Ela tem poder de voto da Federação Inglesa: um bate-papo com a brasileira Kaite Bernardo

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A presença brasileira na Premier League vai muito além dos 34 jogadores inscritos em 15 dos 20 clubes do Campeonato Inglês ou da presença de Edu Gaspar no cargo de diretor esportivo do vice-líder Arsenal. O país tem uma mulher entre os 15 membros do Painel da Football Association (FA) — a CBF da terra do Rei Charles III, criada em 1863. Ela tem poder de voto no conselho em debates como igualdade, diversidade, racismo, entre outros, como as contratações depois do Brexit, a saída da Inglaterra da União Europeia. Em entrevista ao blog, a paulistana Kaite Bernardo fala sobre a experiência de morar e trabalhar no futebol inglês há 16 anos, explica o sucesso do torneio mais rico e badalado do mundo, deixa recado para as ligas antagônicas do Brasil e revela como convenceu Jorge Jesus a dar palestra em Lisboa.

Você acaba de participar, em São Paulo, do Sports Summit. O futebol brasileiro está muito atrasado em relação à Europa?

Temos muito a evoluir. Ainda existem muitos temas que precisam ser abordados e atualizados para nos equiparar aos países mais desenvolvidos do futebol, como a Inglaterra e a Europa como um todo. Algumas dessas questões incluem a adoção de novas tecnologias de campo, uso de dados e análise de desempenho, a melhoria da infraestrutura nos estádios, os centros de treinamento, a modernização das competições e a atualização dos regulamentos.

Em 1987, o Brasil criou a Copa União, uma liga pioneira antes mesmo da Premier League. Por que a ideia não prosperou aqui e na Inglaterra é um sucesso?

Por causa da falta de autonomia dos clubes em relação à CBF. As dificuldades financeiras e de gestão dos clubes, o contexto político e econômico diferente do Brasil em relação à Inglaterra. A Premier League se tornou um sucesso devido a qualidade de gestão dos clubes, a popularidade do futebol na Inglaterra e a força dos direitos de transmissão.

A FA se desapegou do Campeonato Inglês. Essa é a chave para a virada?

A criação da Premier League permitiu que os clubes tivessem mais controle sobre as finanças e negociassem os próprios contratos. O nascimento da Liga se deve a vários fatores, incluindo a boa administração, a forte governança, competitividade e o investimento em jogadores e treinadores de alto nível.

Você está na Inglaterra há 16 anos. O que explica o sucesso da Premier League e o que as duas ligas antagônicas do futebol brasileiro — Libra e LFF — devem tirar de lição?

A Premier League é bem-sucedida devido aos investimentos em infraestrutura, marketing, além de atrair os melhores jogadores do mundo. A união das ligas antagônicas no futebol brasileiro é fundamental para o desenvolvimento do esporte no país, mas há questões muito complexas envolvidas. É preciso trabalhar juntos com transparência e comprometimento para encontrar uma solução viável e justa.

O maior impasse é a divisão das cotas de tevê. Como o futebol inglês superou isso?

Com um acordo entre os clubes que estabeleceu uma divisão mais igualitária dos recursos financeiros e uma estratégia de marketing bem-sucedida. No Brasil, a criação de uma liga que possa resolver essa questão também pode passar por um acordo entre os clubes, mas é importante buscar soluções adequadas para a realidade brasileira.

O trabalho da FA é formidável nas divisões de base. Em 2017, a Inglaterra conquistou o Mundial Sub-17 e o Mundial Sub-20. A que se deve isso?

A FA tem investido consistentemente nas categorias de base e em programas de desenvolvimento, adaptando as melhores práticas internacionais às necessidades dos jogadores ingleses.

O projeto na base impacta as seleções principais. A Inglaterra é vice na Euro masculina e atual campeã no feminino. Isso é reflexo do investimento?

O investimento na base tem um impacto significativo. No entanto, outros fatores como a qualidade dos técnicos, o planejamento estratégico e o trabalho em equipe desempenham um papel importante.

Qual é o estágio do futebol feminino na Inglaterra?

É uma realidade e vem crescendo nos últimos anos. A seleção feminina é uma das mais fortes da Europa. A Inglaterra tem feito esforços para superar o machismo no futebol com planos de desenvolvimento do futebol feminino e uma melhor cobertura da mídia. Ainda há muito trabalho, mas a Inglaterra está caminhando na direção certa para tornar o futebol feminino parte integral do esporte no país.

Qual tem sido o impacto Brexit no futebol inglês?

A saída da União Europeia teve impacto no futebol inglês. Os jogadores europeus precisam, agora, passar por um processo de visto para jogar na Inglaterra. Isso pode tornar o processo mais complicado e demorado. Como resultado, o mercado da América do Sul e outras regiões fora da União Europeia podem se tornar mais relevantes para os clubes ingleses. Ainda é cedo para avaliar completamente o impacto do Brexit no futebol inglês.

Como funciona a Regra dos Pontos de Trabalho, que não permitiu ao jovem volante Andrey Santos, vendido pelo Vasco ao Chelsea, estrear na Premier League nesta temporada?

É compreensivo que haja confusão em relação aos critérios para estrear na Premier League, especialmente quando se trata de estrangeiros. A Regra de Pontos de Trabalho é aplicada para garantir que os jogadores de fora do espaço econômico europeu atendam a critérios para obter uma licença de trabalho: o número de partidas disputadas pela seleção nacional, o ranking da seleção nacional, o valor da transferência, o salário do jogador, entre outros fatores. Uma das formas de acumular pontos é por meio da participação em jogos da seleção nacional. É uma indicação do o nível de habilidade e experiência.

Quais são as dicas para os pais de meninos e meninas que sonham em ver o filho na Inglaterra?

Aprender sobre academias de futebol na Inglaterra. São locais de treinamento de elite para jovens jogadores de futebol. É importante que os pais pesquisem e aprendam sobre elas para entender como os filhos podem ser selecionados e treinados nelas. Manter-se atualizado sobre os clubes de futebol na Inglaterra, especialmente aqueles com histórico de contratar jovens jogadores talentosos. Saber quais clubes são propensos a isso pode ajudar a direcionar o treinamento do seu filho.

A FA é uma das federações mais engajadas em questões como a diversidade. Como tem sido esse processo, inclusive com jogadores como o jovem Jake Daniels do Blackpool, se tornando o primeiro jogador do Reino Unido a se assumir homossexual?

A entidade tem tomado medidas para combater a discriminação, mas ainda há a muito a ser feito para tornar o futebol ainda mais inclusivo e justo. É importante que todos estejam conscientes da importância da inclusão e da diversidade.

Você é uma das 15 participantes do Painel da FA, uma espécie de Conselho da “CBF inglesa”. Como tem sido o combate ao racismo?

A Inglaterra tem tomado medidas significativas no futebol e na sociedade em geral, incluindo leis, políticas e iniciativas da Federação Inglesa de Futebol e da Premier League. A Lei da Igualdade, de 2010, é uma das mais importantes adotadas pela Inglaterra para garantir o tratamento justo e igualitário, independentemente de raça, religião ou outros fatores.

Como foi a luta pessoal para conquistar espaço em um esporte machista?

No início da minha carreira, eu era frequentemente a única (mulher). Isso, por vezes, gerava situações desconfortáveis, comentários desrespeitosos ou desconsideração em relação às minhas opiniões. Eu sempre me mantive firme no objetivo de fazer o meu trabalho e conquistar o respeito dos meus colegas. Encontrei pessoas incríveis que valorizaram a diversidade e a inclusão. Busquei formas de me aprimorar profissionalmente com o intuito de ganhar credibilidade e respeito pelo meu conhecimento e habilidade independentemente do meu gênero.

Ainda há preconceito?

Infelizmente, ainda vejo preconceito não apenas ao gênero, mas em relação a raça, etnia, orientação sexual. É importante continuar lutando por uma indústria de futebol mais inclusiva e justa. Estou otimista em relação ao futuro e comprometida em fazer a minha parte para ajudar a criar uma indústria mais justa e inclusiva.

Hoje, você é CEO do Global Football Management e Executiva da IBP&M, ambas com sede em Londres. De que forma contribuem para o debate e a modernização do futebol?

O GFM reúne especialistas e líderes do setor para discutir as principais questões relacionadas ao futebol mundial, como patrocínio, direitos de transmissão, marketing esportivo, gestão, entre outros temas. A AIB, como CEO, posso dizer que fornece soluções inovadoras de consultoria e gestão para organizações esportivas.

O técnico português Jorge Jesus é conhecido por não compartilhar conhecimento. Como você o convenceu a dar palestra?

A participação do Mister Jorge Jesus no GFM, no Estádio da Luz, foi uma grande surpresa. Ele é bastante reservado em relação aos métodos de trabalho. A presença no evento demonstrou a importância que ele atribuiu ao diálogo e à troca do conhecimento entre os profissionais do futebol.

Aceitaria o desafio de criar ou desenvolver a liga no Brasil?

Claro, ficaríamos honrados em contribuir com o nosso conhecimento e a experiência na indústria esportiva para a criação e desenvolvimento de uma liga no Brasil. O futebol brasileiro tem um grande potencial e estamos comprometidos em ajudar, se for o caso de tornar essa liga uma realidade.

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Marcos Paulo Lima

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