Dia do Goleiro: memórias de quando o peso da profissão foi maior do que o amor à própria vida

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A estatística é da Organização Mundial de Saúde (OMS): cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos no mundo, o equivalente a uma morte a cada 40 segundos. Os dados foram divulgados no último Setembro Amarelo, no Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio. No Brasil, o alerta começa na quantidade de casos de depressão. Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 12 milhões de habitantes sofrem da doença — 5,8% da população do país. Trinta pessoas tiram a própria vida por dia no Brasil.

O esporte não está imune. Muito menos o futebol. O assunto ainda é um perigoso tabu, mas no Dia do Goleiro, o blog faz um alerta sobre a posição mais cobrada, pressionada e, às vezes, injustiçada da modalidade mais popular do mundo. Basta lembrar a histórica entrevista de Barbosa, apontado como responsável pela derrota do Brasil para o Uruguai na última rodada do quadrangular final da Copa do Mundo de 1950. “No Brasil, a pena máxima (de prisão) é de 30 anos, mas pago há 40 por um crime que não cometi”, desabafou o goleiro, que morreu há 20 anos, em 7 de abril de 2000.

Nelson Rodrigues lembrou o calvário do goleiro em uma crônica publicada em 1959. “Quando se fala em 50, ninguém pensa num colapso geral. (…) O sujeito pensa em Barbosa, o sujeito descarrega em Barbosa a responsabilidade maciça, compacta, da derrota. (…) O brasileiro já se esqueceu da febre amarela, da vacina obrigatória, da (gripe) Espanhola, do assassinato de (senador) Pinheiro Machado. Mas o que ele não esquece, nem a tiro, é o chamado frango de Barbosa”.

O goleiro suportou a pressão por 50 anos. Morreu em decorrência das complicações de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Outros colegas de profissão dele não suportaram a pressão por tanto tempo. Abreviaram a própria vida devido ao medo do fracasso e a depressão causada dentro e fora das quatro linhas. Cometeram suicídio. É disso que trata o blog no Dia do Goleiro. Lembramos tristes episódios em que heróis e anti-heróis da camisa 1 não tiveram a força de Barbosa para agarrar a própria vida até o último fôlego.

A seguir, histórias de quando o peso da profissão de goleiro foi maior do que o amor à própria vida.


» Robert Enke
Carl Zeiss Jena, Borussia Monchengladbach, Benfica, Barcelona, Fenerbahçe, Tenerife e Hannover 96

Entremos no túnel do tempo. Temporada 2002/2003 da Copa do Rei da Espanha. O Barcelona visita o Novelda em partida única. É responsabilizado pela derrota por 3 x 2 e pela consequente eliminação precoce do time azul-grená e desabafou com o amigo Ronald Reng. “Já me sentia morto no Barcelona”, desabafou. Reng acrescentou em entrevista ao diário Observador: “Robert Enke culpava-se muito. Não sabia lidar com os erros”, contou.

Segundo Reng, a autocobrança de Enke o pressionava desde a adolescência. Aos 17 anos, Enke falhou em uma partida de futebol há 70km da cidade de Leipzig com a camisa do FC Carl-Zeiss. Cometeu um erro e viu seu mundo cair. “Enke grancou-se no quarto e não foi à escola durante uma semana. Ficou preso em pensamentos sombrios”.

Em 2009, com apenas 32 anos, o ex-goleiro do Barcelona, Hannover 96, Fenerbahçe e da seleção da Alemanha se jogou no trilho de uma ferrovia três anos depois da morte de sua filha de dois anos, em 2006. Enke iniciou um tratamento em 2003. Sentia medo do fracasso. Deixou o Fenerbahçe depois do primeiro jogo. Parte da torcida atirou objetos e vaiou o goleiro. O trauma virou tabu. Enke recusou um tratamento mais intenso. Queria evitar que o problema fosse reconhecido publicamente e comprometesse a carreira dele. A perda da guarda de uma filha adotiva havia agravado a situação.

O que disse o médico

“Mesmo no dia do suicídio, ele me ligou e garantiu que estava melhor”
Valentin Makser, que diagnosticou o jogador com depressão

O que disse a esposa

“Nós tínhamos nós, ele tinha futebol e Leila. Tentei ficar ao lado dele, fui com ele para o treinamento. Pensei que, com amor. poderíamos superar tudo”
Teresa Enke

O disse o pai

“Acredito que essa não é uma doença que surgiu de dentro, mas se originou nas circunstâncias de sua vida. O medo teve um papel muito importante”
Dirk Enke


» Sergio Schulmeister

Defensores de Belgrano, San Miguel, Atlético Rafaela e Huracán

Foi encontrado morto pela polícia na cozinha de casa, em 4 de fevereiro de 2003, com um cinto amarrado ao pescoço. O diretor técnico do Huracán, Carlos Babington, suspeitou que algo havia acontecido desde que o goleiro sumiu dos treinos e não se apresentou para um amistoso contra o Arsenal. O goleiro José Luis Yanieri e outros companheiros de equipe como Pablo Monsalvo e Darío Gigena bateram várias vezes na porta da residência de Schulmeister. Não houve resposta e as autoridades foram chamadas. Schulmeister havia tentado se matar em 25 de setembro de 2001 , quando defendia o Atlético Rafaela tentando cortar o pescoço com uma faca de cozinha. Na época, a namorada conseguiu impedir.

Depoimentos

Segundo comentários de amigos, Schulmeister não superou uma decepção amorosa, era melancólico e tinha dificuldade de superar o luto causado pela morte prematura do pai.


DESABAFO

“A análise sobre a atuação de um goleiro é diferente do restante do time. Quando um atacante erra um chute, seja porque o goleiro rival consegue desviar a bola ou porque ela bate na trave ou passa perto do gol. Os companheiros reagem aplaudindo, motivando o jogado da linha, dizendo: “Boa, a próxima entra!” O público até se levanta e o aplaude pela falha. E diante de um erro de goleiro? Depois de sofrer um gol, nunca ouvi um: ‘Boa, o próximo gol você evita!’. Menos ainda vi a platéia aplaudir um goleiro depois de atingir um um objetivo mínimo”
Fabián Israel Villaseñor, ex-goleiro do Veracruz, Jaguares, Tecos, Chiapas, Morelia, San Luis e Puebla


» Alberto Vivalda

River Plate, Millonarios, Union Santa Fe, Platense

Jogou-se nos trilhos da ferrovia Mitre, em 4 de de fevereiro de 1994. O goleiro argentino havia sido diagnosticado com depressão. Estava abatido com problemas financeiros e familiares. A morte do jogador foi mistério durante um mês.


» Héctor Damián Larroque

Boca Juniors, Godoy Cruz, San Miguel, Villa Mitre, San Martín, Estudiantes, San Martín, Huracán e Sportivo Italiano

Foi encontrado morto no terraço do apartamento em 2 de agosto de 2011. Estava deprimido devido à aposentadoria do futebol, a luta pela posse da filha, o abandono de parte da família.


» Lester Morgan

O goleiro costarriquenho do Herediano cometeu suicídio ao atirar na cabeça, em 2002.


» Dale Roberts

O goleiro do Sunderland e Nottingham Forres se enforcou em 2010.


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Marcos Paulo Lima

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