Aos 39 anos, Claudemir Jerônimo Fernandes Barreto, o Cacau, é protagonista de um belíssimo trabalho na Deutscher Fußball-Bund (DFB). Paulista de Santo André, o brasileiro naturalizado germânico é Embaixador de Integração da Federação Alemã de Futebol. Um dos compromissos do cargo é comandar o processo de adaptação dos jogadores às seleções de base e profissional.
“O nosso foco tanto na parte do futebol amador quanto nas categorias de base é reconquistar a identificação com a seleção e os seus valores. Trabalhamos esses pontos, mas hoje estamos impossibilitados devido à pandemia do novo coronavírus”, conta Cacau em entrevista ao blog Drible de Corpo.
O ex-atacante defendeu a Alemanha na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul. O país venceu o Uruguai na decisão do terceiro lugar. Cacau jogou 23 partidas com a camisa da esquadra europeia e balançou a rede seis vezes. Ídolo do Stuttgart, foi campeão da Bundesliga na temporada 2006/2007. No bate-papo a seguir, ele fala sobre o engajamento da DFB e dos atletas da seleção na crise, fala sobre o papel pessoal na entidade e diz o que podemos esperar da Alemanha nos Jogos Olímpicos de Tóquio e na Eurocopa.
A Federação Alemã é muito engajada com as causas sociais. Como a DFB tem ajudado a população vulnerável nesse tempo da pandemia?
Na verdade tem sido um tempo bem difícil. Todos os clubes amadores estão fechados e não têm recebido apoio do governo, por exemplo. Todas as outras empresas, autônomos, receberam investimento financeiro, mas os clubes, que são mais de 25 mil aqui na Alemanha, não ganham esse apoio e estão de portas fechadas. É um grande problema. A DFB não tem influência direta e fica limitada no trabalho com esses clubes.
Como é a sua atuação como embaixador de integração para refugiados e minorias?
Antes do coronavírus eu tinha muito trabalho de base. Muitos desses 25 mil times receberam refugiados. A intenção era criar projetos e dar apoio a esses clubes para que esses trabalhos continuem acontecendo. Meu maior trabalho é fazer com que esses clubes tenham espaço para trabalhar, campo para treinar, treinadores. Há pessoas que ajudam de maneira voluntária, não recebem dinheiro por isso. O grande trabalho é fazer com que toda essa roda da integração continue girando. Outro ponto que a gente vinha trabalhando nas categorias de base, a partir do sub-15, era criar uma identificação dos jogadores que têm dupla nacionalidade, por exemplo, com a seleção alemã.
Qual é a história mais impressionante que você viu na relação com as minorias?
O meu trabalho é menos pessoal, com histórias, e mais com os clubes, projetos maiores. Por isso, não tenho histórias específicas. Vejo superação de jovens e adultos com o desafio do idioma, de uma nova cultura depois de passar por tanto sofrimento. Isso me encanta bastante nesse trabalho.
Antes do coronavírus eu tinha muito trabalho de base. Muitos desses 25 mil times amadores receberam refugiados. A intenção é criar projetos e dar apoio a esses clubes para que esses trabalhos continuem. Meu maior trabalho é fazer com que esses clubes tenham espaço para trabalhar, campo para treinar, treinadores. Há pessoas que ajudam de maneira voluntária, não recebem dinheiro por isso. Outro ponto que a gente vinha trabalhando nas categorias de base, a partir do sub-15, era criar uma identificação dos jogadores que têm dupla nacionalidade, por exemplo, com a seleção
Tem alguma história de jogador refugiado ou vulnerável que se integrou à seleção alemã e, em breve, veremos na esquadra principal?
A maioria chegou de 2015 para cá. É muito cedo para falar sobre isso. Tem muitos jogadores que são filhos de imigrantes que vivem há muito tempo aqui na Alemanha e estão participando da seleção. Talvez, no futuro próximo, possamos ter algumas boas histórias. Hoje, a maioria é de pessoas que nasceram aqui ou os pais são daqui, ou seja, jogadores bem integrados.
Como Joachim Löw e outros jogadores da seleção têm se engajado na pandemia?
Eles criaram um fundo. Doaram 2,5 milhões de euros para ajudar, por exemplo, asilos, onde as pessoas não podem receber visitas e o contato é somente on-line. Ajudaram o asilo a comprar computadores. O Kimmich e o Goretzka, ambos do Bayern Munique, criaram uma ação, o We Kick Corona, convidaram outras pessoas e doaram 1 milhão de euros. Até a última vez que eu vi, eles haviam arrecadado 3,5 milhões de euros para apoiar instituições que passam necessidade nesse momento a aliviar essa situação.
Como tem sido a vida na Alemanha em tempos de coronavírus?
Temos vivido em quarentena, passado momentos de restrições, mas, graças a Deus, a gente mora em uma cidade pequena (Korb, Stuttgart). Não somos proibidos de sair de casa. Precisamos evitar contato social, mas vamos ao supermercado fazer compras. Moramos perto da floresta, podemos andar de bicicleta, passear, mas há regras. Não podemos passear com mais de uma pessoa, no máximo com as crianças, em família. Temos aproveitado esse tempo para ajudar as crianças em casa com as atividades da escola. Isso mudou a nossa rotina.
Eles (seleção alemã) criaram um fundo. Doaram 2,5 milhões de euros para ajudar, por exemplo, asilo, onde as pessoas não podem receber visita e o contato é on-line. Ajudaram o asilo a comprar computadores. O Kimmich e o Goretzka, ambos do Bayern Munique, criaram uma ação, o We Kick Corona, convidaram outras pessoas e doaram 1 milhão de euros
Muitos no Brasil chamam aquela seleção alemã que jogou a final das Olimpíadas de 2016 de time D, E, da Alemanha. Porém, as últimas convocações do Joachim Löw mostram que não. Alguns jogadores que foram medalha prata aqui no Brasil estão, hoje, na seleção principal. Essa transição paciente, por etapas, é um dos trunfos da Alemanha?
A Alemanha tem sido bem feliz na transição dos jogadores. Tem apostado na transição, principalmente, depois da eliminação na fase de grupos da Copa da Rússia. A velha guarda que foi campeã no Brasil (Copa 2014) foi trocada por jogadores mais jovens que têm se destacado. Joachim Löw tenta ter paciência. Não colhe o resultado que muitas vezes se espera, mas são jogadores com talento e a Alemanha confia muito nisso. A DFB tem feito um trabalho de transição muito grande.
Como avalia o isolamento social proposto pela Alemanha?
É difícil opinar não sendo especialista. O que tem sido feito aqui na Alemanha é bem organizado. Optaram pelo isolamento horizontal. Todos têm tentado seguir as regras, sensibilizar para a parte de higiene, evitar o contato com outras pessoas, manter a distância quando vai ao mercado ou a outro lugar… No Brasil, pelo que tenho acompanhado, o presidente (Jair Bolsonaro) defende o isolamento vertical, em que só as pessoas de risco ficariam isoladas e as outras iriam ao trabalho; enquanto os governadores preferem o horizontal, como tem sido feito. Há vantagens e desvantagens nos dois. No horizontal, todos acabam tendo a mesma restrição. É mais justo. A Alemanha tem tentado esse caminho. Todas as lojas ficaram fechadas. Funciona somente o essencial. Mercado, farmácias, padarias. Restaurantes fazem entrega. É proibido sentar-se para comer.
Até que ponto a economia do país ajuda?
Nos últimos seis anos, a Alemanha sempre teve superávit (o maior do mundo por três anos seguidos). Agora, tem usado essa poupança, digamos assim, para ajudar os autônomos, pequenas, médias e grandes empresas. É um apoio muito grande. O Brasil vem de grandes problemas e crises nos últimos anos e, por isso, há esse grande medo de que haja um colapso na economia. Houve divergências aqui, mas, hoje, após quatro semanas, a discussão é sobre como voltar à normalidade. Lojas de até 800 metros quadrados foram abertas a partir de 20 de abril e, agora, estão estudando a volta das escolas, dos esportes… Mas a economia é o grande tema.
Não somos proibidos de sair de casa. Precisamos evitar contato social, mas vamos ao supermercado fazer compras. Moramos (em Korb, Stuttgart) perto da floresta. Podemos andar de bicicleta, passear, mas há regras. Não podemos passear com mais de uma pessoa, no máximo em família com as crianças. Temos aproveitado para ajudar as crianças nas atividades da escola. Isso mudou a nossa rotina.
O RB Leipzig lidera a Bundesliga. Qual é o segredo do time?
Estavam muito bem até a paralisação, mas agora as cartas foram misturadas novamente. Vamos ver quais times cumpriram melhor os treinos em casa, se prepararam. Os jogadores nos treinamentos individuais, veremos quem se dedicou ou não, e aí tudo isso vai se refletir em campo. A Bundesliga pode voltar em 9 de maio. Estão planejando como. Com portões fechados, protocolo de higiene e com quantas pessoas no estádio. Montaram uma equipe médica para ajudar no planejamento. estamos na expectativa se o RB Leipzig continuará com essa força toda.
Você é a favor da conclusão da Bundesliga ou que o campeonato deveria ser encerrado?
Eu sou a favor de que o campeonato termine. Muitos clubes dependem disso. Do contrário, alguns podem até decretar falência. Isso seria o fim do futebol alemão como a gente conhece hoje. Acho importante acabar nem que seja com portões fechados para que se minimize um pouco a perda. Nesse tempo de sofrimento, de restrição, é importante que haja algo diferente do coronavírus para se conversar. O futebol é um bom ator nisso.
Nos últimos seis anos, a Alemanha sempre teve superávit (o maior do mundo por três anos seguidos). Agora, tem usado essa poupança, digamos assim, para ajudar os autônomos, pequenas, médias e grandes empresas. É um apoio muito grande. O Brasil vem de grandes problemas e crises nos últimos anos e, por isso, há esse grande medo de que haja um colapso na economia
Alemanha teve Paulo Rink, Kevin Kuranyi, Cacau… Quem será o próximo brasileiro na seleção da Alemanha?
Difícil dizer neste momento. Vamos ver. Temos vários filhos de brasileiros que acabaram ficando por aqui. Aguardemos se eles conseguirão esse privilégio, mas não há nada em vista, ainda, para resgatarmos aquele tempo em que defendemos a Alemanha.
O que esperar da seleção olímpica da Alemanha nos Jogos de Tóquio? E da principal na Eurocopa?
Tanto a seleção olímpica quanto a da Eurocopa vão com algumas mudanças. Para uns foi bom a mudança dos torneios para 2021, mas para outros nem tanto. Eu penso que a Alemanha será forte como sempre, mas não como a principal força. O grupo na Euro tem França e Portugal. É um grande desafio. Em Tóquio, teremos muitos jovens e um ou outro mais experiente. O foco será mesmo na Eurocopa.
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