Entrevista: Cristovam Buarque | Ex-governador do DF que aprovou o primeiro patrocínio do BRB a um time de futebol da capital critica investimento do Banco de Brasília em clube de fora da cidade

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Patrocínio rendeu R$ 50 mil ao Gama numa época em que a logo do BRB era vermelha: time foi campeão da Série B do Brasileirão. Foto: Anderson Schneider/CB/D.A/Press

O primeiro patrocínio do Banco de Brasília a um time de futebol faz 22 anos. Custou R$ 50 mil com direito a bônus de mais R$ 50 mil em caso de título e ajudou a catapultar o Gama à primeira divisão do Campeonato Brasileiro graças à conquista inédita da Série B em um quadrangular final contra Botafogo-SP, Desportiva-ES e Londrina-PR. Na época, o apoio foi aprovado pelo governador do Distrito Federal de 1995 a 1998, Cristovam Buarque, personagem desta entrevista ao blog.

No bate-papo a seguir, o engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário político pernambucano e torcedor do Náutico radicado no DF. Aos 76 anos, ele lembra como foi a negociação. Diz que o então mandatário do Gama, Wagner Marques, e o presidente da Federação de Futebol do Distrito Federal e vice-presidente da CBF à época, Weber Magalhães, costuraram o patrocínio.

Vinte e dois anos depois, o pioneiro da entrada do banco no mercado da bola se diz surpreso com o apoio do BRB ao Flamengo. O acordo será oficializado na manhã desta quarta-feira, na Gávea, sede do clube carioca. A logomarca, que chegou a ser vermelha na conquista do Gama na Série B de 1998, debutará na camisa do Flamengo contra o Boavista, às 21h30, pela última rodada da Taça Rio, o segundo turno do Carioca. Cristovam não aprova a sociedade. Entende o passo empresaria do BRB, mas defende que o banco do DF deveria investir em times do DF. Além disso, avalia que o acordo da estatal com o time do coração do governador não vai pega bem para o atual governador, Ibaneis Rocha.

O senhor foi responsável pela entrada do BRB no futebol, em 1998, ao patrocinar o Gama na fase final da Série B daquele ano, quando o time subiu para a primeira divisão e foi campeão. O que lembra daquela época?

Eu lembro da intervenção, na época, do presidente do Gama (Wagner Marques) e também de um presidente da federação que foi até vice-presidente da CBF (Weber Magalhães). Foram sobretudo os dois. Eles nos procuraram, conversamos, fizemos acordo e eu cheguei até a fazer o que rarissimamente fiz ao logo da minha vida: assistir jogo de futebol no estádio (risos).

Foi a última vez?

Nunca fui muito futebolista. A última vez que fui a um jogo no estádio foi nessa época do Gama. Não lembro contra quem. É bom que vocês estejam lembrando disso. Foi um bom tempo do Gama. Nunca mais se recuperou, não é? Aquele patrocínio foi único naquela época.

O apoio financeiro ao Gama à época foi de R$ 50 mil e mais R$ 50 mil em caso de título. Justo?

Foi pouco, porque olha. Vamos fazer as contas de lá para cá. Vamos comparar com o salário mínimo. O salário mínimo, naquela época, era R$ 100 (R$ 130). Agora tá R$ 1.000. Então, se foi R$ 50 mil, na mesma proporção seria R$ 500 mil, o que é muito pouco comparando com o que pode ser pago ao Flamengo. Naquela época o futebol não era uma coisa milionária como é hoje. Os jogadores não eram ricos. Pelé nunca foi rico comparando com Ronaldinho, com esse pessoal.

Há reclamações de que parte da verba não teria sido repassada pelo banco à época e que alguns jogadores até tiveram de mudar os planos. O senhor sabia dessa história?

É? Isso é um absurdo. Tem que cumprir acordo. Eu não sabia disso não.

Vinte e dois anos depois, a marca BRB passa por uma revolução: será oficializada nesta quarta-feira como sócia do Flamengo numa ação inédita de entrada do banco no mundo digital que pode render de R$ 32 milhões a R$ 35 milhões ao clube carioca por ano. Qual é a sua opinião sobre essa guinada na história do banco estatal?

Pois é, isso daí que é uma vergonha, rapaz, é uma tristeza…Eu não fico satisfeito não. O banco nosso deveria apoiar time nosso. Não fico satisfeito não. Do ponto de vista empresarial do BRB, eu não tenho como julgar se o retorno será maior ou não, mas, se o retorno lá é maior, eu respeito. Porém, deveriam fazer lá e aqui também. Diminuir um pouquinho de lá e botar mais aqui. Lá é capaz de ser bem caro, hein! Eu não gostei não quando soube disso.

Qual foi a repercussão do apoio ao Gama na época?

Você não tem ideia como o Gama ir para a primeira (divisão) deu orgulho à cidade. Eu andava na rua e o povo comentava. Foi nessa época que começamos a ter crianças torcendo pelo Gama. Não tinha. As crianças torciam pelo Flamengo, Santos… e não pelos nossos times. Naquela época, passaram a torcer pelo Gama. Isso é importante para a criança.

“Isso daí (parceria com o Flamengo) que é uma vergonha, rapaz, é uma tristeza…Eu não fico satisfeito não. O banco nosso deveria apoiar time nosso. Não fico satisfeito não. Do ponto de vista empresarial do BRB, eu não tenho como julgar se o retorno será maior ou não, mas, se o retorno lá é maior, eu respeito. Porém, deveriam fazer lá e aqui também. Diminuir um pouquinho de lá e botar mais aqui”

O senhor acha que o apoio ao Flamengo afastará ainda mais os torcedores dos times do DF?

Qualquer cidade, qualquer lugar no mundo, mas no Brasil, especialmente, se as pessoas não torcem pelo time da sua cidade, é porque a cidade não tem apego, as pessoas não se apegam à cidade. Uma das coisas que faz o apego à cidade é o time.

Mas o DF tem muitos torcedores de times de fora. Isso não vira um legado?

O pessoal velho, como eu, está certo que continue com os times de sua cidade. Eu continuo Náutico, mas as crianças precisam ter time aqui. Foi isso que eu fiz. Quando eu aceitei patrocinar o Gama era na busca dessa autoestima e para ver se atraía as crianças para torcerem por times da cidade, e não por times de fora. Pode até torcer por dois times, um da sua cidade e um de fora. Eu sempre tive um gosto pelo Botafogo, mas, naquela época em que eu era criança, adolescente, não tinha o campeonato nacional. O campeonato era o local. Não tinha transmissão pela televisão. Você só torcida pela sua cidade.

O pessoal velho, como eu, está certo que continue com os times de sua cidade. Eu continuo Náutico, mas as crianças precisam ter time aqui. Foi isso que eu fiz. Quando eu aceitei patrocinar o Gama era na busca dessa autoestima e para ver se atraía as crianças para torcerem por times da cidade, e não por times de fora. Pode até torcer por dois times, um da sua cidade e um de fora.

Há muita reclamação na cidade de que o Flamengo só conseguiu o apoio do BRB pelo fato de o governador Ibaneis Rocha ser rubro-negro declarado.

Isso aí é mais absurdo ainda, rapaz. Nem me lembrava disso. Eu lamento muito, eu lamento que seja um time de fora, e um time do próprio governador. Não vai cair bem para ele, não.

Há concorrência aos times locais maior do que a nacional, que são as potências europeias…

Hoje, o mundo ficou tão globalizado que tem muita gente, no Brasil, que torce pelo Barcelona, não tem time no Brasil. É o Barcelona, é o Real Madrid, é o Paris Saint-Germain, porque os campeonatos ficaram internacionais e transmitidos pela televisão.

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Marcos Paulo Lima

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