Qatar O planejamento do Qatar para a Copa está mantido: 32 seleções. Foto: Marcos Paulo Lima/CB/D.A Press. ESPORTES Com a decisão da Fifa, o planejamento do Qatar está mantido. Foto: Marcos Paulo Lima/CB/D.A Press. ESPORTES

Copa-2022 com 48 seleções era peça do quebra-cabeça da Fifa para projeto ambicioso: Nobel da Paz

Publicado em Esporte

Gianni Infantino tinha três cartas na manga para a realização de um ousado projeto pessoal: a conquista inédita do Prêmio Nobel da Paz para a Fifa. Gastou uma. O  aumento da Copa do Qatar-2022 de 32 para 48 seleções era um desses trunfos. Porém, blefou nesta quarta-feira com a manutenção da competição do jeitinho que é há seis edições, (desde 1998) — e o anfitrião queria. O êxito da ambição de Infantino era uma espécie de curinga. Fortaleceria ainda mais a candidatura única dele à reeleição, em 5 de junho, no 69° Congresso, em Paris. O suíço de 49 anos não sofrerá derrota no pleito, mas terá de administrar o refugo e lidar, na França, com biquinhos de parte dos 24 países árabes entre os 211 filiados.

Estive em Doha em março. As obras para a Copa-2022 estão adiantadas. Dois dos oito estádios prontos. O terceiro será inaugurado em setembro. O primeiro trecho do metrô saiu do papel. Dinheiro lá não é problema. O relacionamento com os vizinhos, sim.

Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Barein, Egito, Líbia e Iêmen e lideram embargo contra o Qatar. Dura um ano e 10 meses. Há vários motivos. O repúdio ao suposto apoio do país da Copa a grupos terroristas como Al Qaeda, por exemplo. No âmbito esportivo, o endereço do próximo Mundial. Os vizinhos debocharam da candidatura do Qatar a sede do torneio. Não apoiaram nem aceitaram dividir a festa. Apostavam na derrota contra Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão e Austrália. Quando viram o triunfo do minúsculo país de 11.437 km² — metade da área de Sergipe (21.915 km²) — sobre o gigante EUA na última rodada, viram que a brincadeira havia ficado séria e tentaram fazer parte da festa. Era tarde.

Gianni Infantino esperava driblar o bloqueio diplomático ampliando o Mundial para 48 países. Assim, ganharia pontos para o Nobel da Paz. Daria oportunidade para que mais seleções árabes participassem da Copa — são 24 filiadas à Fifa. A alternativa era convencer o Qatar a dividir a Copa com Omã e Kuwait. A entidade queria mais dois estádios. O problema de Omã era estrutura. Do Kuwait, a lei seca total e a proibição da entrada no país a qualquer pessoa vinculada a Israel.

O Qatar até discutiu a viabilidade com a Fifa, porém, o martelo finalmente está batido. “Após um processo de consulta minucioso e abrangente com o envolvimento de todas as partes interessadas relevantes, concluiu-se que, nas circunstâncias atuais, tal proposta não poderia ser feita agora”, anunciou a Fifa em nota oficial publicada nesta quarta-feira.

A entidade máxima do futebol acrescenta: “A FIfa e o Qatar mais uma vez exploraram a viabilidade de o Qatar sediar um torneio com 48 equipes, em particular, reduzindo alguns dos principais requisitos da Fifa. Uma análise conjunta concluiu que, devido à fase avançada das preparações e à necessidade de uma avaliação detalhada do potencial impacto logístico em outros países, mais tempo seria necessário e uma decisão não poderia ser tomada antes do prazo final de junho”, esclarece o comunicado.

A manutenção da Copa com 32 seleções é mais um triunfo do Qatar, principalmente, contra os Emirados Árabes Unidos. Para se ter uma ideia do cenário complicado, nenhum voo em direção a Doha pode sobrevoar o espaço aéreo das nações que impõem embargo ao país-sede da Copa. As viagens são mais longas por esse motivo. É preciso passar longe dos Emirados Árabes Unidos. Consequentemente, a Qatar Airways, maior concorrente da Emirates,  gasta mais combustível. É impossível acessar o Qatar de carro. As fronteiras estão fechadas. Voos para Omã e o Kuwait também seriam longos, estressantes e cansativos para as seleções e os torcedores. O aumento viraria um imenso problema de logística e a Fifa deu o braço a torcer.

No início do ano, os Emirados Árabes Unidos receberam a Copa da Ásia. O Qatar conquistou o título inédito de forma brilhante. Invicto, um gol sofrido e goleada por 4 x 0 sobre os donos da casa, em Abu Dhabi, nas semifinais. Revoltados, torcedores anfitriões atiraram chinelos nos jogadores qataris em mais uma prova do relacionamento tenso entre os vizinhos. Atirar um calçado em alguém é insulto gravíssimo no mundo árabe. A Fifa inclusive puniu o país agressor.

Apesar disso, o diretor da Copa da Ásia e alto funcionário do governo dos Emirados Árabes, Aref Al-Awani, fez lobby para que a Fifa ampliasse a Copa para 48 seleções. “O meu país está disposto a ajudar a Fifa no que for preciso. Não temos dúvida de que a Copa terá impacto em toda a região, não apenas no Qatar”, argumentou.

Infantino pensou até em recorrer ao vice-presidente da Fifa, Salman bin Ibrahim Khalifa, do Barein, como mediador, ou seja, para tentar suspender o embargo ao Qatar. Entretanto,  encontrou outro nó: a eleição da Confederação Asiática de Futebol. Salman bin Ibrahim Khalifa tentará a reeleição contra um concorrente qatari: Saoud Al Mohannadi.

Com a primeira carta rasgada, restam duas na manga para Infantino manter o sonho do Nobel da Paz para a Fifa. Um deles é “implodir” os muros de Donald Trump na Copa-2026. O presidente norte-americano mantém o discurso de impedir a entrada dos mexicanos nos Estados Unidos — que dividirá o torneio justamente com os vizinhos México e Canadá. Como organizar a Copa num país que fecha fronteiras com o vizinho anfitrião do torneio? Em tese, vem aí um desafio mais tenso do que o embargo diplomático dos vizinhos árabes ao Qatar.

A terceira carta na manga do presidente da Fifa é a Copa-2030. Embora Argentina, Uruguai e Paraguai sejam candidatos a receber a Copa no ano em que o evento completará 100 anos, Infantino sonha com o Mundial em nações com culturas e religiões totalmente diferentes: Portugal, Espanha e Marrocos. Resumindo: a manutenção da Copa Qatar-2022 com 32 países pode causar um efeito dominó no projeto audacioso de Infantino.

Aguardemos as cenas dos próximos capítulos nos preparativos para 2026…

 

Siga o blogueiro no Twitter: @mplimaDF

Siga o blogueiro no Instagram: @marcospaul0lima

Siga o blog no Facebook: https://www.facebook.com/dribledecorpo/