Ronaldo tem uma baita virtude dentro e fora de campo: a capacidade de antever os lances. Era assim nas quatro linhas. Continua sendo no papel de empresário. Lançar moda é definitivamente com o Fenômeno. Ousadia não falta. Em 2008, treinava no clube do coração Flamengo e surpreendeu ao assinar contrato com o Corinthians. Com aquele ato, inaugurou uma nova era de reforços badalados vindos da Europa.
O Flamengo repatriou Adriano “Imperador”. Depois fez uma engenharia para ter Ronaldinho Gaúcho. O Fluminense buscou Fred na França. Roberto Carlos uniu-se a Ronaldo no Corinthians. O Santos juntou Robinho a Neymar e Paulo Henrique Ganso em 2010. No ano seguinte, o Vasco realizou o sonho de ter novamente Juninho Pernambucano em São Januário. O Botafogo ousou ao contratar o holandês Clarence Seedorf.
Aposentado desde 2010, Ronaldo está novamente na vanguarda. Mais uma vez se antecipa. Surpreendeu o futebol brasileiro ao tornar-se sócio majoritário do Cruzeiro. Inaugurou a era das Sociedades Anônimas de Futebol (SAF) e acaba de transformar o clube mineiro no primeiro case de sucesso do novo modelo de gestão. O time celeste está na Série A depois da vitória por 3 x 0 contra o Vasco na noite desta quarta-feira, no Mineirão.
A solução aplicada ao Cruzeiro pode consolidar a revolução em outros clubes quebrados do país — e não são poucos. Dos outros três integrantes do G-4, o Vasco aderiu à SAF. O Bahia deve oficializar a mudança nesta sexta.
Se a ida de Ronaldo para o Corinthians inaugurou a caça dos clubes brasileiros a um “Fenômeno” para chamar de seu, o resgate do Cruzeiro provocará uma corrida ao mercado em busca de outros milionários. Como diz um colega meu ao analisar esse novo cenário, “o futebol brasileiro quebrou, mano. Os times precisam de donos”, não cansa de dizer.
Há poucos ex-jogadores interessados nessa aventura. Quem topa brincar disso procura mercados com mais credibilidade. David Beckham é o dono do Inter Miami, franquia da elite da Major League Soccer, a liga profissional de futebol dos Estados Unidos. Pelé do basquete, Michael Jordan comprou o Charlotte Hornets em 2010. Ganhou, mas perdeu muito dinheiro. Vendeu parte das ações em 2019. Amargou prejuízo de mais de R$ 1 bilhão em 2021.
O investimento agressivo de Ronaldo no Cruzeiro causou impacto e narizes torcidos. O time celeste sofria havia no mínimo três anos com más notícias. Dívida de R$ 1 bilhão. Falência batendo à porta. Três anos na segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Ronaldo virou um oásis no deserto. Daí o mosaico aberto pela torcida para o ídolo e mecenas celeste na festa do acesso.
O Cruzeiro deu o primeiro e importante passo que causou rebuliço no futebol brasileiro. Afinal, Ronaldo ama lançar moda. Sempre foi ousado quando jogava. Por que não seria agora no papel de executivo? Dispensou o goleiro e ídolo Fábio. Mandou Vanderlei Luxemburgo embora. Abriu mão do promissor Vitor Roque, negociado com o Athletico-PR.
Ronaldo tinha a dimensão do risco. Em 2014, anunciou a compra de cerca de 10% do Fort Lauderdale Strikers, um time que, à época, jogava na segunda divisão dos Estados Unidos. Vendeu a participação no clube em 2016 e o time faliu na temporada seguinte. Antes de comprar o Cruzeiro, adquiriu o Valladolid, clube da segunda divisão da Espanha.
Enquanto o arquirrival Atlético-MG fazia barulho com seu triplete no fim do ano passado, o Cruzeiro celebrava a possibilidade de se livrar do buraco em que gestões do passado meteram o clube. Ronaldo é o troféu. O salvador da pátria celeste nos novos tempos do futebol brasileiro. O desafio será muito maior em 2023.
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