Alexsandro de Souza, o Alex, fez 423 gols e deu 355 assistências em 1.035 jogos na carreira, mas a recente obra-prima do meia aposentado não foi com as “canetas”. Aos 41 anos, ele trocou os pés pelas mãos e tabelou com o escritor Anderson Olivieri para comemorar os 15 anos da tríplice coroa do Cruzeiro. Em 2003, o melhor time da era dos pontos corridos conquistou o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e o Campeonato Mineiro. 2003: A tríplice coroa de um time mágico, será lançado nesta segunda-feira, em Brasília, numa noite de autógrafos na 104 Sul. Antes do gol de letra, Alex bateu um papo exclusivo com o blog Drible de Corpo. Ele justifica por que aquele time liderado por Vanderlei Luxemburgo é o melhor da era dos pontos corridos e dá alfinetadas em alguns jogadores e treinadores preguiçosos. No bate-papo a seguir, o comentarista dos canais ESPN critica, por exemplo, a falta de especialistas em cobranças de falta, escanteio e até a indefinição do cobrador de pênaltis do time. Bem diferente da organizada esquadra celeste de 2003…
Orgulhoso de registrar os bastidores da tríplice coroa em um livro?
Fantástico. Eu fiquei muito feliz na hora de escrever algumas recordações, algumas coisas que o tempo vai escondendo. Conversando com outros jogadores, a gente riu, se divertiu, se emocionou fazendo. A construção do livro é muito satisfatória.
Quando surgiu essa tabelinha com o escritor Anderson Olivieri?
Aí em Brasília. Estávamos à mesa, surgiu o assunto futebol, caiu para o Cruzeiro, aí o Anderson começou a falar da idolatria dele pelo clube. Eu brinquei com ele. Disse que sabia que ele estava aposentando a caneta, havia escrito um livro sobre 2003, mas a ideia era contar por um prisma diferente, do jogador, bastidor, direto da fonte. Ele topou. Fui atrás dos jogadores, eles assimilaram, algumas história foram vetadas, e a gente contou o que achava que podia. Ficou legal, leve, bem escrito. Tem a história daquele time de dezembro de 2002 até o jogo contra o Bahia, em dezembro de 2003.
O Cruzeiro fez 102 gols naquela campanha. O centésimo deveria ser seu e o Felipe Melo “tomou”?
As referências do time éramos eu, Aristizábal, Cris, Maldonado… O Felipe era um jogador importante, mas ele era menino. Aí, quando a gente volta do intervalo (para o jogo contra o Bahia), o Vanderlei (Luxemburgo) disse que o meu era para ser o centésimo, mas eu queria era bater o recorde do Ronaldo, que fez cinco gols no Bahia, no Rodolfo Rodríguez. Se eu fizesse mais dois, passaria o Ronaldo, e teria a chance de ser o maior artilheiro do Cruzeiro num só Brasileirão. Eu acabei conseguindo. Fiz 23 gols. Porém, numa jogada minha, o Felipe Melo faz o centésimo gol do time naquela campanha. Ele brinca dizendo que não era referência, mas quando perguntam quem fez o centésimo gol, respondem que foi o Felipe Melo.
Alguma chance de outro clube conquistar tudo, como o Cruzeiro de 2003?
Acho que sim, mas depende muito de quem comanda e como vê o jogo. O Vanderlei (Luxemburgo) queria que o time jogasse. Se pudesse ser bonito, melhor ainda. Antes dele houve outros, mas depois não tem. O Muricy é vencedor, mas super pragmático. O Mano também. O Felipão vence, mas é pragmático. Em termos de resultados, outro clube pode conquistar tríplice coroa. O Palmeiras está fazendo um grande elenco. Se os jogadores se comprometerem e correrem atrás disso, a possibilidade novamente é possível.
Os outros campeões que me desculpem, mas Aquele Cruzeiro poderia até não ser campeão, mas marcaria época. Foi um timaço, eleito até outro dia o melhor da era dos pontos corridos, o time que mais encantou nos últimos tempos
O Cruzeiro de 2003 não tinha um elenco como o do Palmeiras 2018…
Aí é o grande lance. A gente não tinha um grande elenco, tínhamos um grupo reduzido. Mas a gente valorizava o que tinha. Nós jogamos uma final de Copa do Brasil com um meio de campo formado por três meninos da base. Jogaram Wendel, Augusto Recife e Jardel. Sem contar o Gladstone, de 17 anos.
Qual foi o papel do Luxemburgo no seu sucesso?
Aprendi ao longo da carreira que o grande treinador é aquele que esconde os defeitos e valoriza as qualidades. O meu jogo tinha vários defeitos, mas o Vanderlei fez questão de esconder os defeitos e valorizar as minhas qualidades. Ele apostou no que eu tinha de melhor, que era a parte criativa, com a bola. Eu tinha participação sem ela, mas a contribuição era pequena perto do que eu fazia com a bola.
Foi o auge da carreira do Luxemburgo?
Sim. Hoje, todo mundo fala: “campeão da tríplice coroa”. Mas, se nós pegássemos naquele momento a carreira de cada um, certamente não colocaríamos o Cruzeiro como favorito a fazer o ano que fez. Aconteceu porque o Vanderlei trabalhou muito e nos deu condição para jogar o futebol que praticamos.
O que o torcedor descobrirá no livro?
As pessoas perguntam por que o Marcelo Ramos, nosso artilheiro, saiu, se o grupo era tão bom. A gente conta como funcionava a saída e a chegada de jogadores. Como era o papel de cada um na tomada das decisões. Por exemplo: a gente tinha um supercampeão, que era o Zinho, e ele vem para ser reserva. Não era um qualquer! A gente conta o que ninguém via. Como a gente ganhava muito, parecia que tudo estava bem. Tem muita história que vira verdade, mas não é verdade. É um livro contado do vestiário para fora.
Programe-se
2003: A tríplice história de um time mágico
Quando: nesta segunda-feira (3/12)
Onde: Restaurante Carpe Diem – 104 Sul
Horário: 19h às 22h30
Entrada: franca
Valor do livro: R$ 39,90
Formas de pagamento: dinheiro, cartão de débito e crédito.
Os campeões na era dos pontos corridos têm poucos camisas 10 clássicos como você. Petkovic (Flamengo), o Conca (Fluminense). Esse cara acabou?
Acabou. Hoje, esse camisa 10 geralmente tem uma certa dificuldade para marcar, na recomposição, que é a palavra da moda. Não se forma mais jogadores assim. O Ganso começou como 10 no Santos e depois virou 8 no São Paulo, veio para trás. O Thiago Neves foi assim, hoje não é mais. Atuou de falso 9 no Cruzeiro. O treinadores, hoje, preferem jogadores muito mais participativos do que eu, Pet e o Conca fomos. O Diego sempre foi 10, hoje está mais armador do que ponta de lança. As coisas vão mudando. O Dudu deve ser eleito o melhor jogador do Brasileirão e fez oito gols no campeonato. Quando eu marcava sete, oito gols no Campeonato Brasileiro, era criticado. Ainda existe esse jogador (camisa 10), mas é utilizado dentro de uma outra característica.
Falta perto da área era perigo naquele Cruzeiro. Cadê os especialistas no futebol brasileiro?
Especialista não tem mais na falta, na falta lateral nem no escanteio. Os especialistas foram acabando. Tem time que não escolhe batedor de pênalti, que é uma coisa que me chama muita atenção. Todo time tinha isso, o primeiro, o segundo, o terceiro batedor. Hoje, brigam pela bola para bater. Isso é culpa do técnico, do próprio jogador que não treina.
Qual é o gol inesquecível na saga da tríplice coroa?
Eu tenho um carinho muito grande pelo gol contra o Fluminense na penúltima rodada (5 x 2). O time de 1966 foi ao Mineirão nos entregar a faixa, eu tive a felicidade de receber a minha do Dirceu Lopes. Jogamos soltos. O gol foi lindo pela dificuldade na execução. Eu tive de pensar rápido e executei de uma forma perfeita. Pego bem na bola, encubro o goleiro. Assistência, foi aquela para o Luisão na decisão da Copa do Brasil contra o Flamengo, o terceiro gol. É aí que eu falo do treinador. O Vanderlei treinou muitos lances de bola parada nos dois dias antes da final. E aí, pego bem na bola e ela vai exatamente onde nós treinamos.
Daquele time, o Deivid é praticamente o único que virou treinador…
Ele pensava em ser técnico desde os 26, 27 anos. Jogou comigo no Fenerbahçe, da Turquia. Num belo dia, ele chega com uma garrafa de vinho e um campo magnético. Aí ele disse: ‘cara, vamos falar de futebol porque um dia a gente vai precisar disso’. Eu peguei o meu campinho magnético e guardei na gaveta, mas ele continua usando o dele, sempre teve esse interesse. Aquele grupo daria bons técnicos porque se conversava muito sobre futebol, mas isso é individual. O Cris está lá no Lyon, começou comandando as divisões de base e vem subindo.
Você deseja ser técnico?
Penso nisso todo dia, mas aí, eu olho para o meu filho de oito anos, outra de 12, outra de 14, e se eu for treinador perco tudo isso. Eu prefiro ter isso no momento e, lá na frente, se eu tiver esse mesmo sentimento, tento alguma coisa.
Por que o apaixonado por futebol tem que comprar o livro?
Porque esse time jogou futebol. Em momento algum do ano, ele se defendeu, montou uma retranca. Não jogamos atrás em nenhum estádio no Brasil. Jogamos igual desde a primeira partida, em Uberaba, até a última, contra o Bahia (em 14 de dezembro de 2003). Atacando, buscando ter a bola, mostrando variações de ataque. Houve um jogo em que não respeitamos o adversário e fomos punidos com a derrota. A gente conta isso no livro. Jogamos futebol na essência. Tabelamos, driblamos, buscamos espaço.
Penso nisso (em ser técnico de futebol) todo dia, mas aí, eu olho para o meu filho de oito anos, outra de 12, outra de 14, e se eu for treinador perco tudo isso. Eu prefiro ter isso no momento e, lá na frente, se eu tiver esse mesmo sentimento, tento alguma coisa
É o melhor campeão da era dos pontos corridos?
Os outros campeões que me desculpem, mas cada um ganha do jeito que o treinador imagina. Aquele Cruzeiro poderia até não ser campeão, mas marcaria época, as pessoas lembrariam. Uns sete jogadores ficaram famosos depois, mas, em 2003, eram dois ou três. Foi um timaço, eleito até outro dia o melhor da era dos pontos corridos, o time que mais encantou nos últimos tempos. O São Paulo, tricampeão em 2006, 2007 e 2008, era bom, marcava muito, mas passava dificuldades. Nós passamos poucas dificuldades.
Recentemente, você, símbolo daquele Cruzeiro de 2003, bateu um papo cabeça simplesmente com o Tostão, ícone do time de 1966. Como foi esse encontro de ídolos no seu programa?
Eu me sinto um privilegiado. Ele sempre falou bem sobre mim, é solícito. Marcamos o encontro da casa dele. No dia da entrevista, eu encontrei o Dirceu Lopes e disse que estava agendado com o Tostão. Ele brincou, disse que o Tostão não atenderia, mas foi diferente. Nós quase perdemos o voo de volta.
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