Natal) eu voltei para os Estados Unidos quando tinha seis, sete anos, e comecei a jogar futebol em um time da minha região

 

Pensou em jogar pelo Brasil?

Eu gostaria muito de representar o Brasil, mas esse time atual tem jogadores que atuam juntos há muito tempo. Eu só comecei há uns cinco anos e tenho que aprender muito mais para chegar ao alto nível do futebol de areia. O Brasil tem os melhores jogadores do mundo. A gente acabou de iniciar o futebol de areia nos Estados Unidos. Seria muito mais difícil eu conseguir qualquer número de camisa da Seleção. Eu preciso de um pouco mais de treino.

 

É possível viver de beach soccer nos Estados Unidos?

Não existe liga profissional de beach soccer nos Estados Unidos. Existe essa seleção que participa de dois, três torneios no ano, e eles pagam um pouquinho de dinheiro. É mais experiência para conhecer os lugares, fazer intercâmbio, competir contra os melhores desse esporte no mundo e aí vamos crescendo como time. Vai demorar para começarmos a ganhar dos melhores. Não tem muito dinheiro vindo da federação para a prática do futebol de areia.

 

Então você tem outro job nos Estados Unidos…

Eu trabalho para a companhia do meu pai, uma empresa de construção civil. Sou eletricista. O meu pai e os meus tios de Brasília começaram assim quando chegaram aos Estados Unidos. Eu fui para a escola e estudei negócios (administração). Pensei em trabalhar em escritório, mas foi difícil. Como passei a gostar de futebol, escolhi não trabalhar na área que eu estudei para ajudar o meu pai na companhia dele e com meu irmão em lugares diferentes, sendo ativo.

 

Você trabalha na firma do seu pai em ritmo de treino de beach soccer?

O trabalho na construção é um tipo de treino para eu jogar futebol. Estou sempre andando, tenho que subir as escadas, levanto bastante durante o trabalho, então é o meu treino. Eu também queria aprender sobre a área que trouxe a minha família do Brasil para os Estados Unidos. Entender de construção é muito bom.

 

Pretende ensinar beach soccer nos Estados Unidos e contribuir para a evolução do esporte?

Sou técnico de futebol de campo. Estou pensando em introduzir o futebol de areia no clube em que sou técnico. Eu moro pertinho da praia e lá não existe (beach soccer). Como sou da seleção, acho que seria legal ser o primeiro a ensinar futebol de areia para crianças. O futebol de areia pode ajudar crianças da mesma forma que o de campo e o futsal.

 

Passei a treinar com a seleção dos Estados Unidos e, desde 2018, participei de uns sete torneios. É uma oportunidade bem legal representar um país e viajar pelo mundo inteiro para competir no esporte que eu amo.

 

Quais são os maiores desafios do beach soccer?

O futebol de areia dificulta o drible e ensina a pensar mais. É preciso ter preparo físico para ganhar dos caras no drible. É um jogo diferente, exige pensamento rápido. Meu sonho é começar uma escolinha de futebol de areia em San Francisco. Então, hoje jogo nos Estados Unidos para ganhar experiência, trabalho na companhia do meu pai e sou técnico.

 

É correto dizer que a firma do seu pai salvou seu sonho de jogar futebol de areia?

Trabalhar com meu pai me deu flexibilidade para jogar pelos Estados Unidos. Se eu entrasse no escritório, trabalhasse em horário comercial, eu não continuaria treinando, jogando beach soccer. Essa decisão deixou a porta aberta para eu chegar onde estou.

 

San Francisco é o lugar perfeito para iniciar a escolinha de beach soccer?

San Francisco é difícil. Não é um lugar muito quente. As praias boas da Califórnia são mais para o sul, perto de Los Angeles, San Diego… Faz frio no verão em San Francisco. Tem muita neblina, frio, venta muito. Não é um lugar como o Rio de Janeiro, próprio para o beach soccer. Mas acho que nos meses bons as crianças se interessariam em fazer algo diferente.

 

Pensou em jogar a Copa de 2026, que será nos Estados Unidos, no Canadá e no México?

Eu desisti do campo faz tempo. O meu negócio é na areia agora. Eu treinei bastante no campo e estou convicto de que não deu certo. Superei essa frustração. Escolhi uma direção diferente e estou feliz com o que aconteceu. Os caras que estão na seleção dos Estados Unidos estão nos maiores clubes do mundo. Jogam na Champions League e em torneios do mais alto nível.

 

Gostou do nível desta edição do Mundial de Beach Soccer?

A Copa do Mundo era todo ano e passou a ser disputada de dois em dois. Os Estados Unidos participam pela quarta vez. Há muito equilíbrio nessa Copa do Mundo. É muito fácil fazer gol e o jogo muda muito rapidamente. Essa está com um nível muito elevado. Enfrentei a Rússia. Eles são muito organizados. A liga da Rússia é a melhor do mundo.

 

Trabalhar com meu pai me deu flexibilidade para jogar pelos Estados Unidos. Se eu entrasse no escritório, trabalhasse em horário comercial, eu não continuaria treinando, jogando beach soccer. Essa decisão deixou a porta aberta para eu chegar onde estou.

 

Por que a liga russa é a melhor?

A liga de beach soccer da Rússia paga mais do que qualquer outra no mundo. Os melhores jogadores vêm jogar aqui onde está sendo a Copa do Mundo. Eles trazem muitos brasileiros. Todos estranham o sucesso do beach soccer aqui na Rússia porque é muito frio. (dos 224 convocados para o Mundial, 18 atual na Rússia, quatro deles destaques atuam na Espanha e Belarus e outros 14 na própria seleção russa).

 

Isso torna a Rússia candidata ao título?

Um dos favoritos para mim é Portugal. A Rússia é dona da casa, favorita, mas nós quase ganhamos deles. O jogo terminou 4 x 4, foi para a prorrogação, o juiz deu uma falta para eles e venceram por 5 x 4. Na última vez, nós perdemos por 13 x 2. Dessa vez foi bem apertado. Evoluímos muito.

 

Você nasceu nos EUA e fala bem português. Gosta do idioma?

Quando eu estava na universidade, esqueci muito como se fala português. Parei de visitar o Brasil e não andava muito com brasileiros. Essa é uma das razões de eu ter começado a trabalhar com o meu pai. Muitos brasileiros trabalham com ele. Falo o idioma todo dia e consegui lembrar a língua, o meu português voltou um pouco. Quero continuar.

 

Deseja que essa tradição familiar continue?

Quero que as minhas crianças aprendam português também. Isso é importante para mim e para os meus pais. A minha mãe sempre fala português comigo e o meu pai metade inglês metade português. Ele não quer que eu esqueça, perca esses valores. Quando eu tiver as minhas crianças, quero que os meus filhos falem em português com a minha família.

 

 

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