De Robinho a Cuca: escândalos colocam em xeque o papel do RH em um clube de futebol profissional

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Em 2020, o Santos tentou contratar Robinho. O atacante era acusado à época de violência sexual na Itália, quando o caso estava na fase de recurso. A Justiça do país europeu pede a extradição do jogador ou que ele cumpra a pena no Brasil. A opinião pública questionou o clube paulista e o então presidente em exercício, Orlando Rollo, desistiu da volta do ídolo alvinegro.  Três anos depois, foi a vez de o Corinthians arriscar um “vai que cola”. Claro que não colou. Condenado por estupro no episódio de 1987 batizado como “Escândalo de Berna”, Alexi Stival, o Cuca, não suportou a pressão e pediu para deixar o clube depois da vitória por 5 x 4 nos pênaltis contra o Remo-PA, em Itaquera, pela terceira fase da Copa do Brasil.

Os comportamentos corporativos de Santos e Corinthians colocam em xeque o compliance de clubes teoricamente profissionais. É óbvio que Robinho e Cuca têm direito a se defender, a provar a inocência, mas é evidente, também, que o departamento de recursos humanos de um clube de futebol precisa analisar e avaliar com lupa o currículo dos profissionais recrutados pela agremiação. A pergunta é: dirigentes interagem com esse setor do clube ou buscam profissionais como bem entendem, passando por cima de um setor vital para o sucesso de uma gestão?

Firmas sérias do mundo corporativo puxam, no mínimo, o nada costa de qualquer candidato a emprego. Avaliam o alinhamento com a cultura e os valores da empresa. No ato da contratação, então, nem se fala. É quase impossível tomar posse no serviço público ou privado sem passar por esses filtros. Talvez, o futebol considere jogadores, técnicos e dirigentes acima do bem e do mal habitando em um planeta paralelo. Uma ilha. Não mais.

Há um artigo interessantíssimo no portal Universidade do Futebol com o título RH no futebol — a humanização e o futuro do jogo. O texto é assinado por Arthur Sales. Em um trecho riquíssimo, a psicóloga Juliana Mazepa, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas e líder do Grupo de estudos sobre Neurociência e Desempenho na Universidade do Futebol combate, por exemplo, o desprezo do futebol pela análise de perfil comportamental.

“No futebol, o RH ainda é visto como uma área de departamento pessoal, que faz pagamentos de folha, questões burocráticas. Não existe nos clubes a área, ou subáreas do RH, o chamado T&D, que é treinamento e desenvolvimento, que contempla a análise de perfil comportamental, direcionamento de carreira, análise por competências, desenvolvimento de competências, sinergia de grupo, treinamento de líderes e gerentes, fortalecimento da cultura organizacional, tudo isso que já acontece em grande parte das empresas, mas não no futebol. É essa mudança que precisa acontecer definitivamente”, critica.

Juliana Mazepa recomenda em declaração no artigo: “Os clubes poderiam aperfeiçoar esses processos começando pela análise do perfil comportamental, quando é feito o alinhamento do desejo e o talento profissional que a pessoa tem com a necessidade do clube. Esse olhar de alguém específico para o desenvolvimento de carreira é, com certeza, uma área que os clubes vão precisar explorar, obrigatoriamente. Se a gente quer elevar o nível do resultado em campo, da performance do atleta, a gente precisa elevar o nível técnico e comportamental de todas as pessoas que trabalham no entorno”.

Impressiona a desconexão do presidente Duílio Monteiro Alves, seus pares e até mesmo de cartolas de outros clubes da realidade. Fingem, por exemplo, esquecer que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) afastou recentemente o ex-presidente Rogério Caboclo do cargo por causa de assédio sexual e moral. Ignoram a prisão de Daniel Alves, em Barcelona, por causa de violência sexual em uma boate no fim do ano passado. Será que nenhum dirigente do Corinthians lembrou do impacto desses episódios antes de sugerir a ideia de contratar Cuca? Esperavam que não houvesse repercussão alguma em um clube do tamanho do segundo clube mais popular do país, historicamente engajado em questões sociais?

Os “cases” de contratações no mínimo controversas vão além de Robinho e de Cuca ou do caso Caboclo. Em 2020, o lateral-direito Marcinho, ex-Botafogo, foi acusado de atropelar um casal na Avenida Sernambetiba, no Rio. Os pedestres atravessavam a pista quando foram atingidos por um carro modelo Mini Cooper. Ambos morreram. Depois daquele episódio, Marcinho virou réu pela morte de duas pessoas, mas trabalhou no Athletico-PR, Patos FC e Bahia. Nesta temporada, ele está vinculado ao América-MG. Algum dirigente desses clubes consultou o RH ou o Jurídico?

Quando optou por contratar Erick Pulgar, o Flamengo tentou encobrir o repertório de polêmicas do volante chileno. Ele atropelou um idoso e era acusado de estupro dentro da própria residência. Parte da torcida do Flamengo abriu a hashtag “Pulgar, Não”, em protesto contra a chegada dele ao clube. Na apresentação, Pulgar evitou o assunto. “Tudo que aconteceu já passou. Falo muito pouco da minha vida fora do futebol. Perguntas fora do futebol não têm razão”, desconversou.

O Coritiba acaba de demitir António Oliveira para contratar o ex-zagueiro Antônio Carlos Zago. O RH do clube teve, no mínimo, o direito de se manifestar aos dirigentes lembrando que o candidato à vaga tem contra si um histórico de racismo nos tempos de zagueiro contra o então colega de profissão Jeovânio? No passado, o próprio Corinthians se negou a contratar o auxiliar Rodrigo Santana depois de apurar que ele havia participado de atos golpistas. O profissional seria auxiliar-técnico de Fernando Lázaro.

A modernização da gestão do clubes vai muito além do acesso à era da Sociedade Anônima do Futebol. Da sonhada e rica nomenclatura SAF no nome do clube. É fundamental o cuidado, o zelo no processo seletivo dos colaboradores — e respeito do profissional à cultura e aos valores do clube. O esporte mais popular do mundo também precisa ser visto como um ambiente corporativo. Não se contrata olhando apenas nome, fama e os títulos estampados no currículo. Vai muito além. O Corinthians deu de ombros para o que Cuca fez no verão passado e paga caro por isso. Um desgaste sem precedentes a uma instituição centenária.

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Marcos Paulo Lima

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